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Edjamir Sousa Silva

Edjamir Sousa Silva

Padre e psicólogo.

“Ainda temos vinho?”

Por Edjamir Sousa Silva
Publicado em 19 de janeiro de 2025 às 16:00

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Terminado o Tempo do Natal iniciamos o Tempo Comum. Na liturgia, voltamos a usar a cor verde que nos faz lembrar a virtude teologal da esperança. E porque Teologal? “Teo” que vem do grego (theos= Deus) e “telos” (fim ou propósito) relacionado ao fim ou propósito divino. É teologal porque nos põe em relação ao Criador.

É importante entender que a esperança cristã é muito mais do que um pensamento positivo: “tudo vai dar certo, acredite!”. E se as coisas não saírem conforme esperamos, vamos abandonar Deus? CUIDADO AS PREGAÇÕES CHEIAS DE MARKETING RELIGIOSO.

A fé teologal é a crença em Deus e em suas revelações. A chave de leitura dessas suas revelações é a Aliança. Deus fez uma aliança com a humanidade a partir de Abraão e, desde então, é fiel. Mas, a humanidade nem sempre foi fiel ao seu Criador.

Na Sagrada Escritura a metáfora do casamento é usada para descrever a relação de amor de Deus com suas criaturas. A Palavra de Deus (Antiga e Nova Aliança) nos convida a entrar nessa história de amor que Deus se dispõe a construir conosco.

Muitos profetas, como Isaías, reclamam que o povo traiu o amor de Deus. Durante o exilio da Babilônia Judá foi muito julgada e comparada como uma prostituta que as pessoas não iriam conhecer mais seu valor. Segundo a trama, à medida que o povo vai voltado para o Senhor o profeta vai dizendo que Deus está se re-encantando.

E eis um hino de amor. Esse novo amor de Deus vai ser trabalhado em tons de uma Nova Aliança, na metáfora do Evangelho de hoje: um casamento, um novo amor, uma nova paixão., pois assim, “eterno é seu amor” (Salmo 135 (136), 1b).

“Em Caná da Galileia” (Jo 2, 1). Os leitores do evangelho devem ficar atentos aos lugares teológicos da manifestação de Deus.

Belém (casa do pão) foi lugar do acolhimento do menino Jesus e sua família e lá a Luz de Deus brilhou. O Rio Jordão foi o lugar da outra manifestação de Deus (e não o templo de Jerusalém) no batismo de Jesus. Agora, a liturgia nos leva a Caná da Galiléia.

Os desertos e as montanhas sempre foram lugares de grupos refugiados considerados como rebeldes e subversivos que se opunham ao estilo dominante em Jerusalém e dos romanos. Caná, da Galiléia, é uma região montanhosa.

O evangelista João situa o primeiro sinal de Jesus nessa localização e faz parecer ser um incentivo ao povo para continuar a resistência contra o legalismo dos fariseus e a exploração do Império Romano.

Natanael, amigo de Filipe, Era de Caná da Galileia. E Jesus faz um elogio a Natanael, muito bonito, dizendo: “Ai vem um israelita de verdade, um homem sem falsidade” (Jo 1, 46-47). Mas, Natanael ainda tinha muito que aprender com Jesus. Ele era uma pessoa que, com suas feridas, ainda carregava seus muitos preconceitos: “De Nazaré pode vir alguma coisa?” (Jo 1, 46). Será o próprio Jesus a transformá-lo: de “água a vinho novo”.

O que ocorre em Caná é um protótipo do que irá acontecer a partir de então. Há um fato corriqueiro, uma celebração que reúne amigos e familiares. Temos uma festa em que as pessoas estão celebrando a vida, e é nesse lugar que o vinho começa a faltar.

A literatura Sapiencial diz que “o vinho é sinal do amor e da bênção de Deus” (cf. Ct 1,2; 8,2). Então, a falta de vinho seria uma referência ao risco da falta de amor? Em Caná, lugar da resistência aos poderes hostis do mundo, lugar bonito de fraternidade (imagem de outros tantos lugares semelhantes e da própria humanidade), começa a faltar o amor?

Aqui reside outra informação importantíssima. A chegada de Jesus, Verbo que se fez carne, inicia um novo tempo na história humana. É a nova e definitiva aliança entre Deus e a humanidade. A falta de vinho é entendida como a caducidade da Antiga Aliança. E isso vai ficando evidente quando lemos os evangelhos e todo o Novo Testamento.

Quem percebeu isso? João diz que a mãe de Jesus percebe que a Antiga Aliança não está sendo suficiente para trazer vida às pessoas. É uma mulher, uma mãe, que percebe a falta de vinho em meio à festa da vida.

Maria é aquela que representa o povo fiel às promessas de Deus. É a primeira a reconhecer em Jesus o Messias, por isso que ela vai lhe apresentar essa grande dificuldade: “Eles não têm mais vinho” (v. 3). A cena evidencia a situação de pobreza, sofrimento e vazio dos filhos de Israel.

Os sinais de Jesus são realizados em espírito colaborativo que envolve muita gente: “Os servos devem encher os jarros” (v. 7). As jarras com água eram usadas para o ritual de purificação. As jarras para o ritual de pureza lembram a Lei de Moisés, o código da Antiga Aliança. Havia seis jarras, um número incompleto/imperfeito. A idéia de mudança “da água para o vinho” é semelhante a cena de domingo passado: “Eu batizo com água, Ele com Espírito e Fogo” (Mt 3, 11ss).

“Eles não sabiam de onde veio” (Jo 2, 9). No o evangelho de João (cap´s 5 e 8) ouvimos a comunidade judaica dizer: “nós sabermos de onde Moisés veio, mas esse ai nós não sabemos de onde veio”. Há uma incapacidade de reconhecer Jesus como Messias. Em todo o evangelho de João encontramos o testemunho de que Jesus é o Verbo de Deus que se fez Carne.

O leitor do Evangelho de João sabe de onde Jesus veio, pois encontra o testemunho de que “Palavra que estava junto de Deus (Jesus) veio ao mundo em nossa humanidade”. Mas, as estruturas do mundo não reconheceram.

“Guardastes o vinho bom até agora” (Jo 2, 10b). Essa é plenitude dos tempos e a manifestação da gloria de Deus. O salmo 104 (105), 5 diz “e vinho que lhe alegra o ânimo”. O vinho está associado ao tempo Messiânico futuro, em Marcos 14, 25 Jesus diz “até o dia em que vós bebereis de novo no reino de Deus”. Ou o tempo da Salvação quando Jesus fala: “o noivo está presente e eles não podem fazer jejum” (Mc 2, 19).

“Em Caná, Jesus manifestou a glória de Deus” (Jo 2,11). O que é a glória de Deus? É Deus que se faz presente. No AT temos muitos textos que falam desse sinal. O profeta Isaías viu a glória de Deus no templo e disse: “santo, santo, santo” (Is 6, 3). Então, a glória de Deus é a presença Divina entre os homens. Agora, essa glória foi manifestada em Jesus Cristo: “A Palavra se fez homem e acampou entre nós. Contemplamos a sua glória como Filho de Deus único do Pai, cheio de lealdade e fidelidade” (Jo 2,14).

“Enchei as talhas. E encheram-nas até a boca” (Jo 2,7ss) é a imagem da vida em abundância persente em Jesus Cristo: “Eu vim para que todos tenham vida em abundância” (Jo 10, 10).

A plenitude da história, na qual vivemos, nós celebramos aquilo que é definitivo na história da humanidade. Esse primeiro sinal, assim como os demais ao longo do evangelho de João, vão nos levar ao ultimo, o sinal da paixão, morte e ressureição, como o sinal pleno deste amor esponsal.

Os sinais de um mundo desumano são frequentes e indicam que estamos sendo “empurrados” pelos novos fariseus e por impérios gananciosos sem o compromisso com a vida em abundância “para todos”, mas apenas com o lucro acima de tudo. Há uma geração que se curvou a tudo isso e não sabe mais discernir os autênticos sinais de Deus. Não deixemos que o vinho do amor se acabe. Que a Mãe de Deus interceda por nós.

Feliz Tempo Comum. Boa semana!

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