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Saúde e Bem-estar
Foto: Danilo Verpa/Folhapress
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Dafne Cora de Melo e o SUS (Sistema Único de Saúde) aprenderam a andar quase juntos. Ela nasceu em 1989, um ano antes da regulamentação do sistema, e completará 36 anos no próximo 19 de setembro, mesma data em que a rede pública de saúde celebra 35 anos. A trajetória da estudante de história se entrelaça à do sistema que esteve presente em sua vida desde a infância em consultas pediátricas, vacinas, atendimentos de urgência, apoio psicológico e, mais tarde, no acesso à terapia hormonal.
A tradutora e professora de inglês Letícia Ribeiro, 37, também foi atendida com a família em uma UBS (Unidade Básica de Saúde) no centro de São Paulo durante toda a infância e adolescência. Os pais a levavam com o irmão ao posto de saúde, onde faziam consultas e exames de rotina ou eram encaminhados para unidades especializadas.
Louise Lara Matos, 30, nasceu cinco anos depois da criação do SUS e também cresceu junto com ele. Desde o nascimento em hospital público, recorreu à rede para tratar depressão e enxaqueca crônica, além de fazer o pré-natal da filha, o parto e o acompanhamento pediátrico da bebê.
Ao longo de mais de três décadas em que prestou assistência a Dafne, Letícia e Louise, o SUS se transformou com ampliação dos serviços e fortalecimento das unidades de saúde, com 215 milhões de brasileiros com acesso à saúde de forma gratuita. Dados do Ministério da Saúde de 2024 apontam que o sistema faz 2,8 bilhões de atendimentos por ano, e 70% da população brasileira depende exclusivamente do serviço.
Fabiano Guimarães, presidente da SBMFC (Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade), atua no SUS desde que se formou, em 1998, e nunca passou pela rede privada. Acompanha pacientes e famílias há décadas por meio da estratégia de saúde da família (ESF), que integra a atenção primária. Para ele, o vínculo criado entre equipe e comunidade permite a detecção precoce de doenças e melhores resultados nos tratamentos.
“Quando você atende a mesma pessoa ao longo de anos, consegue perceber mudanças, prevenir complicações e apoiar a família em diversas etapas da vida. É isso que faz a atenção primária ser tão valiosa”, afirma.
Letícia passou boa parte da infância vendo a mãe em tratamento contra um câncer na bexiga, diagnosticado já em estágio avançado pela rede particular quando tinha 29 anos. Como o convênio que tinham na época havia negado cobertura, o acompanhamento foi realizado pelo sistema público na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Durante os cinco anos de tratamento até a cura, entre 1996 e 2001, ela lembra de buscar a medicação da mãe nos laboratórios e de ajudar nos cuidados em casa para manter o protocolo. Foi nesse período que percebeu a importância de ter um sistema público de saúde capaz de oferecer atendimento de qualidade, acolhimento e acompanhamento contínuo.
Coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), o presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), Rômulo Paes de Sousa, aponta três avanços principais no combate ao câncer no SUS: prevenção, detecção precoce e terapias.
“O Brasil tem avançado em tecnologias de diagnóstico, permitindo a identificação precoce de doenças como câncer de colo de útero, mama, pulmão e próstata. Apesar disso, ainda existem desigualdades no acesso, tanto em termos de infraestrutura quanto de distribuição de especialistas e integração entre redes pública e privada”, afirma.
Hoje, Letícia mantém o acompanhamento que começou na infância. Faz consultas de rotina, como dermatologia, ginecologia e odontologia, na UBS Vila Romana, na zona oeste de São Paulo. Em situações de emergência, também recorre à rede pública.
Histórias como a de Letícia se repetem em outras famílias. Antes do SUS, a empregada doméstica Fátima Mendonça, 62, mãe de Dafne, precisou do apoio financeiro do sogro para custear uma cesárea em hospital privado em 1989. Após o nascimento da filha, o acompanhamento pediátrico e as vacinas passaram a ser feitos pelo sistema público de saúde.
Na infância, Dafne lembra das idas às filas de atendimento em uma UBS em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Acompanhada pela mãe, buscava consultas e exames em hospitais e policlínicas da região.
No início da vida adulta, a relação de Dafne com o SUS se intensificou. Precisou de acompanhamento médico em situações emergenciais, como quando sofreu trombose e embolia, consequência da automedicação durante o início de sua terapia hormonal para transição de gênero. Foi acolhida no Hospital Estadual Alberto Torres, referência em emergências no estado.
Ela recorreu à automedicação porque, aos 24 anos, procurou uma unidade de saúde pública e teve o acesso à terapia hormonal negado por um médico. Consegue dar continuidade ao tratamento de forma adequada por meio de laboratórios da Fiocruz.
Assim como Dafne, Louise também encontrou no SUS o apoio para lidar com problemas de saúde desde cedo. Com um diagnóstico de depressão ainda na adolescência, a facilitadora de oficinas teve acesso gratuito ao tratamento na cidade onde morava, Ilha Solteira, no interior de São Paulo.
“Quando comecei a lidar com a depressão, pude contar com psicólogos e médicos sem precisar me preocupar com custos que jamais teria arcado sozinha.”
Regina Valéria Matos, 52, deu à luz a Louise no dia 26 de fevereiro de 1995 no Hospital Regional de Ilha Solteira. Técnica de enfermagem que atua há 10 anos em UBS e trabalhou 14 anos em hospital público, reconhece avanços importantes no SUS, especialmente na prevenção de doenças, no acompanhamento pediátrico e no pré-natal.
Ela descobriu a gravidez já com quatro meses de gestação. Fez todo o acompanhamento em uma UBS da cidade. Na época, a infraestrutura das unidades básicas era limitada, e exames laboratoriais e ultrassonográficos eram escassos.
Eura Martins Lage, membro da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações em Ginecologia e Obstetrícia) e professora associada no Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), conta que, desde a criação do SUS, a forma como o Brasil cuida das gestantes passou por grandes evoluções.
“Antes, o acesso ao pré-natal era desigual, e muitas mulheres não conseguiam acompanhar a gestação. Com o SUS, o pré-natal passou a ser um direito garantido, gratuito, acessível, e parte da atenção básica à saúde”, diz.
Ela cita como marcos o Pacto pela Redução da Mortalidade Materna e Infantil, lançado em 2004, que chamou a atenção para o fato de que muitas mortes poderiam ser evitadas com um bom pré-natal, e a Rede Cegonha, instituída em 2011, responsável por organizar o caminho da gestante dentro do SUS, desde o teste de gravidez até o pós-parto.
*LAIZ MENEZES/folhapress
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