Fechar
O que você procura?
Continua depois da publicidade
Continue lendo
Depois de viver dias silenciosos no isolamento social pandêmico, a cozinheira Letícia Dias, 30, se sentiu mais incomodada do que o normal com o barulho do dia a dia, como os sons de carros no trânsito e de viagens de avião e metrô.
Mas foi um festival de música em 2023 que a fez decidir comprar um par de abafadores de ruído. Letícia viu a recomendação no TikTok, num vídeo em que uma americana listava o que levar para um show da Taylor Swift. A mensagem era que os protetores auriculares protegiam a audição a longo prazo e melhoravam a experiência do show —”porque ‘filtram’ os gritos dos fãs e você tem o som da banda mais isolado”, diz ela.
Letícia se tornou adepta. “Antes de comprar especificamente para usar em shows, eu não pensava em usar no dia a dia”, conta. “Eu não achava frescura, mas achava que não precisava, que meu incômodo não era para tanto.” O costume veio rápido —talvez, ela avalia, porque os protetores que ela comprou funcionam mais como filtros do que como silenciadores totais de ruído.
A prática é comum fora do Brasil. Lugares como a Holanda vendem protetores auriculares em máquinas automáticas durante shows e festas, por exemplo, e veículos como The New York Times e Forbes fazem listas das melhores marcas do produto para uso em eventos.
Sem detalhar números, a empresa 3M afirma que houve um aumento na procura pelos protetores auriculares.
No TikTok, a hashtag “earplugs” agrega mais de 16 mil vídeos. No fórum Reddit, um tópico com mais de 1.800 comentários discute o uso dos protetores em shows. As respostas mais destacadas dizem que sim, é uma boa ideia usar a barreira.
Em nada atrapalha a experiência musical, afirma Henrique, 27 anos. Ele começou a usar os protetores em festas de música eletrônica depois de perceber que voltava para casa com tinido e zumbido no ouvido.
Preocupado com a perda de audição, ele comprou um plugue auricular em 2022. O modelo escolhido foi um de silicone com filtro de plástico —os melhores têm filtro de metal, diz ele, que queria evitar os de espuma.
Henrique fez o primeiro teste num festival de música eletrônica. “Depois de cinco minutos você nem nota que está com a barreira física”, conta. Chegar mais perto das caixas de som é consequência, mas ele afirma que a sensação ruim depois da festa diminuiu.
Segundo Joel Lavinsky, da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (ABORL-CCF), a exposição à poluição sonora está associada à perda de audição progressiva irreversível, causada por lesão nas células ciliadas da cóclea. Ele diz que isso ocorre quando os níveis de pressão sonora são de intensidade maior que 85 dB por oito horas ao dia, mas, quanto maior a intensidade, menos tempo é necessário para causar danos.
Para se ter uma ideia, uma conversa normal tem cerca de 60 dB. O metrô, 100 dB. Um estádio atinge por volta de 110 dB. O ouvido humano sente dor a partir de 120 dB. A OMS (Organização Mundial da Saúde) estabeleceu, em diretrizes de 2022, que 100 dB é o nível sonoro máximo recomendado em eventos e que protetores auriculares e fones com cancelamento de ruído são aliados contra a perda auditiva.
Os zumbidos que Henrique citou também são sintomas da exposição a altos decibéis, segundo Lavinsky. A irritabilidade é outra consequência que entra na conta. O médico diz que quando a ansiedade começa a dar as caras, deve-se levantar um sinal vermelho para o impacto da poluição sonora na saúde.
O aumento da ansiedade gerada por exposição a barulho está associado a maior risco de doenças cardiovasculares, de acordo com estudos publicados na revista científica European Heart Journal.
Para o cardiologista Alvaro Avezum, diretor de pesquisa do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, o incômodo pela poluição sonora altera a capacidade cognitiva e o sono, o que leva a altos índices de estresse.
“Estresse e depressão, quando prevenidos, evitam 32% dos infartos no mundo. No Brasil, a associação chegou a 48%”, diz.
A associação tem a ver com o fato de que o estresse aumenta a adrenalina na circulação, além de aumentar a glicemia e a viscosidade do sangue, que podem contribuir para o entupimento de uma artéria.
A redução do estresse é um elemento que apela. Henrique, que usa a tecnologia em festas, vê o plugue como uma ferramenta de acessibilidade. Para quem não lida bem com barulho, pode permitir boas experiências em shows, ele diz. No TikTok, usuários que se dizem autistas ou que têm TDAH argumentam numa linha parecida, inclusive com relação ao uso de fones com cancelamento de ruído.
Diferentemente do efeito tampão dos protetores, os fones que cancelam ruído captam o som ambiente e emitem ondas sonoras opostas. Assim, o som acaba neutralizado.
Segundo Lavinsky, isso diminui a necessidade de aumentar o volume. Ele recomenda que se utilize o som na metade do volume máximo oferecido pelos aparelhos de áudio.
Na contramão da ânsia pela criação de uma bolha antirruído, algumas empresas têm apostado em tecnologias que procuram integrar o som dos aparelhos ao ambiente. São fones que não entram na cavidade auricular ou que não tapam as orelhas, deixando espaço para a percepção do barulho do entorno.
É difícil cravar se o mundo está mais barulhento ou se a sensibilidade para o barulho aumentou. A reportagem pediu à Prefeitura de São Paulo um levantamento das reclamações de barulho, mas o órgão não enviou os dados solicitados até a publicação desta reportagem.
*BÁRBARA BLUM/Folhapress
© 2003 - 2024 - ParaibaOnline - Rainha Publicidade e Propaganda Ltda - Todos os direitos reservados.