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Jurani Clementino

Jurani Clementino

Jornalista, professor universitário, escritor e membro da Academia de Letras de Campina Grande.

Elizabeth Teixeira, 100 anos: ela ainda está aqui

Por Jurani Clementino
Publicado em 5 de fevereiro de 2025 às 9:30

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O primeiro comentário que eu fiz com um amigo ao sair da sessão de cinema, onde assistimos ao filme Ainda Estou Aqui, foi que, para mim, aquela história poderia ter ficado muito mais impactante se o enredo principal fosse com uma família pobre, nordestina, com uma dezena de filhos e que também sofreu na pele os horrores da ditadura militar. Eu estava me referindo, na oportunidade, à trajetória da professora paraibana Elizabeth Teixeira, esposa de João Pedro Teixeira, que no próximo dia 13, portanto na próxima semana, completará 100 anos de idade. Elizabeth mora no bairro Cruz das Armas em João Pessoa, capital do estado da Paraíba, portanto, ela ainda está aqui.

Elizabeth Altino Teixeira nasceu em 13 de fevereiro de 1925 no município de Sapé e foi líder do movimento das Ligas Camponesas na Paraíba depois que o seu esposo João Pedro Teixeira foi assassinado, em 1962, durante uma emboscada. Com a deflagração do regime, em 1964 e a repressão aos movimentos sindicais e de luta pelos direitos dos trabalhadores rurais sem-terra, Elizabeth, que estava lutando para que os culpados da morte do marido fossem presos, precisou fugir. Como líder camponesa e viúva de João Pedro ela tinha sido presa algumas vezes e corria risco de vida. Na época ela tinha 11 filhos. A filha mais velha, Marluce, suicidou-se ao ver a mãe sofrendo todas as retaliações por parte dos latifundiários e da polícia. Antes de fugir, nove dos filhos precisaram ser distribuídos entre parentes, familiares e amigos. Apenas um deles foi na companhia da mãe se esconder no município de São Rafael, no interior do Rio Grande do Norte.

Elizabeth passou quase 20 anos de sua vida na clandestinidade, escondida nesse município potiguar, dando aulas às crianças e sendo chamada pelo nome de Marta Maria Costa. Durante muitos anos ninguém sabia que ela era viúva e uma liderança política procurada pela polícia paraibana. Não quero com isso dizer que a história que foi retratada no filme Ainda Estou Aqui não tenha mérito e importância histórica, muito pelo contrário, a história da Eunice Paiva, esposa do ex-deputado federal Rubens Paiva, que foi assassinado durante a ditadura, é um relato emocionante, triste, bonito e envolvente. Estou apenas observando que são os dramas de uma família de classe média brasileira, moradora de Ipanema, zona Sul do Rio de Janeiro que também sofreu com os horrores da ditadura, não é a história dos vencidos, dos pobres, daqueles que também fizeram frente ao regime militar, e que sentiram na pele todas as consequências daquele movimento.

Por coincidência, recentemente eu li um comentário, no portal Instituto Conhecimento Liberta – ICL, feito pelo jornalista também cearense Xico Sá que estabeleceu essa relação entre o filme Ainda Estou Aqui, do diretor Walter Sales que está indicado a três categorias no Oscar de 2025, e a história da Elizabeth Teixeira, que por sinal já foi retratada no documentário Cabra Marcado Para Morrer, de Eduardo Coutinho (1933-2014). Com o título: Quando Eunice Paiva cruza o olhar com Elizabeth Teixeira, Xico Sá observa que aHeroína de ‘Cabra marcado para morrer’ faz 100 anos e dialoga com a protagonista do “Ainda estou aqui”. Mulheres extraordinárias da história do Brasil”. A propósito eu recomendo esse documentário belíssimo, emocionante e que está disponível no YouTube e no Globoplay para que vocês possam conhecer a história de uma mulher que, na próxima semana, completa 100 anos e que fez parte da luta contra ditadura e a favor da democracia no Brasil, no Nordeste brasileiro, na Paraíba.

Jurani Clementino – Campina Grande – PB 04 de fevereiro de 2025

P.S – Em setembro de 2015, eu entrevistei dona Elizabeth e escrevi o seguinte texto:

Eu e Elizabeth Teixeira

Eu sempre quis entrevistar Elizabeth Teixeira. No fundo acho que durante muitos anos carreguei uma pontinha de inveja de Eduardo Coutinho. Sabe aquele menino que deseja o presente que o amiguinho recebeu? Via e revia “Cabra Marcado…” e perguntava, para mim mesmo: porque não eu?! Mas era impossível ser Eduardo, conheci Elizabeth há pouquíssimo tempo. Metaforicamente foi Coutinho quem me apresentou aquela líder camponesa das Ligas de Sapé. Vi o filme pela primeira vez há pouco mais de dez anos. Foi através dele que fiquei sabendo da existência dela. E certamente não apenas eu. Muita gente teve o primeiro contato com a Elizabeth Teixeira através do olhar sensível das lentes do cineasta de “Cabra marcado para Morrer”. E foi Eduardo Coutinho o motivo da minha primeira entrevista com Elizabeth. Eu queria que ela falasse sobre a relação com o cineasta. Na verdade, quando Coutinho foi assassinado, eu esperava que a mídia, especialmente a imprensa paraibana, desse destaque a essa relação. Afinal considero Elizabeth a grande dama do documentário de Eduardo Coutinho. Mas um silêncio fúnebre pairou sobre os jornais e TV e Elizabeth me disse que veio saber da morte do amigo, tempos depois.

Hoje estou professor, mas sou jornalista e gosto da minha profissão de emissário da informação. Mas nela, por vários motivos, prevalece, uma preguiça do olhar. A pauta estava dada desde 1962, mas a mídia não entendeu. Além do mais, em 2013, ou seja, trinta anos depois daquele primeiro encontro com Coutinho, o cineasta retorna a Paraíba para gravar um extra para o DVD “Cabra Marcado para Morrer”. Quer dizer, um ano antes de sua morte, Eduardo passou dois dias na Paraíba gravando com Elizabeth. Desse último encontro resultou o documentário “A família de Elizabeth Teixeira” (2014). Enfim, a mídia tem outros interesses, pautas mais importantes, talvez.

Bom, voltando ao que nos interessa aqui. Com a ajuda de uma equipe que mantem uma página sobre a líder camponesa na internet, cheguei à casa de Elizabeth, no bairro Cruz das Armas, em João Pessoa. E, bem ao estilo Coutinho, fomos recebidos com um “Sejam bem-vindos”. Era ela, de pé, sorridente, disposta, lúcida. Cumprimentou-nos, enquanto acalmava um casal de cachorros que não paravam de latir. “São de minha neta. Vamos entrando, eles não mexem com ninguém”. Elizabeth foi abrindo espaço para que entrássemos e logo puxou as cadeiras e pediu para que sentássemos.

Ela tem riso frouxo, rir de quase tudo. O sorriso é a porta de entrada de Elizabeth. Chega a ser tão espontâneo que a gente pensa que ela nunca teve motivos nem razões para chorar. Que não enfrentou homens poderosos e discursou bravamente em assembleias composta por políticos que a odiavam. Logo percebi que ela gosta de estar perto dos jovens. Tem prazer em contar trechos de sua história, como se soubesse que é aquilo que atrai os visitantes. Quase todas as frases encerram com as memorias da vida de luta no campo. “Olha meu filho, eu não sei porque ainda estou viva!! Eu já sofri tanto nesse mundo”. Diz isso, mas narra às tragédias como se fossem poucas. Como se desgraça pouca fosse bobagem.

De finais infelizes ela entende bem: ainda jovem se apaixonou por um negro pobre e fugiu de casa para se casar contra a vontade do pai, teve onze filhos, viu o marido ser assassinado e a filha mais velha se suicidar, foi presa pela ditadura e fugiu da Paraíba para não morrer. Viveu por quase duas décadas na clandestinidade, longe dos filhos e da família. Quando achou que tudo estava aparentemente resolvido viu um de seus filhos matar o outro em disputas de terras. Suas histórias são sempre de desencontros e de tristeza. Apesar da idade, a memória dela ainda é muito fértil quando se trata da morte do marido, em 1962 e do suicídio da filha mais velha Marluce, pouco tempo depois. Recorda claramente da prisão pelo exército, da fuga para o Rio Grande do Norte, e do pai que não queria o casamento dela com João Pedro, oferecendo um carro e uma mala de dinheiro para que ela se afastasse “daquele nêgo”.

Sobre Eduardo Coutinho diz que foi um homem muito importante na sua vida. Que recebeu dele o presente da casa que hoje ela mora em João Pessoa. Lembra com poucos detalhes do período de gravação do filme “Cabra Marcado…” em 1964 e depois em 1981. Disse que esteve com ele recentemente em 2013 gravando um dos últimos trabalhos do cineasta “A família de Elizabeth Teixeira” (2014). “Ele gostava de me filmar. Toda vez que ele me encontrava queria gravar”. Rir, a grande dama do documentário de Eduardo Coutinho. Não por acaso, sua vida é um roteiro de filme, repleto de dramas tragédias momentos de resistência… Ela não precisou interpretar. Ela viveu, ou melhor, (so)breviveu por 90 anos.

Jurani O. Clementino – Campina Grande, 16 de setembro de 2015

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