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Saúde e Bem-estar
Foto: Ilustrativa/Freepik
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A má qualidade da formação médica no Brasil tem travado a descentralização do cuidado no SUS. Em vez de médicos preparados para resolver os problemas da população nos postos de saúde —a principal porta de entrada das pessoas—, o sistema lida com profissionais que, mal formados, apenas repassam a demanda para especialistas. O prejuízo é de todos.
“O que estamos recebendo são despachantes, não médicos,”, disparou Mauro Guimarães Junqueira, secretário-executivo do Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde), durante o Fórum Descentralização do Cuidado – Novas Abordagens e Desafios para Reescrever a Assistência à Saúde, em Brasília. “A formação em saúde no nosso país deixa muito a desejar”, completou.
Muitos médicos recém-formados chegam às UBSs (unidades básicas de saúde) sem preparo para atuar como médicos de família e comunidade, função central na lógica do SUS. Motivados pela necessidade de renda e sem acesso à residência médica, esses profissionais pouco resolvem na ponta.
“Tem médico que encaminha um paciente para o endocrinologista só para prescrever insulina”, criticou Junqueira. Isso significa mais custo para o sistema, mais desgaste para o paciente, que precisa faltar ao trabalho de novo e esperar mais tempo por uma consulta com um especialista.
O problema estrutural se agrava com a falta de vagas em programas de residência e a baixa atratividade financeira das bolsas. “O sistema não estimula a formação contínua. O profissional sai da faculdade endividado, quer ganhar dinheiro rápido, e a UBS vira o primeiro emprego, mas ele não está preparado para isso”, afirmou.
Para Tânia Mara Coelho, presidente do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) e secretária de saúde do Ceará, a raiz do problema é ainda mais profunda.
“Saúde não se muda sem educação. Esse é o pilar básico para transformar o cuidado no Brasil”, afirmou. Ela defende também o empoderamento da população como parte do processo: “As pessoas precisam saber o que cobrar e como cobrar”.
A descentralização do cuidado propõe que o atendimento ocorra no lugar mais adequado à complexidade do caso, de preferência, próximo à casa do paciente. Unidades básicas, ambulatórios e até o domicílio são preferíveis aos hospitais, que deveriam atender apenas os casos mais graves. A proposta melhora o acesso, desafoga serviços de emergência e promove um cuidado mais humanizado e eficiente. Mas, sem profissionais capacitados para atuar com autonomia na atenção primária, essa lógica se desmonta.
“Sem gente preparada para cuidar, não adianta reorganizar a rede. A descentralização precisa andar de mãos dadas com a formação e a valorização do trabalho em equipe”, disse José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde e pesquisador da Fiocruz. Para ele, descentralizar o cuidado é também “uma resposta cultural às transformações contemporâneas da saúde coletiva, como o envelhecimento da população e o aumento das doenças crônicas”.
O QUE JÁ ESTÁ SENDO FEITO
Apesar dos entraves, há experiências que apontam caminhos. No Brasil, iniciativas em estados como São Paulo, Minas Gerais, e em cidades como o Recife têm apostado na regionalização, digitalização da saúde e formação em serviço para tentar fortalecer a atenção primária.
São Paulo, por exemplo, criou o programa “Pabinho”, que aumentou significativamente os repasses em dinheiro para atenção básica e atrelou os recursos a indicadores de desempenho. Em dois anos, a cobertura vacinal contra pólio e tríplice viral subiu mais de 10 pontos percentuais.
Já Minas Gerais investe em teleconsultorias e no fortalecimento da atenção primária para tratar até doenças raras —descentralizando inclusive o acompanhamento desses casos.
No Recife, a digitalização das UBSs e o uso de teleconsultorias já conseguiram retirar mais da metade dos pacientes das filas de espera para especialistas.
Fora do país, os dados também reforçam a eficácia da descentralização. No Reino Unido, houve 800 mil internações a menos em 2022. Em Singapura, o programa MIC@Home economizou 7.000 dias de leito. A Holanda e a Bélgica também registraram menos internações, mais resolutividade local e maior acesso a cuidados remotos. Tudo isso graças a um cuidado mais descentralizado.
Mas, como alerta Flaviano Ventorim, vice-presidente da Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos, não se trata apenas de reformar estruturas físicas: é preciso acompanhar a evolução tecnológica e de dados. “A gestão da informação será um fator decisivo. Estamos entrando em uma era de decisões rápidas e precisas, e quem não souber lidar com isso vai ficar para trás.”
O Brasil tem tecnologia, conhecimento acumulado e boas experiências locais. Mas, se quiser descentralizar de verdade, precisa começar pela base: uma formação médica que priorize a saúde coletiva, o cuidado próximo e o compromisso com o território.
*BÁRBARA PALUDETI/UOL-Folhapress
A repórter viajou a convite da Roche.
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