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Um pouco de filosofia política normativa está fazendo falta. No confucionismo, um junzi é alguém dotado de virtudes e de capacidades superiores. Elevado à condição de governante, um junzi sábio e justo gotejaria suas políticas e ideias por meio de ministros competentes, o que impactaria a vida do povo.
A liderança pelo exemplo está no cerne da filosofia de Confúcio, por isso a posição do soberano não é incontestável e ele deve sofrer oposição ou ser deposto quando deixar de ser o “vento sob o qual a grama se curva”. Mais importante, o modelo confuciano previa uma mobilidade social baseada no mérito e não em direitos hereditários. Habilidades diferenciadas e bom caráter seriam os únicos critérios para subir as escadas até os mais altos níveis de governo.
O cidadão comum, instado a comparar a ocupação dos espaços de poder público na visão confuciana com aquele resultante do domínio dos partidos políticas nas sociedades contemporâneas, perceberá o abismo entre os dois. Desde que monarcas e ditadores perderam o monopólio do poder, os partidos passaram a ser os protagonistas da vida política em qualquer regime de governo.
Transformados em agremiações poderosas – ainda mais em tempos de fidelidade partidária, orçamento secreto e fundo partidário -, eles são controlados por grupos que se fecham entre si, dando as cartas no baralho que se apresenta ao eleitor. Riqueza, laços familiares, conchavos e cálculos egoístas estão por trás das indicações de candidaturas.
Eleições após eleições, membros de famílias e candidatos já conhecidos se repetem. Não há oxigenação da vida política e um sistema estático deixa fora talentos e capacidades distribuídas pela sociedade, porém distantes da vida partidária. Esse é apenas um exemplo de fatores limitantes que atuam em diversas estruturas sociais a conservar o status quo e a impor restrições à ascensão dos indivíduos. Aqui tratamos apenas do campo político.
Neste sentido, a candidatura avulsa, desvinculada dos partidos, poderia representar uma mudança importante e ser experimentada. A democracia é o sistema que permite adaptação e flexibilidade.
No Brasil, presenciamos várias mudanças e inovações que buscaram aperfeiçoar a vida democrática. O voto aos dezesseis anos, a reeleição (com minha opinião contrária), a votação em dois turnos, o incentivo à participação das mulheres, a própria introdução do fundo partidário, etc.
No caso da candidatura avulsa, o desafio é maior, pois a Constituição brasileira atrela o “ser votado” à filiação partidária (Art.14, parágrafo 3º., Inciso V e Lei 13.488/2017). Há um recurso extraordinário no STF de um candidato a prefeito que reivindicou a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), da qual o Brasil é signatário, para ter sua candidatura deferida. A Convenção garante o direito de o cidadão ser eleito, mesmo que não pertença a um partido.
O caso, de repercussão geral, ficou de molho no Tribunal maior desde 2016. Enquanto não é reavaliado, os partidos continuam a inibir a competição para os cargos majoritários. A maioria organiza rituais antes das eleições, apenas para sacramentar candidatos já definidos pelas cúpulas. Isso vale para Direita, para o Centro e para a Esquerda. A cupidez política não tem ideologia.
Mas em quais condições uma candidatura avulsa poderia ser benéfica e plausível? Muito há o que se debater sobre isso. Defendo que o legislador deveria permitir que um cidadão comum, lastreado pelo aval de uma quantidade mínima dos eleitores de uma cidade, pudesse candidatar-se a governá-la.
Então, se poderia partir das eleições a cargos majoritários nos municípios, em primeiro lugar, definindo-se como condição, por exemplo, algo em torno de 5% dos eleitores como exigência formal para que a candidatura fosse aceita pela justiça eleitoral, além, claro, de um programa de governo a ser apresentado pelo postulante, o qual já teria servido de base para a coleta de assinaturas dos apoiadores.
Do ponto de vista operacional, as modernas tecnologias tornam esse processo extremamente simples. Sob o ângulo da dinâmica eleitoral, um componente participativo, criado pela cidadania, poderia furar o bloqueio dos partidos e oferecer alternativas de fora deles. E quanto à governabilidade de um “avulso eleito”?
Não creio que tal condição seria um complicador, poderia até romper vícios. Bancadas de partidos, também legitimadas pelo voto, definiriam posições em torno de projetos e pautas e não movidas apenas pelos interesses partidários a indicar o ser contra ou a favor qualquer que fossem as proposições vindas de quem governa.
Parlamentares de diferentes matizes partidárias poderiam fazer ou não parte do governo, votar sim ou não. As barganhas não desapareceriam, mas estariam descontaminadas do “nós contra eles”.
A despeito das fórmulas que podem ser encontradas – aqui se tem apenas uma ideia provocativa -, o que o sistema político precisa perceber é o crônico descrédito que assola as instituições do século XXI, atmosfera geradora de um niilismo, cujo desencanto é criadouro de voluntarismos, messianismos e populismos deletérios.
Cavalgando por dentro de partidos ficcionais ou tomando-os por empréstimo, falsos heróis solapam a democracia e manipulam multidões que a eles entregam, em alguns casos, a sentença de morte dos próprios concidadãos. Melhor seria instilar a sociedade civil a tomar as rédeas, participar, debater e escolher junzis quando não os encontrasse nas estruturas fechadas e feudalizadas dos partidos.
*Cientista político e professor da UFCG
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