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O centro político venceu as eleições de 2024. Seria uma vitória solitária desse espectro se o PSD não fosse um partido muito mais pragmático do que programático, o que o torna híbrido. Sabe estar no governo com esquerda e direita, mas vota nas pautas da direita, com quem se sente mais confortável.
Em tempos recentes de paixões emuladas por ódios e da aposta no “tudo ou nada” das soluções violentas, um centro político forte, responsável e democrático seria bem-vindo para recolocar a política no lugar da rivalidade organizada e da disputa civilizada. Mas o PSD não faz a contento a mediação necessária para evitar o fracasso dos moderados e não substitui o calor pela luz.
Um centro autêntico precisa redefinir-se no país. Apenas 10% dos brasileiros dizem preferi-lo, 13% são de esquerda, 30% de direita e 40% não se identificam com nenhum campo ideológico. Logo, a supremacia partidária do PSD não é programática, talvez seja oriunda de preferências difusas e circunstanciais.
Sendo assim, podemos afirmar que as direitas estão em grande vantagem nos municípios. Em 2012, o PT tinha 647 prefeituras. Terá pouco mais de 250 a partir de 2025, contra mais do que o dobro do PL, 509, por enquanto. No geral, versões variadas da direita, distribuídas em diversos partidos, conquistaram um bastão para a jornada eleitoral de 2026, o qual não sabemos em que medida influenciará o jogo nacional.
Tais fatos suscitam uma questão que penso ser mal compreendida por muitos eleitores. Refiro-me às ideias ou aos conceitos sobre o que vem a ser direita e esquerda, principalmente. Há literatura abundante tratando o tema, aqui rascunho alguns traços.
No desenho maior do quadro esquerda versus direita, estabeleceram-se dicotomias históricas entre pobres e ricos, privatistas e estatistas, inclusão e exclusão, progresso e tradição, individualismo e holismo, igualdade e diferença.
Para tentar esclarecer, a começar pela direita, separo esse espectro em dois. O primeiro refere-se à “direita tecnocrática e elitista”, cuja atuação combina a defesa dos interesses do capital com concessões ao fator trabalho, dentro das regras da democracia liberal, ainda que em constante tensão com as reivindicações sociais. No Brasil pós ditadura, essa direita esteve parcialmente representada pelo PSDB e pelo MDB quando estiveram no poder.
O segundo espectro situa-se na “direita populista”, de caráter autoritário e reacionário (no sentido de não permitir avanços socioculturais) e disposta a promover rupturas institucionais. Essa direita ascendeu fortemente na última década em movimentos distintos, porém articulados em vários países do ocidente.
Tenta desconstruir as democracias liberais e é contrária ao processo de secularização das sociedades atuais por motivos que vão desde do que consideram “excessos da democracia” até visões ultraconservadoras acerca da vida em sociedade.
A direita populista pôs em curso uma estratégia com diversos componentes: postura antissistêmica, comunicação política disruptiva, desacreditação das instituições (imprensa tradicional e judiciário, sobretudo), mobilização da religião e da tradição, e deslegitimação dos oponentes políticos e ideológicos, vistos não apenas nos partidos, mas em pessoas e organizações cujas causas são objeto do combate do populismo de direita.
Ambas as direitas têm em comum o projeto de criar e favorecer as melhores condições para o desenvolvimento da produção econômica sob os moldes do mercado, secundarizando ou negando aspectos que possam ser considerados empecilhos à maximização dos lucros privados. Noutra dimensão, para as direitas, as desigualdades são naturais, inevitáveis, sagradas ou até funcionais, e o primado da liberdade e da autonomia dos indivíduos deve ser defendido.
Em relação à esquerda, há também duas. A “esquerda radical” assume como ideário a necessidade de acentuar os antagonismos de classe e apostar numa nova ordem econômica e social, apresentando o socialismo como alternativa para a superação das desigualdades.
Já a “esquerda moderada” tenta governar o desenvolvimento capitalista sem rupturas. Apresenta uma conotação social ao mesmo tempo em que estimula o mercado e se move na direção da melhoria das condições de vida dos cidadãos, dentro dos limites da arena democrática.
Assim como as direitas, as esquerdas compartilham visões: o reconhecimento de que há desigualdades injustificáveis, as quais devem ser atenuadas, reduzidas ou eliminadas. Essas desigualdades podem ser de pontos de partida, de oportunidades e/ou de rendimentos. Grupos e minorias expostos a preconceitos e injustiças que os colocam em desvantagens também são defendidos pela esquerda política, a exemplo da comunidade LGBTQUIA+, negros, quilombolas, indígenas, dentre outros.
Em conclusão: entre a “direita populista” e a “esquerda radical” há uma elasticidade de significados que pode questionar a definição dos conceitos apresentados aqui. Existem muitos ingredientes colocados indevidamente no recipiente, cuja embalagem rotula alguém como pertencente a uma ou a outra prateleira.
Além disso, não sendo questão de crença, ou não devendo ser, a afiliação política e ideológica não impede a preferência por valores e práticas do campo oposto. A realidade social testa os conceitos, aproximando-os ou afastando-os dela mesma. No Brasil de 2024, como julgo, ganharam o “centro amorfo” a “direita” e a “direita populista”, representadas por PSD, MDB, PP, UNIÃO e PL. Perdeu a “esquerda moderada”, simbolizada no PT.
A outra esquerda, radical, é residual. O Psol perdeu a única joia que tinha, Belém. Lá, as duas direitas irão disputar o controle da agenda pública numa das mais importantes regiões do mundo.
*professor da YFCG e cientista político
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