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Jornalista, Pós-Graduada em Comunicação Educacional, Gerente de Negócios das marcas Natura e Avon.
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A única certeza que temos na vida é a morte, e, ainda assim, é a única para a qual nunca estamos preparados. Vivemos como se fôssemos eternos, fugindo da ideia de finitude, até que ela nos encara de frente e nos rasga por dentro. A recente partida de Preta Gil reacendeu em muitos de nós feridas adormecidas, perdas profundas, memórias que guardamos tentando proteger o coração de sentir tudo de novo. Mas o luto tem esse poder: ele nos atravessa, nos desarma, nos conecta com aquilo que mais tememos, amamos e perdemos.
Quando fui contratada pela Natura e viajei para São Paulo para um treinamento de 15 dias, minha mãe estava internada. Ela, mesmo em estágio terminal de um câncer agressivo e cruel, foi a pessoa que mais me encorajou a ir. Nossa despedida foi uma das cenas mais dolorosas da minha vida. Ela, já tão frágil, me ouviu contar sobre a viagem, olhou nos meus olhos, e uma lágrima grossa escorreu pelo seu rosto. Seu peito subiu num soluço profundo, como quem pressente a despedida final. Choramos. Todo o quarto chorou conosco. E, de fato, aquele foi nosso último encontro.
Cheguei em São Paulo em 13 de junho de 1993. No dia 14 fui contratada. No dia 18, ao amanhecer, minha mãe partiu. Todos na empresa já sabiam, menos eu. Todos os dias eu ligava para o hospital em busca de notícias, para saber se havia retornado ao apartamento, ouvindo sempre que ela estava na UTI e não podia falar. A verdade era outra, mas o que me alimentava era essa esperança ou talvez egoísmo de a reencontrar viva.
Naquele fim de semana, fui para a casa da minha tia Tetê, em São Bernardo do Campo, a irmã da minha mãe, alma gêmea dela e porto seguro meu. Ela me recebeu com tanto amor que não cabia em palavras. Ao me abraçar, disse apenas: “estou abraçando um pedacinho de Helena”. Ela segurava o choro, e eu achava que era por causa da doença, não da morte.
Na noite da sexta-feira, 17 de junho, véspera da partida da minha mãe, algo inexplicável aconteceu. Quando o elevador do hotel abriu no 12º andar, fomos invadidas por um forte e embriagante cheiro de rosas. Parecia oração em cheiro. Todas sentiram. Abrimos todas as portas procurando a origem, e quando abri a minha, junto à colega do Rio de Janeiro que o dividia comigo, o aroma se intensificou. Foi a primeira noite em que senti paz e dormi a noite toda.
Ao retornar para Campina Grande, pedi a Álvaro que me levasse do aeroporto direto ao hospital. Ele insistiu que eu passasse em casa primeiro. Quando entramos no quarto, ele me abraçou e, com cuidado, disse: “Ela não está mais na FAP. Ela já partiu.” Um buraco se abriu sob meus pés. Era como um pesadelo. A realidade me esmagava: como viver sem minha mãe? Sem sua voz, seu cheiro, seus conselhos, seu amor?
Sua cama hospitalar ainda estava em seu quarto. Ali me deitei, num lençol seu, e chorei por três dias. Um luto profundo, paralisante. Achei que nunca sairia dele. Mas eu tinha um setor para fundar, e ela tinha tanto orgulho das minhas conquistas. Eu devia esse triunfo a ela.
Vivi em três dias as cinco fases do luto: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. No quarto dia, me levantei, me arrumei com os olhos muito inchados, e comecei. Nasceu ali um setor que cresceu, se multiplicou, frutificou, virou floresta e me levou aos quatro cantos do mundo, transformando muitas vidas, inclusive a minha.
Mas a vida não parou de me testar.
Anos depois, o telefone tocou às 5 da manhã, dia 14\07\2014. Meu pai havia falecido. Era dia de fechamento e, no dia seguinte, faria os eventos de Presentes… Pais! Avisei a equipe, fui para Teixeira, participei do sepultamento, voltei à noite e, ainda com a mesma roupa, fiz o fechamento. No dia seguinte, cumpri todos os eventos programados. Ao final, compartilhei com as consultoras a perda do meu pai. Ninguém acreditava. Quando voltei para casa, chorei tudo que havia guardado. Não me dei o direito aos meus três dias. O trabalho exigia, e eu entreguei.
Depois, foi meu irmão mais velho. E tudo se repetiu. Câncer, sofrimento, medo, baque. Mais dor, mais silêncio, mais força forçada. Mais limites testados. A tudo aguentei.
Por que trago tudo isso agora?
Porque a caixa de Pandora se abriu. E escrever, contar, compartilhar, é a forma que encontrei para continuar em paz com minha saudade. Saudade não passa. Ela apenas muda de lugar. A gente aprende a conviver com ela. Deixa de doer o tempo todo e a todo instante, mas permanece ali, como cicatriz. O luto não é fraqueza. É a face mais pura do amor. Porque o luto é isso: o grito do amor que ficou. E vai ficando. Em silêncio, mas sempre presente.
E eu sigo. Carregando minha mãe, meu pai, meu irmão, cunhada, sogro… não no luto, mas no que construo. Cada passo meu é parte do amor que eles deixaram. E mesmo que a saudade me rasgue às vezes, sei que estou viva para honrar a vida deles. Porque o luto, no fim das contas, é amor em estado bruto.
Atenção: Os artigos publicados no ParaibaOnline expressam essencialmente os pensamentos, valores e conceitos de seus autores, não representando, necessariamente, a linha editorial do portal, mas como estímulo ao exercício da pluralidade de opiniões.
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