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Benedito Antonio Luciano

Benedito Antonio Luciano

Professor Titular aposentado do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

Matulão de um andarilho

Por Benedito Antonio Luciano
Publicado em 23 de julho de 2025 às 7:50

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Lançado em 1994 pela Editora A União, Matulão de um andarilho é o título do livro do cantador e poeta popular José Alves Sobrinho. Nascido em Picuí, em 25 de junho de 1921, e falecido em Campina Grande, em 17 de setembro de 2011, o poeta tinha com nome verdadeiro José Clementino de Souto. O pseudônimo foi adotado por ele, desde os treze anos de idade, em homenagem ao seu tio e padrinho José Alves Souto.

Para os não familiarizados com o linguajar nordestino, devo explicar que a palavra “matulão” pode significar matula, farnel ou alforje, uma espécie de saco de couro com bocal fechado por correias ou corda de sisal, usada por viajantes humildes.

Dentro do matulão, além dos seus bens, seus “teréns” (pertences), o andarilho, no caso o poeta cantador, carregava consigo suas memórias afetivas que deram origem ao livro aqui referido e outras obras da lavra de José Alves Sobrinho, publicadas entre 1978 e 2009, com destaque para o Dicionário Biobibliográfico de Repentistas e Poetas de Bancada, em parceria com Átila Almeida.

O conteúdo do livro Matulão de um andarilho é composto por doze poemas de autoria de José Alves Sobrinho e dois de renomados pioneiros na divulgação impressa da literatura popular em versos: Prodígios da natureza, de Francisco das Chagas Batista (1882-1930), e A seca no Ceará, de Leandro Gomes de Barros (1865-1918).

Logo no poema de abertura, Campina Grande, o autor homenageia sua cidade adotiva com lirismo e reverência na primeira estrofe:

“Campina Grande princesa,
Rica cidade beleza,
Deu-te a mão da natureza
A forma de um diadema
Cingindo a fronte bendita
Que há tantos anos habita
Na Serra da Borborema. ”

Já no segundo poema, Quando eu deixei de cantar, o poeta relata, em tom emocional, o drama vivido por volta de 1960, quando perdeu parcialmente a voz, o que o impediu de continuar cantando profissionalmente:

“Eu era um irapuru
Na voz e na melodia,
Mas sem esperar, um dia
Fiquei qual um urubu:
Sem voz, sem som, nu e cru.
Fui forçado a abandonar
A profissão popular
De cantar para viver!
Como é triste não poder
Cantar, sabendo cantar. ”

Outros poemas do livro retratam com riqueza de detalhes e humor aspectos do cotidiano nordestino, como:

“Era assim o Mercado São José” – descrição detalhada do famoso Mercado localizado no centro do bairro São José, em Recife-PE.

“O camelô e a garrafada” – relato dos componentes utilizados na garrafada, vendida na feira como uma panaceia para a suposta cura de variados tipos de doença, culminando, na última estrofe, com preços de promoção aos fregueses fiéis (“Uma é cinco, três são dez”) e o endereço do garrafeiro, no Buraco da Jia, no bairro da Conceição, em Campina Grande.

“O milagre do fumo” – baseado em um causo hilário de um vendedor de fumo que salvou a vida de um caboclo do sertão que estava morrendo com um osso atravessado na goela.

“Patrão, até outro dia” – desta vez, trata-se do causo de um trabalhador honesto que não aceitou a proposta de ser pistoleiro, respondendo ao proponente com os seguintes versos: “Então Vossa Senhoria/ Vá atrás de outra pessoa, / Nossa conversa está boa/ Patrão, até outro dia.”.

“Furtei, mas não sou ladrão” – episódio comovente de como um sertanejo faminto e desempregado confessou a um Juiz ter furtado uma galinha para matar a fome dele e da família.

“Poema à beira mar” – tradicional galope à beira-mar elaborado com esquema de rimas ABBAACCDDC, usual no martelo agalopado e nas décimas de cantoria (estrofes de dez versos ou dez pés, como também são denominados).

“Adeus violinha” – homenagem e despedida do instrumento de trabalho por motivo superior, simbolizando o fim da atividade do poeta como cantador de viola.

“Agradecimento e saudade” – improviso poético feito por José Alves Sobrinho por ocasião da entrega do Diploma do Curso ministrado por ele no âmbito do Núcleo de Estudos Linguísticos e Literários (NELL) da Universidade Federal da Paraíba, Campus II, atual Universidade Federal de Campina Grande.

Assim, ao concluir a releitura de Matulão de um andarilho pude perceber a incrível riqueza vocabular do autor, o que justifica a introdução do glossário na parte final do livro, como instrumento valioso para leitores de outras regiões e também para estudiosos da oralidade e da poesia de bancada nordestina.

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