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Foto: José Cruz/Agência Brasil
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Uma onda de calor fez os termômetros ultrapassarem 40°C em diversas regiões do país nos últimos dias e expôs o despreparo das escolas brasileiras para lidar com as altas temperaturas.
Um levantamento feito pelo CIEPP (Centro de Inovação para a Excelência das Políticas Públicas) aponta que apenas 33% das salas de aula das escolas públicas do país são climatizadas. Mesmo na rede particular menos da metade é climatizada (47%). Os dados são do Censo Escolar 2023.
O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), responsável pelo Censo, considera como climatizadas as salas de aulas que possuem equipamentos como ar-condicionado, aquecedor ou climatizador.
Os dois estados com o maior número de alunos são os que têm o menor percentual de salas de aula climatizadas: Minas Gerais (8,4%) e São Paulo (2,7%). Alunos e professores das escolas paulistas, no entanto, relatam que a situação é ainda mais difícil do que apenas a falta de climatização, já que muitas das salas nem sequer possuem ventilador funcionando ou cortina nas janelas para impedir a entrada de sol.
Professor de educação física em duas escolas públicas da capital paulista (uma estadual e outra municipal), Francisco Lima Neto conta que não há nem ao menos água gelada nos bebedouros para que os alunos se refresquem.
“Não recebemos nenhuma orientação das secretarias de Educação sobre o que fazer com os alunos nos dias de muito calor, mas, por bom senso, eu reduzi as atividades que demandam mais energia. É perigoso, todo dia tem algum aluno passando mal com o calor”, conta.
Ele dá aula na escola estadual Mario Kozel Filho e na escola municipal Capistrano de Abreu, ambas no Itaim Paulista, na zona leste. Ele diz que as salas contam com apenas um ventilador, que frequentemente quebra por excesso de uso.
“Em dias muito quentes, o ginásio vira um forno e é impossível usá-lo principalmente no fim da manhã ou começo da tarde. Eu vivo um dilema nessas horas sobre o que fazer com os alunos: o ginásio com a cobertura que amplifica o calor ou as salas de aula sem ventilador.”
Na escola estadual Professor Flávio José Osório Negrini, no Campo Limpo, na zona sul, uma professora contou que os ventiladores são tratados como itens de luxo, já que a maioria das salas não têm o equipamento funcionando.
Na escola estadual Professor Flávio José Osório Negrini, no Campo Limpo, na zona sul, uma professora contou que os ventiladores são tratados como itens de luxo, já que a maioria das salas não tem o equipamento funcionando.
A professora, que pediu para não ter o nome divulgado por medo de represália, diz que sempre culpam os alunos por estragarem os ventiladores. Para ela, no entanto, os equipamentos quebram por falta de limpeza, excesso de uso e falta de manutenção.
Com mais de 1.400 alunos, que estudam em três turnos, a escola tem duas faxineiras para cuidar da limpeza de todo o prédio. Por isso, é muito difícil que elas deem conta de tirar o pó dos ventiladores de 18 salas, diz a professora.
Ela também conta que, em alguns horários do dia, o sol bate diretamente nas janelas das salas de aula e os alunos se queixam ainda mais do calor e até mesmo de não conseguir enxergar a lousa por causa do reflexo.
Para amenizar a situação, já que não há cortinas nas janelas, ela pede que os alunos fiquem todos no canto oposto da sala.
Na escola estadual Maria Augusta de Moraes Neves, no Jabaquara (zona sul), as salas de aula são equipadas com dois ventiladores, mas é incomum encontrar alguma que tenha os dois funcionando. Uma docente, que também pediu para não ser identificada, disse que os alunos pedem o tempo todo para sair da sala e ir beber água. Ela também sente que os alunos ficam mais irritados ou com mais dificuldade de concentração.
Os professores das três escolas também contaram que o grande número de alunos por turma aumenta ainda mais o calor. Eles disseram que nas turmas do ensino médio, por exemplo, chegam a ter mais de 40 alunos em uma única sala.
Estudos já indicam que o excesso de calor prejudica a aprendizagem por afetar a concentração, memória e a saúde física e mental dos alunos. A Folha mostrou que economistas do Banco Mundial fizeram uma projeção de que o aumento de dias com altas temperaturas pode levar à queda de rendimento escolar das crianças brasileiras.
O levantamento do CIEPP mostra que são os estados do Norte e Centro-Oeste os que têm maior proporção de climatização das salas de aula. Rondônia, Tocantins, Mato Grosso e Amazonas possuem os maiores percentuais.
Apesar de a maior cobertura estar em regiões que registram mais dias de altas temperaturas, Jhonatan Almada, responsável pelo estudo, diz que os dados mostram o despreparo das outras redes para lidar com as mudanças climáticas.
“As autoridades públicas do Sul e Sudeste não podem se valer do argumento de que estão em estados com calor mais ameno e, por isso, não se preocupar em tornar o ambiente escolar menos desconfortável. As mudanças climáticas já chegaram e estão elevando as temperaturas de todas as regiões do país”, diz.
No Rio Grande do Sul, o início do ano letivo foi adiado na rede estadual na última semana já que algumas regiões registraram temperaturas acima de 43ºC, com sensação térmica de 50ºC.
A suspensão foi determinada pela Justiça após um pedido de liminar do CPERS (Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul) argumentando que as escolas não têm estrutura adequada para funcionar em temperaturas tão altas. A rede estadual gaúcha tem a terceira menor proporção de salas climatizadas do país, com 18,6%.
O governo Eduardo Leite (PSDB) conseguiu derrubar a liminar e iniciar as aulas para os 700 mil alunos da rede estadual gaúcha. A gestão disse que enviou R$ 180 milhões para as escolas, que podem ser usados, por exemplo, para a compra de ar-condicionado e ventiladores.
Em nota, a Secretaria de Educação da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), disse que desde 2023 investiu R$ 300 milhões em reformas nas escolas para a adequação da entrada de energia para a instalação de equipamentos de ar-condicionado.
Segundo a pasta, neste ano, 595 escolas estaduais estão climatizadas. A pasta não informou quantas salas de aula possuem climatização.
Ainda segundo a secretaria, quatro regiões administrativas do estado com histórico de altas temperaturas (Barretos, Franca, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto) tiveram prioridade na aquisição dos equipamentos e têm 39,3% das escolas com climatização também não foi informado quantas salas de aula dessas unidades estão equipadas.
Procurados, a secretaria de Educação de Minas Gerais e o Ministério da Educação não responderam até a publicação desta reportagem.
* ISABELA PALHARES (FOLHAPRESS)
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