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Passados 21 meses desde que os símbolos do poder democrático foram violentamente agredidos à luz do dia e vistos em tempo real por todo o país, a primeira eleição pós 08 de janeiro de 2023 indica que o Brasil assimilou a tentativa de golpe e a superou.
Partidos, candidatos e eleitores foram às urnas eletrônicas sem questionamentos sobre sua eficácia e indiferentes às desconfianças plantadas na última eleição, as quais faziam parte de discursos, tramoias e energias empregadas para que, de Brasília, uma nova ordem fosse instalada.
Sob sofismas e retóricas que, malabaristicamente, recorriam à noções de liberdade para deslegitimar o jogo eleitoral que acabara de findar com a derrota do time e da torcida ocupantes das calçadas dos quarteis – lugar impróprio para participar de uma competição democrática – os invasores da capital federal não conseguiram impedir que o VAR os punisse.
Mas o que pode ser considerado uma retomada do ideário democrático, sempre em construção, quase foi fulminado por um choque maior vindo dessas ondas eletrocutantes que ainda circulam em larga escala pelo país, carregando energias negativas, muitas delas paralisantes e surtantes.
Refiro-me à presença do coach Pablo Marçal na disputa pela prefeitura da maior cidade do país, São Paulo. Quem viu a horda de homens jovens em torno de Marçal, expressando rituais de culto à personalidade, fervor religioso e estética performática para esses tempos de redes “antissociais” (no sentido dos valores democráticos), se assustou com o que poderia vir.
Quase veio. Por um triz o coach não desencapou o fio por completo. A despeito de suas reais intenções, se levar a sério a vida política, se angariar outros milhões de seguidores (fico com essa alternativa), Marçal encontrou no caos paulista as condições adequadas para difundir sua ideologia.
Na meca do dinheiro, do individualismo e do corre-corre, os cidadãos já estão encharcados por um discurso de que precisam “se virar” porque o Estado não tem responsabilidade por eles. Sentindo-se incapazes e sem condições objetivas para esperar pela democracia, é mais fácil entregar o destino a quem diz que pode tudo, ainda mais se é alguém que recorre ao TODO PODEROSO.
Em Marçal está a combinação explosiva das paixões ideológicas com as religiosas, acrescida do componente autenticamente antissistêmico (ainda que escapando do sistema prisional), diferentemente do outro que acaba de colocar o quarto herdeiro no sistema político, do qual toda a parentela faz parte desde que veio ao mundo.
De toda forma, nos livramos de Marçal. Ficará inelegível por duas eleições, tempo que teremos para aprender mais sobre democracia para além do que nos oferecem os algoritmos. Quem sabe avançaremos na direção de uma Direita responsável, um Centro democrático e uma Esquerda lúcida, a democracia precisa de todos.
A empreendedorização da vida e a romantização do empreendedorismo perdeu com a saída de Marçal do jogo, por enquanto. Mas talvez, os próprios empresários, de todos os tamanhos, tenham tempo para ensinar aos nossos jovens que abrir e fazer lucrar um negócio é algo muito mais complexo do que ensina a vã filosofia de um coach.
Por outro lado, os verdadeiros pastores e sacerdotes também ganham tempo para explicar aos fiéis, cada vez mais infiéis aos princípios do Evangelho, que a riqueza, historicamente e funcionalmente, concentra-se nas mãos de poucos e que ela, biblicamente, não leva quase ninguém ao céu.
*Cientista político e professor da UFCG
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