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Em uma década, os custos de internação de crianças e adolescentes com obesidade no SUS aumentaram 20%, passando de R$ 145 milhões, em 2013, para R$ 174 milhões, em 2022. Se adicionados gastos com atendimentos ambulatoriais e medicamentos, por exemplo, a conta chega a R$ 225,7 milhões. Os custos totais com a doença nesse período passam de R$ 1,54 bilhão.
As famílias também estão sentindo no bolso as consequências da obesidade infantojuvenil. A elas são atribuídos gastos na ordem de R$ 12,1 milhões, com remédios, consultas e tratamentos particulares.
Os dados são de um levantamento inédito feito pelo Instituto Desiderata, pelo Nupens (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP) e pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) sobre o impacto econômico do excesso de peso na saúde pública. O estudo está disponível numa versão preliminar e será publicado na revista acadêmica PLoS One.
O trabalho levantou dados de sistemas públicos de informação em saúde do SUS (Sistema Único de Saúde), como o SIH (Sistema de Informações Hospitalares) e o Sisvan (Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional). A partir deles, foi idealizado um estudo de modelagem econométrica para aplicação no cenário brasileiro.
Os dados não levam em conta os custos com os problemas de saúde associados à obesidade infantojuvenil, como diabetes tipo 2, hipertensão, asma, apneia do sono, problemas músculo-esqueléticos, distúrbios metabólicos e questões emocionais.
“É um custo alto, mas não tão alto quanto esperávamos devido à alta prevalência da obesidade infantojuvenil e dos seus efeitos”, diz Raphael Barreto, gerente de obesidade do Instituto Desiderata. Hoje, no Brasil, 1 em cada 3 crianças e adolescentes estão com excesso de peso.
Segundo Barreto, muitos profissionais de saúde não registram essa condição nos prontuários dos pacientes, o que leva a um apagamento do real impacto do excesso de peso na saúde pública.
“A obesidade infantil ainda é entendida pela sociedade como algo positivo. A criança com excesso de peso muitas vezes ainda é vista como saudável. Não se olha para ela da mesma forma como se olha para o adolescente ou para adulto obeso.”
No mundo, a obesidade infantil aumentou quatro vezes nas últimas quatro décadas. No Brasil, a prevalência entre crianças de 5 a 9 anos passou de 2,4% em 1974 para quase 14% em 2019, segundo dados do Ministério da Saúde. Nessa faixa-etária, 28% das crianças estão com excesso de peso.
A obesidade na infância é um forte preditor de obesidade adulta e do risco de doenças como diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer. Um estudo apresentado na semana passada no Congresso Europeu de Obesidade mostrou que crianças com obesidade grave aos quatro anos de idade e que não perdem peso ao longo do tempo podem ter uma expectativa de vida de apenas 39 anos, devido às doenças associadas.
Os impactos futuros da obesidade infantil também incluem consequências socioeconômicas negativas, incluindo a redução da empregabilidade, da produtividade e dos salários, de acordo com o estudo brasileiro.
As projeções mostram que se as atuais tendências de aumento do sobrepeso e da obesidade no Brasil forem mantidas até 2030, a prevalência entre adultos pode atingir 68,1% e 29,6%, respectivamente.
Para o pesquisador do Nupens Eduardo Nilson, também autor do estudo, os dados reforçam a urgência de políticas para prevenir o excesso de peso e a obesidade desde a infância.
Atualmente, dentro das discussões da reforma tributária no Congresso Nacional, há um movimento de entidades da saúde e da sociedade civil defendendo que os alimentos in natura ou minimamente processados recebam subsídios fiscais para se tornarem mais acessíveis à população.
“Ao mesmo tempo, aumentar os tributos sobre os ultraprocessados é uma forma de desencorajar o consumo e reparar os danos causados à saúde da população”, afirma Barreto.
O excesso de consumo de ultraprocessados e o sedentarismo sãos algumas das principais causas do aumento do sobrepeso e da obesidade na infância e adolescência. De acordo com o Enani (Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil) de 2019, 80% das crianças menores de dois anos já tinham consumido esses produtos.
A POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares), realizada nos anos 2017 e 2018, mostra ainda que a participação dos ultraprocessados no total energético da dieta dos adolescentes (26,7%) é maior que a dos adultos (19,5%).
As políticas públicas de saúde voltadas ao enfrentamento da obesidade ainda são tímidas. Há dois anos, o Ministério da Saúde lançou um programa de prevenção e de cuidado voltado a municípios de pequeno porte_de até 30 mil habitantes.
“Precisamos avançar muito mais. A obesidade é mais prevalente nos grandes centros, nas grandes capitais, porque está completamente relacionada à alimentação inadequada e, sobretudo, ao consumo de produtos e alimentos ultraprocessados”, reforça Barreto.
Alguns municípios têm conseguido avançar na oferta de alimentos mais saudáveis às crianças e adolescentes por meio das escolas. No Rio de Janeiro, por exemplo, desde julho do ano passado vigora uma lei que proíbe a venda e distribuição de ultraprocessados nas escolas públicas e particulares.
Entram na lista de proibição itens como cachorro-quente, linguiça, refrigerantes, sucos adoçados artificialmente, bolachas e chocolates industrializados.
Na última sexta (24), por exemplo, na Escola Municipal Roberto Burle Max, em Curicica, zona oeste do Rio, os alunos almoçaram arroz, feijão, carne refogada e abobrinha, com tangerina de sobremesa.
Os cardápios são desenvolvidos pela unidade de nutrição e segurança alimentar vinculada ao Instituto Municipal de Vigilância Sanitária (Ivisa-Rio) e à Secretaria Municipal de Saúde, para a rede municipal de ensino. O programa prioriza alimentos frescos ou minimamente processados, em porções diferenciadas por faixa etária, e de acordo com as necessidades nutricionais diárias de cada grupo.
Segundo Aline Borges, presidente da unidade de nutrição, o momento ainda é de ajuste. “A alimentação saudável envolve uma mudança de mentalidade, tanto por parte da própria escola quanto dos alunos e responsáveis.”
Ela cita um exemplo. “Já tivemos caso de pai se queixando porque o filho começou a pedir suco natural em casa, e o preparo dá mais trabalho do que abrir um refrigerante.”
Para Borges, o saldo da mudança tem sido bastante positivo. “Vai desde a prevenção de doenças crônicas nas crianças até a maior viabilidade da agricultura familiar como fornecedora de muitos dos ingredientes presentes nesse cardápio.”
Um levantamento do Instituto Desiderata que subsidiou a lei que agora vigora no Rio mostrou que, antes dela, 86% de um total de 200 cantinas escolares ofereciam refrigerante, 80,5% ofertavam salgadinhos de pacote e 68,5% tinham chocolates, bombons e pirulitos. Apenas 7,5% das cantinas comercializavam frutas frescas.
*CLÁUDIA COLLUCCI/Folhapress
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