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Com a mudança do clima cada vez mais perceptível, manifestada, por exemplo, durante fenômenos extremos, como secas e inundações, surgem preocupações graves e debilitantes sobre os riscos climáticos e ambientais para a saúde humana.
Esse temor é chamado de ansiedade climática, ou ecoansiedade, termo descrito pela primeira vez em 2017 por Susan Clayton, professora de psicologia e estudos ambientais da Faculdade de Wooster, nos Estados Unidos.
No Brasil, mais de 60% dos jovens entre 16 e 25 anos se dizem “muito” ou “extremamente preocupados” com os efeitos das mudanças climáticas, segundo o estudo mais recente sobre o tema, publicado no The Lancet Planetary Health, em 2021.
A pesquisa, conduzida com cerca de 10 mil participantes em dez países, mostrou ainda que mais de 45% dos entrevistados de todos os países disseram que seus sentimentos sobre as mudanças climáticas afetaram negativamente sua vida diária e funcionamento, e muitos relataram um alto número de pensamentos negativos sobre as alterações do clima.
O estudo utilizou a plataforma Kantar para selecionar os participantes, considerando amostragem por cota, com base na idade, gênero e região. Com as respostas foram calculadas estatísticas descritivas para cada aspecto da ansiedade climática.
Países como Brasil, Índia, Nigéria, Filipinas e Austrália expressaram mais preocupações em comparação a Estados Unidos, Reino Unido, Finlândia, Portugal e França.
A psicanalista Ana Lizete Farias, especialista em risco ambiental e autora do livro “Psicanálise e meio ambiente”, afirma que a ansiedade climática pode se manifestar como um desespero paralisante. “É difícil conceber alternativas para lidar com algo tão grande e imprevisível. Quando a ansiedade começa a se tornar uma obsessão, é preciso procurar ajuda.”
Farias diz que é importante não patologizar as respostas emocionais à mudança do clima. O ideal, segundo ela, é equilibrar preocupações individuais com ações coletivas.
“Intervenções voltadas à saúde mental individual não serão totalmente eficazes sem um enfoque social para enfrentar a questão”, completa.
Se o estresse pós-traumático afeta aqueles impactados diretamente por desastres climáticos, a ansiedade climática pode ocorrer em qualquer pessoa com acesso a informações sobre o clima.
Seja via noticiário ou redes sociais, todos estão vulneráveis, e as mulheres, em particular, são mais expostas.
Segundo o relatório Justiça Climática Feminista: um Quadro para Ação, publicado em 2023 pela ONU Mulheres (Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e Empoderamento das Mulheres), caso o cenário de aumento de 3ºC na temperatura do planeta se concretize, até 2050 mais de 158 milhões de mulheres e meninas serão levadas à pobreza, 16 milhões a mais do que o total esperado para homens.
Para Simone Jorge, professora universitária e doutora em ciências sociais pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), “essa desigualdade de gênero reflete a carga culturalmente atribuída às mulheres de serem cuidadoras e responsáveis pelas futuras gerações”.
Nesse cenário, muitas mulheres se questionam se podem prometer um futuro seguro para seu filho.
A mesma pesquisa divulgada no The Lancet, realizada por pesquisadores do Reino Unido e da Finlândia, revelou que jovens brasileiros entre 16 e 25 anos são os que mais hesitam em ter filhos por causa das mudanças climáticas. Quase metade (48%) dos brasileiros entrevistados afirmaram ter dúvidas sobre ter filhos, número superior à média mundial (39%) e o maior registrado no levantamento.
A decisão de renunciar à maternidade está relacionada a sentimentos de ansiedade, tristeza e desespero diante das mudanças do clima.
“Eu lia as notícias e sentia um desamparo. Fiquei três dias sem dormir e tive crises de choro”, relata Carolina Efing, 29, advogada e fundadora da Rede de Estudos Climáticos de Curitiba. “Às vezes, me pergunto como vou colocar alguém no mundo para sentir todas essas coisas que sinto. Que tipo de infância essa criança vai ter?”, questiona.
Liana da Silva Santos, 25, agente ambiental do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), conta que sua ansiedade climática se agravou com as enchentes no Rio Grande do Sul, seu estado natal.
“Ver os lugares onde eu cresci e estudei sendo devastados me causou angústia física, como dor no peito e dificuldade para respirar”, diz. “Eu trabalho para que o mundo seja um lugar melhor, mas não quero me responsabilizar por uma nova vida em um mundo onde não posso garantir um futuro.”
Camila Zoschke Freire, 41, psicanalista, é mãe do Bruno, 12, e Maria, 7. Ela planejava ter um terceiro filho, mas desistiu após acompanhar as previsões climáticas.
“Cresci em Blumenau (SC), brincava no mato e nos rios, tive muito contato com a natureza”, conta. “É angustiante perceber que a realidade que ofereço aos meus filhos já não é a mesma.”
Para Camila, a ansiedade climática está relacionada às condições de vida e saúde que seus filhos terão. As crianças percebem a angústia da mãe. “Eles brincam de criar músicas, e a maioria das letras são sobre o fim do mundo. Tento abordar a questão climática sem transmitir desespero, mas é difícil”, conta.
Para a psicanalista Ana Lizete Farias, as questões ambientais devem ser tratadas coletivamente. “Apenas a ação coletiva pode gerar transformação. Precisamos unir esforços para que as pessoas não se sintam isoladas e encontrem apoio ao tomar decisões difíceis, como a de ter ou não filhos”, afirma.
Esta reportagem foi produzida durante o 9º Programa de Treinamento em Jornalismo de Ciência e Saúde da Folha, que contou com o patrocínio do Laboratório Roche e do Hospital Israelita Albert Einstein.
*MAYALA FERNANDES/Folhapress
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