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Tecnologia: Inteligência artificial chega à TV com bebê falso e ‘Chaves’

Da Redação*
Publicado em 1 de agosto de 2025 às 20:31

Foto: Folhapress

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Marisa Maiô pode estar longe de ter um programa de verdade na televisão brasileira, mas isso não quer dizer que a inteligência artificial não tenha chegado às telinhas.

Personagem que viralizou com vídeos cômicos de um programa de auditório fictício, a apresentadora digital criada por Raony Phillips é só um sintoma do uso cada vez mais fácil e deliberado da tecnologia, às vezes de forma um tanto discreta.

As duas maiores emissoras do país, a Globo e o SBT, já normalizaram a presença de IA nos seus programas. Lançada no mês passado, “Êta Mundo Melhor!”, uma espécie de sequência de “Êta Mundo Bom!”, é a primeira novela a usar de forma ampla a tecnologia, pondo caras e bocas no burro Policarpo, um personagem importante da trama. Em uma cena, o animal arreganha a boca e sorri.

O processo começa ainda nas filmagens. Diante das câmeras, sob um esquema de iluminação planejado minuciosamente, o burro que interpreta Policarpo deve fazer movimentos específicos para facilitar a animação de sua face.

A tecnologia ainda é usada na novela para animar imagens estáticas de São Paulo nos anos 1950, época em que se passa a história.

Inteligência artificial também é uma realidade na novela “Dona de Mim”, exibida em seguida, às sete. Num trecho que foi ao ar em maio, a obra criou a expressão e os movimentos de um bebê recém-nascido a partir de um boneco embrulhado em panos.

“Usamos IA exatamente pela otimização de processos e para a abertura de novas fronteiras criativas”, diz Carlos Octávio Queiroz, diretor de arquitetura, parcerias e estratégia de dados e IA da Globo. “A presença de bebês em sets de filmagem segue protocolos rígidos e, com IA, esse obstáculo é superado de forma ética e segura.”

A emissora não pretende eliminar o lado humano da pós-produção, afirma Queiroz, e deve usar IA somente como aceleradora de processos porque “amplifica a criatividade dos nossos profissionais”, segundo as diretrizes do Comitê de Governança de Dados e IA criado pela Globo. Antes mesmo da estreia de “Êta Mundo Melhor!”, por exemplo, a equipe já havia finalizado um volume três vezes maior de cenas do burro Policarpo do que nos sete meses em que “Êta Mundo Bom” esteve no ar, em 2016.

Além de viabilizar ideias mais mirabolantes, como o animal que faz caretas, a tecnologia auxilia processos de correção de som e cores, diz Fernando Alonso, diretor de pós-produção e design da Globo.

Mas isso não acontece só nos programas novos. Episódios antigos de séries e novelas também vêm passando pelo crivo de robôs antes de serem reexibidos, num experimento nem sempre bem recebido –seja pelo resultado precário, seja por medo de que, eventualmente, postos de trabalho sejam fechados.

Causou estranhamento, por exemplo, o retorno de “Chaves” ao +SBT, em um restauro que, para muitos fãs, criou mais problemas do que correções. Várias publicações no X, o antigo Twitter, comparam a versão original à remasterização feita com IA, destacando rostos borrados, placas com letras embaralhadas e contornos turvos.

Reclamações parecidas recaíram sobre “Chapolin” e a primeira temporada da versão brasileira de “Chiquititas”.

“As críticas vêm dos aficionados e as recebemos com naturalidade”, diz Alfonso Aurin, superintendente de tecnologia e serviços do SBT. Ele afirma ainda que as exibições originais ocorreram numa era analógica e que o polimento dado agora “traz a ilusão de alteração”.

Como na Globo, que também tem usado IA para recuperar novelas antigas, ele diz que a casa de Silvio Santos não pretende substituir processos humanos. Justamente por isso, acrescenta, há auditorias que avaliam gargalos e possibilidades no uso de IA dentro do SBT.

No Amazon Prime Video, os filmes dos Trapalhões geraram polêmica parecida. Sucessos de bilheteria nos anos 1980, os longas foram relançados na plataforma com cenas hilárias –não por causa do senso de humor, mas por sequências como aquela em que Dedé vê surgir no rosto um “óculos fantasma” que se torna invisível no meio de uma cena. Procurada, a Amazon não quis comentar o caso.

Se em aspectos técnicos a IA ainda se prova limitada, nos criativos, então, a história é mais complexa. Por mais que as emissoras já façam oficinas e experimentem com a tecnologia na área de roteiros e ilustrações, os robôs estão longe de dar conta da criatividade humana.

É o que afirma Walcyr Carrasco, autor de “Êta Mundo Melhor!”, que usa a IA em processos de pesquisa, mas não de escrita. “Um grande problema é a tendência de buscar finais edificantes, moralistas”, ele diz. “A IA teria sido excelente, por exemplo, para Esopo criar suas fábulas.”

Como o dramaturgo, outros artistas acreditam que o maior risco da tecnologia na arte é a higienização e homogeneização de histórias e visuais.

Algo nessa linha pode acontecer no programa Fofocalizando, por causa de um apresentador criado com IA para completar a bancada hoje formada por Cariúcha, Cartolano e outras pessoas de verdade que com frequência fazem comentários ácidos sobre celebridades.

Ainda que a presença do personagem hoje se restrinja às redes sociais do programa, controlar o que ele pode dizer é uma forma eficaz de os produtores decidirem quando e como fazer uma piada. É um experimento que, se der certo, pode pôr em xeque inúmeros empregos —como a própria Cariúcha disse temer ao anunciar a criação do personagem, ainda sem nome.

Esta realidade, porém, já não é tratada de forma tão apocalíptica. Lá fora, Matthew Loeb, presidente da Iatse, organização sindical americana que representa trabalhadores de funções técnicas do audiovisual, como montadores, afirmou que a IA tem o potencial de tornar o trabalho de seus associados mais fácil. Há partes dessa tecnologia que serão maravilhosas e outras nem tanto, ele vêm dizendo.

Para José Mercindo, do Laboratório de Imagem e Som da Cinemateca Brasileira, a IA pode até latir, mas não vai morder.

“Não acho que ela chega na gente e, se chegar, vai demorar muitos anos. Já teremos restaurado todos os filmes em película”, brinca ele, que está à frente dos processos de restauro do órgão.

Mercindo viu os primeiros softwares de aprendizado de máquina chegarem ao laboratório há cerca de 20 anos. À época, o termo ainda não estava necessariamente relacionado à inteligência artificial e, mesmo hoje, o órgão não depende de processos automatizados —há profissionais humanos envolvidos em todas as etapas de restauro de um filme.

A tecnologia, chamada “machine learning”, consiste em ensinar às máquinas padrões de comportamento que devem ser reaplicados no futuro, sem necessidade de reprogramá-la toda vez que forem trabalhar num novo filme ou capítulo de seriado ou novela.

Rodrigo Mercês, que trabalha ao lado de Mercindo, conta que hoje, apesar da pressão no mercado, ainda não há ferramenta boa o suficiente para substituir humanos. “Você nunca vai pôr o filme direto na máquina e esperar ele sair pronto”, diz.

*GUILHERME LUIS E LEONARDO SANCHEZ/folhapreess

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