Tecnologia

Entenda como as redes sociais ‘adivinham’ o que pensam as pessoas

Da Redação*
Publicado em 17 de novembro de 2023 às 17:00

uso de smartphone

Foto: Tânia Rêgo/ Agência Brasil

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A precisão com que os anúncios e as redes sociais acertam o pensamento das pessoas assusta. Chega a levantar a suspeita de que estamos sob escutas todo o dia, o que faz circular boatos sobre isso para além da internet.

Porém gravar o que cada usuário ouve, além de ilegal, custaria muito em termos de armazenamento, processamento e consumo de dados.

“Se o celular registrasse tudo o que falamos, seria necessário transformar esse material em texto, separar todos os sons além do que é conversa, identificar as vozes. Isso seria feito a todo o momento, o que teria um gasto de bateria enorme”, diz o diretor de dados da empresa de identidade digital Único, Caio Gomes.

Antes, ele passou pela Amazon, onde liderou times de compreensão de linguagem da Alexa em Américas e Japão.

Ele ainda acrescenta que todas essas informações teriam que ser enviadas via rede do celular para um data center, o que faria disparar o consumo de dados móveis. O esquema teria de contemplar 200 milhões de smartphones só do Brasil.

As empresas de tecnologia nem sequer precisam gravações para arriscar chutes precisos o suficiente sobre o que se passa na mente das pessoas. Na verdade, usam vigilância para traçar um perfil comportamental de cada usuário.

Ainda assim, o celular pode escutar frases para receber comandos a um assistente pessoal, para fins relacionados a música e outros, mas essas são aplicações muito específicas.

“No caso da Alexa, usamos uma palavra-chave [Alexa] para ativar o assistente pessoal. É a única palavra que ela entende de forma automática”, diz Gomes.

COMO FUNCIONA
O Instagram, por exemplo, recolhe dados de local, informações pessoais (nome, endereço de email, endereço, telefone, posicionamento político, crenças religiosas e orientação sexual.

Também levanta informações financeiras, saúde, cada publicação, curtida, comentário e qualquer clique na tela do usuário.

Tudo isso vira subsídio para inteligências artificiais que tentam deduzir respostas. São como detetives juntando pistas, mas com uma margem de erro maior durante o trabalho.

Cada plataforma tem suas peculiaridades, mas em geral esse mecanismo está por trás da curadoria de outras redes com linha do tempo, como Facebook e Twitter, e também de vídeos, Reels do Instagram.

No caso do TikTok, a dona da plataforma ByteDance não divulga como funciona seu algoritmo, como fizeram as principais concorrentes neste ano.

No Brasil, esse tratamento de dados tem de estar de acordo com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). A ANPD (Agência Nacional de Proteção de Dados) fiscaliza os negócios para evitar abusos e recebe denúncias.

Mas o elemento fundamental para que as pessoas se assustem com a precisão das publicidade é psicológico, um efeito chamado por designers de “cegueira.” A internet bombardeia os usuários com propaganda e as pessoas aprendem a ignorá-las.

Quando, em uma rara ocasião, a publicidade acerta, esse anúncio tende a ficar na memória do público-alvo e isso gera um viés de confirmação.

SEGMENTAÇÃO DA BASE

Ainda assim, as plataformas investem em inteligência artificial para afinar a cada dia o direcionamento de publicidade e a retenção de seu conteúdo orgânico.

Antigamente, as propagandas eram segmentadas por dados demográficos (idade, gênero, orientação sexual, renda, cidade onde vive, lugar de origem) e psicográficos, referentes a valores, estilo de vida e orientação política.

Hoje, as empresas conseguem levantar informações sobre o comportamento do usuário nas redes sociais. Isso é aferido a partir de dados telemétricos, referentes a movimento do mouse, cliques e teclas, o que permite, por exemplo, deduzir o que chamou a atenção do usuário.

São tantos os dados coletados pelas empresas que as pessoas às vezes nem sequer notam o quanto estão expostas.

O algoritmo sabe, por exemplo, onde a pessoa mora e onde ela está no momento. Por isso, pode deduzir encontros entre dois usuários. Daí, sugerir tópicos procurados pelo visitante, já que isso pode ter sido assunto de conversa.

“Grandes empresas tem um setor chamado de behavior analytics (análise comportamental) que se preza a apenas estudar esses pequenos sinais que damos”, afirma Gomes.

Todas essas informações (demográficas, psicográficas e telemétricas) são cruzadas com auxílio de modelos de inteligência artificial preditivos, que fazem o que os cientistas de dados chamam de chute informado.

Como o escopo de possibilidades do que a pessoa pode querer é quase sem fim, a taxa de acerto costuma não ser das mais altas, ainda assim é melhor do que o das chamadas publicidades contextuais, em que o posicionamento depende do conteúdo do local do anúncio.

EFICIÊNCIA SIGNIFICA DINHEIRO
Do lado de quem quer impulsionar propaganda, os anunciantes veem segmentos do público ou o número de pessoas que pretende atingir.

Os grupos formados pela inteligência artificial nem sempre são óbvios, já que as redes sociais trabalham com um conjunto de informações muito específicas.

Muitas vezes, nem o cliente sabe quais grupos vão atender especificamente. Eles direcionam por faixa etária, gênero, orientação social e partidária entre outros critérios.

Na plataforma, porém, o que mais importa é quantos cliques e conversões —quando acaba em clique ou compra.

O algoritmo, então, roda até conseguir o resultado prometido. Nesse estágio, importa os modelos estarem bem calibrados, vez que quanto mais tempo funcionam, maior o gasto das big techs com servidores.

Entretanto, esse modelo de negócios só vale a pena em larga escala, diz o escritor e hackativista canadense Corey Doctorow em entrevista à Folha de S.Paulo.

Os incrementos em precisão dos anúncios direcionados em comparação à publicidade digital simples são marginais, o que não agrega tanto valor ao preço final. Empresas como Google e Meta (dona de Facebook e Instagram) lucram ao concentrar a publicidade digital sob seus domínios.

*Pedro S. Teixeira – folhapress

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