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Benedito Antonio Luciano

Benedito Antonio Luciano

Professor Titular aposentado do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

Esaú e Jacó

Por Benedito Antonio Luciano
Publicado em 12 de fevereiro de 2025 às 7:50

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Esaú e Jacó são personagens bíblicos do Antigo Testamento, filhos gêmeos de Isaac (filho de Abraão) e Rebeca (filha de Batuel). A história desses irmãos, conforme descrita em Gn 25-36, é marcada por dualidades, conflitos, trapaças e reviravoltas, refletindo temas de destino, rivalidade, superação e redenção.

De acordo com a narrativa bíblica, desde o ventre materno, Esaú e Jacó foram descritos como opostos. Esaú nasceu primeiro, sendo forte e peludo, enquanto Jacó, de pele lisa, veio em seguida, segurando o calcanhar do irmão, como se tentasse ultrapassá-lo. Com o passar do tempo, Esaú tornou-se um hábil caçador, um homem do campo, enquanto Jacó era mais recatado, preferindo morar na tenda em companhia de sua mãe.

A tensão entre os dois se intensificou quando Jacó, aproveitando-se da fome do irmão, comprou dele o direito de primogenitura em troca de pão e um prato de lentilhas. Posteriormente, com a ajuda de Rebeca, Jacó enganou Isaac, já idoso e cego, e recebeu a bênção paterna que deveria, por direito, ser de Esaú. Essa traição gerou ódio e desejo de vingança por parte de Esaú, forçando Jacó a fugir para a Mesopotâmia para salvar sua vida.

Neste contexto, é importante destacar a importância do direito de primogenitura e da bênção paterna na cultura hebraica antiga, elementos essenciais para compreender a gravidade dos atos de Jacó e o ressentimento de Esaú.

A saga dos irmãos se desenrolou com a jornada de Jacó, que se tornou um homem próspero e pai das doze tribos de Israel, enquanto Esaú se tornou patriarca do povo edomita. Anos depois, os irmãos se reencontraram e, em um momento de grande emoção, reconciliam-se, mostrando que o perdão pode superar as mais profundas rivalidades, conforme narrado no capítulo 33.

O relato de Esaú e Jacó transcende o contexto religioso, sendo também fonte de reflexão filosófica e literária sobre o destino, as consequências das escolhas e a capacidade humana de redenção.

No contexto literário, “Esaú e Jacó” também nomeia um romance de Machado de Assis (1839-1905), editado em 1904. Nesse livro, o romancista retrata a rivalidade entre dois irmãos gêmeos, Pedro e Paulo, no período de transição entre o Império e a República no Brasil. O livro explora temas como dualidade, destino e ironia, marcas do estilo machadiano.

A obra é narrada por um personagem denominado Conselheiro Aires, que também aparece no último romance do autor, Memorial de Aires, publicado em 1908. O Conselheiro é um personagem observador que contracena com Natividade, mãe dos irmãos Pedro e Paulo, filhos do personagem Santos.

No romance de Machado de Assis, os conflitos entre os personagens Pedro e Paulo refletem a oposição de ideias que marcava o país naquele momento. Paulo é republicano e progressista, enquanto Pedro é monarquista e conservador. Essa divisão ideológica se manifesta em suas escolhas políticas e na disputa amorosa pela mesma mulher, Flora, que, incapaz de decidir entre os dois, morreu precocemente, acentuando a ironia trágica da narrativa.

A mãe, Natividade, busca desesperadamente entender a desavença entre os filhos, chegando a consultar uma vidente no início da trama. O narrador, Aires, observa os acontecimentos com distanciamento e ironia, sem oferecer respostas definitivas.

Em sua composição, o romance “Esaú e Jacó” é marcado pela ambiguidade e pela crítica sutil de Machado de Assis às ilusões do progresso e às contradições da sociedade brasileira. É nítido que o título do romance remete à história bíblica de Esaú e Jacó, sugerindo que a rivalidade entre irmãos é um conflito ancestral, desde os tempos de Caim e Abel, filhos de Adão e Eva.

Apesar das diferenças de estilo e contexto histórico, há quem estabeleça algumas conexões entre os romances “Esaú e Jacó”, de Machado de Assis, e “Cem Anos de Solidão” (1967), de Gabriel García Márquez (1927-2014), lançado em 1967.

No romance de Machado de Assis, os gêmeos protagonistas representam a polarização política do Brasil no século XIX, sempre em conflito, refletindo a passagem bíblica de Gênesis aqui mencionada.

No romance de Gabriel García Márquez, a dualidade também aparece nos irmãos José Arcadio, forte, viril e trabalhador; e Aureliano que contrasta com o irmão mais velho por ser calmo e introvertido.

Na Bíblia (Gn 25, 23), o Senhor diz a Rebeca: “Tens duas nações no teu ventre; dois povos se dividirão ao sair de tuas entranhas. Um povo vencerá o outro, e o mais velho servirá ao mais novo”. Assim, a tensão entre os irmãos parece predestinada, sugerindo que suas diferenças são inevitáveis.

Em “Cem Anos de Solidão”, García Márquez trabalha o conceito de destino de forma semelhante, mostrando como os Buendía estão presos a um ciclo de repetição histórica, como se estivessem condenados a ele.

Em “Esaú e Jacó”, os gêmeos de Machado de Assis vivem num Brasil politicamente dividido entre monarquia e república, sendo símbolos dessas facções. Em “Cem Anos de Solidão”, a guerra entre liberais e conservadores reflete um padrão cíclico de conflitos na América Latina, afetando diretamente a família Buendía.

Apesar de as diferenças entre os dois romances, com Machado de Assis mais voltado para a ironia e o pessimismo psicológico e García Márquez explorando o fantástico e o mítico, ambos compartilham de um tema recorrente na literatura ocidental, a rivalidade entre irmãos, a exemplo dos romances “Os Irmãos Karamazov”, de Fiódor Dostoiévski (1821-1881), lançado em 1879, e “A Leste do Éden”, de John Steinbeck (1902-1968), publicado em 1952.

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