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Padre e psicólogo.
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A liturgia da Igreja Católica celebra a vida de Jesus. E, nesta semana, ponto alto da vida litúrgica, fazemos memória dos últimos momentos da vida de Nosso Senhor Jesus Cristo: Paixão, Morte e Ressurreição. É um tempo forte e muito significativo para os cristãos. Nossas liturgias não ficam apenas dentro do templo, nem nos átrios da Casa do Senhor, mas chegam às ruas das nossas cidades, aos lares, aos hospitais, aos presídios e se entrelaçam junto ao cotidiano da vida do povo. É jesus Cristo caminhando no meio do povo.
Em meio às inúmeras procissões os personagens dos Textos Sagrados vão se misturando com os personagens de hoje que também em seus cotidianos vão respondendo pessoalmente ao Mistério, na medida de sua adesão (ou não) ao Senhor. É a vida e o evangelho que se cruzam.
O primeiro Evangelho lido na liturgia deste domingo (Lucas 19, 28-40) realiza uma expectativa messiânica. A profecia de Zacarias (9, 9) dizia: “Enche-te de grande júbilo Filha de Sião, prorrompe em gritos Jerusalém. Eis que teu Rei vem a ti. Ele é justo, vitorioso, humilde e montado num jumento, cria de uma jumenta”. Nunca um rei era visto montado num animal frágil.
O profeta quis indicar que existe uma forma de ser do Messias completamente diferente do que se esperava: sem ostentação, humilde, um Messias que monta a mesma montaria das pessoas simples do seu povo. O profeta ainda continua “Destruirá os carros de Efraim e os cavalos de Jerusalém; destruirá os arcos de guerra e dará paz as nações”. Vejam: as carruagens de guerras serão destituídas, os arcos de guerras serão dispensados, pois o Messias vem falar de paz a todas as nações. “O senhor dos exércitos” (v. 15) não vem fazer guerras, pois seu combate é fazer a paz acontecer.
No mesmo evangelho, o texto fala de Jesus saindo de uma aldeia. Ele vem do meio popular, dentre os marginalizados. Um lugar não tão nobre para um rei.
Há um detalhe neste texto que não pode passar despercebido. Lucas repete por quatro vezes a expressão de “desamarrar”. As amarras estão muito próximas às ideologias de domínio. A profecia de Zacarias precisava ser desamarrada para ser cumprida, pois estava muito esquecida entre tantas expectativas que se tinham do Messias. Eles não queriam um Messias modesto, de paz, eles queriam um Messias forte, dominador, violento, dado as ostentações e aos esquemas de poder deste mundo. Então, “desamarrar” significa deixar-se convencer. Jesus quer que desamarrem essa profecia, que ficou amarrada por muito tempo, pois a ninguém interessa um rei assim.
Quantos, ainda hoje, usam o nome de Deus para justificar todo o tipo de “doutrina violenta” que exclui, que retira a dignidade e que mata. Esta semana uma notícia chamou a nossa atenção, mas parece que sem tanto estarrecimento, de que aqui perto de nós, foi desmontado um “núcleo nazista” de grupos que tem se expandido pelas redes sociais com o intuito de disseminar ódio e violência contra negros, judeus, homossexuais, etc… Não amarreM a profecia.
Mas, voltemos ao evangelho. A reação do povo, ao colocar seus mantos para que o Messias passasse montado num jumento, dar a idéia de compreensão, aceitação e acolhimento. Se o manto dá a idéia de algo que cobre as pessoas, este rei (acolhido desta maneira) tem uma palavra sobre elas.
Mas, é fato, que ao longo da semana (como é ao longo da vida) este Messias acolhido na simplicidade será rejeitado porque ele não se manifesta com as vestimentas de um poder que oprime e mata. É a eterna saga do Povo da Aliança que não sabe acolher seu verdadeiro Senhor e a sua mensagem. “crucifica-o!”.
“Repreende os teus discípulos, disseram os fariseus” (v.39). O verbo “repreender” é usado, na Sagrada Escritura, contra os demônios. Os fariseus não aceitam o jeito de ser “simples” e de “paz” do verdadeiro Messias. Portanto, querem repreender o povo, pois para os fariseus, a simplicidade parece ser uma ideologia demoníaca. Jesus responde: “Eu vos declaro que se eles calarem, as pedras gritarão” (v.40). Jesus lembra a profecia de Habacuc (2, 11) que diz “as pedras clamam contra a injustiça”. A INJUSTIÇA SERÁ A MORTE DO MESSIAS LIBERTADOR.
As autoridades queriam fazer desaparecer esse Messias anunciado pelos profetas, para que outro tipo de Messias (falso), construído para justificar certas insanidades, tivesse lugar. Mas, “foi” e “sempre será” entre os mais humildes, marginalizados, que Jesus será acolhido: “Bendito o que vem em nome do Senhor” (Salmo 118(119),25-26).
O Jesus Cristo que nós cremos é o mesmo que entrou em Jerusalém montado num jumentinho? De qual lado, nós cristãos ficamos, dos mais simples que compreende e acolhe o Messias humilde e pacifico? Ou estaríamos do lado dos fariseus que prefere um Messias nacionalista, guerreiro, violento, dominador, ou um arrogante colonizador? JESUS É ESPERANÇA PARA OS ÚLTIMOS.
O segundo Evangelho lido na liturgia deste domingo (Lc 22,14-23, 56) é o anúncio da paixão. Um fragmento do texto diz: “o povo permanecia ali observando, os chefes do povo zombavam e diziam: ‘salvou aos outros: salve-Se a Si mesmo, se és o Messias de Deus, o Eleito’. Os soldados romanos caçoavam dele, ofereceram-lhe vinagre, diziam: ‘Salve o Rei dos Judeus’”. De um lado, os religiosos zombavam do Messianismo de Jesus. Do outro lado, os romanos zombavam do tipo de reinado daquele Jovem de Nazaré da Galiléia. DEMASIADAMENTE SIMPLÓRIO.
Outro fragmento do texto diz: “um dos malfeitores que tinha sido crucificado insultava-O: ‘Não é o Messias? Salva-Te a Ti mesmo e nós também’. Mas o outro, tomando a palavra, repreende-o: ‘não temes a Deus, tu que sofres o mesmo suplicio? Quanto a nós, fez-se justiça, pois recebemos castigo das nossas más ações. Mas Ele nada praticou de condenável’. E acrescentou: ‘Jesus, lembra-te de mim quando entrares no teu reinado’”. De um lado, um que sofre a mesma condenação, mas não reconhece injustiça contra um inocente. Do outro, o bom ladrão que reconhecendo seus pecados, pede perdão e professa a sua fé. “Ainda hoje estarás comigo no paraíso”.
Estamos diante de uma cena, que por tantas vezes foi retratada por grandes artistas desde o Classicismo e Renascimento até os nossos dias: Jesus, elevado na cruz e ladeado por duas pessoas que o evangelho chama-os de um bom ladrão e um mau ladrão. Um que censura Jesus, por não libertá-lo da morte física e o outro que entende o sentido daquela morte ao dizer: “recorda-te de mim, quanto vieres com a tua realeza”.
A realidade simbolizante deste texto (“ladeado por dois ladrões”) e a realidade simbolizada (“Jesus salvando toda a humanidade”). Daqueles que acolhem e daqueles que não acolhem a mensagem e a obra salvífica da Jesus. Jesus está ali, de braços abertos para salvar a todos (o mundo inteiro).
“Salva-te a ti mesmo, já que salvou os outros” (Lc 23, 39). Esta é a nossa tentação frequente de pensar e crer num Deus à sua própria medida e utilidade. Um Deus imediatista que resolva todos os meus problemas e sofrimentos: “salva-Te para que eu possa acreditar na tua obra e acreditar que podes fazer algo por mim”. Essa é a imagem meritocrata, miraculoso, da prosperidade e sempre intervencionista que resolve tudo.
Para alguns, se Jesus descesse da cruz seria mais fácil acreditar, pois é assim que os poderosos deste mundo se apresentam e gostam de serem visto: “forte, armado, vingativo, espetacular”. Jesus trairia, assim, a sua missão e confirmaria a falsa ideia de Deus que os Judeus tinham naquele momento. Deus não é um Deus que resolve todos os problemas de modo mágico, mas quer dá sentido aos problemas da vida. A salvação não é uma resolução de um sentido qualquer, mas um sentido último de nossa existência.
Jesus nos faz pensar que “a minha vida fez sentido, pois eu vivi pelos outros, me desgastei pelos outros (família, comunidade eclesial, trabalho, vida social)”. Ele nos faz perceber que mesmo estando sozinho não morro sozinho. Numa certa ocasião, alguém me visitava e dizia: “Como você aguenta morar sozinho?”. Eu olhei para algumas cestas básicas e roupas empilhadas na sala (que seriam para doações) e respondi: “Estás vendo aquilo ali, cada uma destas sacolas é uma família com quem me comprometo com frequência. Além das pessoas que nos ajudam. Elas estão aqui, Deus está aqui, não estou sozinho”.
Jesus ensina que a dimensão de fé de nossa vida têm o significado de “dar-se a si mesmo” para que o mundo tenha um pouco mais de sabor. Seremos ainda mais felizes se contribuirmos para a felicidade do outro, de um mundo melhor.
Neste ano da esperança, aprendamos a não ancorar a nossa existência em nós mesmos, mas sejamos abertos ao Mistério do Crucificado-Ressuscitado.
Boa Semana Santa!
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