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Um estudo que usou uma amostra de mais de 700 mil pacientes do Medicare -sistema de seguros de saúde gerido pelo governo dos Estados Unidos- com 65 anos ou mais que foram hospitalizados entre 2016 e 2019 e tratados por médicos hospitalistas, descobriu que tanto pacientes do sexo feminino quanto do masculino apresentaram taxas mais baixas de mortalidade e readmissão quando tratados por médicas.
O benefício de receber cuidados de uma médica foi maior para pacientes do sexo feminino do que para pacientes do sexo masculino. A pesquisa foi conduzida por cientistas de universidades dos EUA (Harvard e Universidade da Califórnia) e da Universidade de Tóquio, no Japão.
Embora as diferenças na mortalidade de pacientes e na readmissão entre médicas e médicos de pacientes do sexo feminino fossem modestas, a diferença de 0,24 pontos percentuais na mortalidade e a diferença de 0,48 pontos percentuais na readmissão correspondem a 1 morte a cada 417 hospitalizações do Medicare e 1 readmissão a cada 208 hospitalizações, o que, indiscutivelmente, são diferenças significativas, considerando que há mais de 4 milhões de hospitalizações do Medicare por ano para uma condição médica nos Estados Unidos.
Apesar da discrepância pequena, Fabio Fernandes Neves, superintendente do Hospital Universitário da UFSCar (HU-UFSCar/Ebserh) e especialistas em Gestão Hospitalar e Sistemas de Saúde, afirma que os achados têm seu valor. “É importante diferenciar a significância estatística da clínica. O diferencial é pequeno, mas quando falamos do individual faz toda a diferença.”
O estudo também mostra diferenças de sexo nos padrões relatados de dor, sintomas gastrointestinais e sintomas cardiovasculares, com profissionais de saúde -particularmente do sexo masculino- tendendo a subestimar tais sintomas quando experimentados por mulheres. Outra pesquisa, de 2019, já revelou que médicos eram mais propensos do que suas contrapartes femininas a subestimar os riscos de AVC (acidente vascular cerebral) em mulheres, por exemplo.
Como resultado, a subvalorização dos sintomas e riscos entre pacientes do sexo feminino pode resultar em cuidados atrasados ou incompletos, levando, em última análise, a piores resultados para as pacientes.
Na visão de Neves, as médicas possuem mais habilidades de comunicação e empatia, colocando-se mais facilmente na posição do paciente e da família. Isso facilita o diálogo e os pacientes saem mais bem orientados do hospital para aderir mais ao tratamento.
“Outro ponto é a questão do constrangimento: ainda mais em uma população idosa, pode haver um desconforto de exames de médicos em pacientes mulheres. Tendendo a existir um conforto maior das pacientes com médicas”, diz ele.
Foi observado também o risco de recaída com readmissão do paciente no hospital. Este outro marcador de êxito do atendimento médico teve uma disparidade (razão de 3,2%) para as mulheres tratadas por homens em comparação às tratadas por médicas.
O perfil da paciente também tende a ser diferente, diz a médica Syomara Regina de Almeida, membro do Centro de Desenvolvimento de Ensino e Pesquisa (Cedep) do Iamspe. “As mulheres se cuidam mais desde cedo e aceitam mais os tratamentos do que os homens”, observa.
Para diminuir os vieses de pesquisa, os estudiosos tiveram de controlar diversas outras variáveis possíveis. A ideia era certificar que as diferenças observadas tinham origem no gênero do médico, e não em outros possíveis fatores.
Levou-se em conta a idade, o diagnóstico no momento da internação, o nível de renda e outras variáveis. Para classificar os médicos, além do gênero, foi considerado o grau de formação e especialização, volume de pacientes e o desempenho médio dos hospitais -para se certificar que certa parte da amostra não estava sendo tratada em locais com estrutura melhor.
LIMITAÇÕES DO ESTUDO
A pesquisa foi concentrada em pacientes mais velhos admitidos em hospitais para condições médicas e tratados por hospitalistas. Portanto, os resultados podem não ser generalizáveis para pacientes mais jovens, pacientes com seguro comercial, aqueles tratados por outros especialistas ou pacientes que recebem cuidados em um ambiente ambulatorial.
Outra limitação do estudo é que os dados do Medicare usam uma classificação binária de gênero e não permitem a identificação de pacientes transgêneros.
Segundo os especialistas ouvidos, o estudo não leva em consideração todo o atendimento não médico, que envolve terapeutas, enfermeiros, nutricionistas, entre outros -o que também pode influenciar.
“Claro que o trabalho médico é importante, mas tem todo o resto do corpo clínico envolvido, é difícil trazer isso só para o sexo do médico”, fala Almeida.
Por fim, como a pesquisa foi feita nos EUA, não se pode espelhar os resultados para a medicina privada ou o SUS (Sistema Único de Saúde) brasileiro, já que possui outro perfil cultural de médico/paciente, esclarece Neves.
O resultado da pesquisa, em suas considerações, sugere que a investigação sobre essa diferença seja aprofundada para que cientistas saibam se isso se reflete fora dos EUA ou em populações jovens ou tratadas fora do ambiente hospitalar.
* THAIS PORSCH (CURITIBA, PR (FOLHAPRESS)
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