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Jurani Clementino

Jurani Clementino

Jornalista, professor universitário, escritor e membro da Academia de Letras de Campina Grande.

Bar do Tico: uma viagem no tempo

Por Jurani Clementino
Publicado em 9 de março de 2025 às 8:42

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Localizado, há quarenta anos, numa rua estreita, de mão única, do bairro do Monte Santo, próximo ao presídio e ao cemitério, o Bar do Tico é uma viagem no tempo. Tomei conhecimento da existência desse local por indicação de uma aluna. “Professor, o senhor ia gostar muito legal lá”. Daí, um sábado desses, quando não estava fazendo exatamente nada, decidi acionar o serviço de geolocalização do meu celular – O GPS e fui parar no endereço indicado. E de fato, tomei um susto. O Bar de Tico é um convite à nostalgia. Uma espécie de museu coletivo e espontâneo. Uma relíquia em termos de acervo discográfico, fotográfico, tecnológico. Parece que estamos entrando num daqueles filmes de ficção científica. Mas, ao invés de encontrarmos o futuro, nos deparamos com o passado.

Ao olhar para aquelas paredes altas de construções quase centenárias, você dá de cara com uma infinidade de objetos antigos. Tem aparelhos celulares de todas as gerações, vitrolas, toca-fitas, rádios, televisores, calculadoras, relógios dos mais variados tipos marcas e modelos, máquinas de datilografia, fotos de políticos como Ronaldo Cunha Lima, (claro, uma espécie de líder carismático de Campina Grande) etc. O visitante também vai encontrar discos raros de Caetano Veloso, Luiz Gonzaga, Roberto Carlos, Trio Nordestino, Beto Barbosa, Raimundo Fagner, Beth Carvalho, Luiz Caldas, Amado Batista, Wando, Dominguinhos, Gonzaguinha, Roberta Miranda, Quinteto Violado, Xuxa e outros artistas poucos conhecidos do grande público como Capilé, Roberto Ribeiro, Leno Silva, Galego Aboiador, Agapê… bem como discos de artistas internacionais como Júlio Iglesias, Ray Charles, The pops, Menudos e capas de discos com as trilhas sonoras de novelas como Tieta, Roque Santeiro e Água Viva.

Maria Bethânia é contemplada com o álbum responsável pela venda de mais de um milhão de cópias e que fez com que a cantora se tornasse a primeira mulher a alcançar esse feito na MPB. Álibi foi lançado em 1978. O disco é considerado um dos maiores sucessos da carreira da cantora. Bethânia divide espaço ali com a banda Fundo de Quintal, Emílio Santiago e dezenas de santinhos de candidatos a vereador, prefeito, deputado e presidente.

Mas não para por aí. Há miniaturas de caminhões, chaveiros, máquinas de costura, aqueles retratos pintados de antigamente – as famosas fotopinturas que encontrávamos na casa de nossos avós, troféus de todo tamanho, máquina fotográfica, relógio de parede, oratório, cascos de tartarugas, chifres de bois em cabeças empalhadas. Há ainda dezenas de cédulas de moedas que fizeram parte da economia brasileira como Cruzeiro, Cruzados, Cruzados Novos e Real. Perguntei para um dos filhos de Tico como surgiu a ideia daquele bar museu. Ele me disse que o ambiente tem 40 anos e que o pai começou a fazer um pequeno museu com coisas dele. Depois as pessoas foram percebendo esse interesse por objetos antigos e foram fazendo doações. Então, tudo que tem no bar é resultado dessas contribuições, geralmente feitas por vizinhos, clientes e conhecidos. “O povo vai jogar fora e então decide trazer para o bar”. Segundo ele, um bêbado trouxe recentemente um pequeno balde de alumínio. O cachaceiro estava em Cabedelo, viu o balde sendo jogado para fora de um navio, foi lá, pegou o objeto e trouxe para o Bar do Tico. “É chines, o balde. Tem até umas inscrições chinesas no objeto. Não é uma coisa antiga, mas é muito interessante”, observou.

O bar do tico parece aqueles espaços de ex-votos onde os fiéis depositam algum objeto em agradecimento a alguma graça alcançada. A distância entre o bar do tico e o museu de padre Cícero em Juazeiro do Norte é mínima. Talvez o que separa os dois ambientes, além da questão geográfica (Juazeiro do Norte – Ceará e Campina Grande – Paraíba) são as intenções dos ambientes. No Bar do Tico, as pessoas vão para beber, comer tira gosto e ouvir músicas. Já no Museu do Padre Cícero, as pessoas vão para pagar promessas, pedir proteção, e cantar hinos religiosos. Mas quem garante que não há religião nos bares sertanejos. O Bar do Tico, repito, é um convite a sentir o poder e a força da crença, da memória e da história do homem comum, o cidadão ordinário, aquele que constrói sua história sobre a mais dura e cruel realidade.

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