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Saúde e Bem-estar
Foto: Karime Xavier-Folhapress
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Por cerca de dez anos, Flávia Neves Pereira Manzan, 34, sentiu cólicas abdominais esporádicas que foram se intensificando com o passar do tempo. Ela as atribuía a gases. Em 2022, teve uma crise com dor insuportável que a levou a um diagnóstico inesperado: câncer de ovário.
Após passar por três prontos-socorros, onde suspeitaram de apendicite e até gravidez, uma tomografia finalmente identificou um cisto e só depois ela foi examinada por um especialista.
“Os sintomas são inespecíficos, uma sensação de gases na barriga. Até no pronto-socorro mesmo não vão investigar isso a fundo”, diz. Ela teve que retirar o útero, o ovário e as trompas, entrando em uma menopausa precoce.
O câncer de ovário é o mais letal entre os tumores ginecológicos. Cerca de 70% dos casos são diagnosticados em fase avançada pela falta de rastreamento eficaz e pelos sintomas inespecíficos —aumento abdominal, desconforto pélvico, má digestão, perda de peso— facilmente confundidos com problemas digestivos ou infecções urinárias, explica Andrea Paiva Gadelha, coordenadora da oncoginecologia de tumores ginecologicos do Hospital A.C. Camargo Cancer Center.
O ponto principal, afirma a médica, é a persistência desses sintomas, que deve ser investigada. A doença é difícil de rastrear porque não existe um exame específico, como a mamografia para o câncer de mama. Isso, somado a falta de especificidade, explica Marcia Pinheiro, gerente médica da AbbVie para cânceres sólidos, é a principal razão pela qual grande parte dos casos é diagnosticada em estágios avançados.
A doença acomete principalmente mulheres na pós-menopausa e envolve fatores hormonais e reprodutivos, como a menarca precoce —mulheres que menstruaram antes dos 12 anos—, menopausa tardia, infertilidade e nunca ter tido filhos. Cerca de 25%, afirma Gadelha, dos casos estão associados a mutações nos genes BRCA1 e BRCA2, que também aumentam o risco de câncer de mama, pâncreas e próstata.
Flávia tinha casos de câncer na família, mas não havia investigado a fundo. Inicialmente desencorajada por uma médica devido ao alto custo, ela tentou fazer o teste genético pelo SUS (Sistema Único de Saúde) em Goiás. Com um novo médico, conseguiu identificar uma variante ATM que faz com que seu organismo tenha mais dificuldades para combater células cancerígenas. O histórico familiar é importante tanto para definir a estratégia de tratamento e manutenção pós-quimioterapia para a paciente quanto para o aconselhamento genético dos familiares, enfatiza Gadelha.
O cenário mudou em 2024 com a implementação do programa Goiás Todo Rosa, pioneiro em oferecer testes genéticos gratuitos pelo SUS. O projeto é realizado em convênio com a Universidade Federal de Goiás (UFG) —utilizando o Centro de Excelência em Genética Humana da universidade—, e capacitou profissionais para identificar riscos e oferecer aconselhamento genético especializado.
“O Goiás Todo Rosa não é só a realização do painel genético, a ideia é ter um olhar diferenciado para toda a jornada da paciente, desde a detecção até o tratamento”, diz Rosemar Rahal, médica mastologista e professora da UFG.
Se o resultado for positivo, a paciente recebe aconselhamento genético especializado. Nessa etapa, são discutidas as opções, que incluem acompanhamento rigoroso ou cirurgias redutoras de risco, como mastectomia e salpingo-ooforectomia, seguidas de cirurgias reparadoras, como a reconstrução mamária.
Até agosto de 2025, o programa realizou 571 exames genéticos, com 81 casos positivos. “É uma medida efetiva, eficiente e economicamente viável. Evita gastos maiores depois do tratamento e reduz mortes evitáveis”, afirma o secretário de Saúde Rasivel Santos.
Outra estratégia, além do teste genético, é a disseminação de informação e a conscientização sobre a doença. Setembro, por exemplo, foi escolhido como o mês de conscientização dos cânceres ginecológicos no Brasil —o Setembro Púrpura ou Setembro Flor.
Segundo Pinheiro, da AbbVie, quando essa doença é diagnosticada precocemente, tem 90% de possibilidade de uma boa resolução e até de cura.
“A gente precisa jogar um holofote em cima do câncer de ovário. Dentro da investigação de dor pélvica e dor abdominal, precisa ser pensado também o câncer de ovário”, diz Pinheiro.
Flávia levou essa lição para a vida. Na época do diagnóstico, ela estudava, trabalhava, cuidava da filha e dos afazeres domésticos e deixou a saúde em segundo plano. “Nós, mulheres, já somos conhecidas como guerreiras, como aquelas que dão conta de fazer tudo”, diz. “Se a gente coloca muitas tarefas nos nossos dias e não damos importância a esses pequenos sintomas, quando descobrimos, já está uma coisa imensa”. Ela afirma que o apoio psicológico foi crucial para sua recuperação mental e força para tratar a doença.
Após um período de exames limpos, em janeiro de 2025, Flávia descobriu uma recidiva. Dessa vez, fez quimioterapia e depois uma nova cirurgia. A biópsia recente ainda mostra resquícios da doença, agora em baixo grau, e ela aguarda a definição dos próximos passos.
*VITÓRIA MACEDO/folhapress
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