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Foto: Divulgação/TV Globo
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Quando desejar uma boa noite ao público do Jornal Nacional a partir de agora, William Bonner talvez sinta um gosto de despedida na boca.
Ele deixa em novembro o comando do telejornal de maior audiência do país, quase três décadas depois de se sentar pela primeira vez na bancada e apresentar cerca de 10 mil edições do noticiário.
Seu lugar passa a ser ocupado pelo jornalista César Tralli, que deixa o comando do Jornal Hoje -em que será substituído por Roberto Kovalick- e assume o Jornal Nacional ao lado de Renata Vasconcellos, que permanece na atração da noite.
Bonner, que passará a apresentar o Globo Repórter às sextas-feiras ao lado de Sandra Annenberg, anuncia a sua saída da bancada na edição desta segunda do Jornal Nacional, dia em que o programa completa 56 anos no ar.
O âncora, num almoço com jornalistas na sede da Globo no Rio de Janeiro, chama sua saída de “movimento tectônico” na história do telejornal. Ele conta que é uma decisão que tomou há cinco anos e esperou esse tempo, num acordo fechado com a emissora, para que as demais mudanças nas equipes pudessem ocorrer.
“Minha maior preocupação era dar a esse anúncio uma enorme leveza. Não é o maior evento da Terra, não estou saindo da Globo”, diz Bonner, descontraído. “Venho de anos de uma exaustão muito louca, e um dos maiores motivos é que tenho dois filhos morando e trabalhando fora do Brasil. A saudade é muito dolorosa.”
Bonner, de 61 anos, é o âncora que ficou mais tempo à frente do principal telejornal da Globo desde a sua estreia, em 1969. Na bancada do Jornal Nacional, ele noticiou os ataques às Torres Gêmeas em Nova York -o que ele chama de evento que mudou o curso da história- e relatou a morte de colegas como Tim Lopes e Cid Moreira, chegando a se emocionar ao falar do dono da voz mais conhecida da televisão.
Mas foi outro o seu momento de maior emoção, ele lembra. Era o auge da pandemia, quando fugiu do protocolo sisudo da bancada e, de pé, fez um lamento antes de mostrar o número de mortes por coronavírus naquele dia, o discurso em que disse que estávamos “todos esgrimindo com loucos”, em alusão à epidemia de fake news que se sobrepôs à crise sanitária real.
“Foi o único momento em que botei para fora um sentimento de indignação, sem combinar com ninguém da empresa, nem comigo mesmo”, diz Bonner. “A gente estava sacrificando as nossas vidas pessoais para fazer o jornal e tinha gente investida de poder lutando contra a informação. Pedi desculpas porque eu perdi o controle. Foi o momento mais dramático da minha carreira.”
Ele já vinha, aliás, quebrando um pouco a rigidez do papel de âncora e atribui isso ao que chama de “manifestação de espírito do tempo”, um processo que foi acelerado pela pandemia. Em coberturas como a das enchentes recentes no Rio Grande do Sul, que o levaram ao estado e para fora do estúdio no Rio de Janeiro, ele não escondeu sua comoção com as vítimas e se pôs muito perto dos entrevistados.
Bonner conta que partiu dele a ideia de flexibilizar os códigos do jornal quase sexagenário, trazendo movimento para as passagens, planos abertos, a conversa informal com repórteres em entradas ao vivo e buscando uma linguagem mais coloquial. Também tornou mais seletiva a edição, abrindo mão de tentar abarcar todo o noticiário do dia.
Renata Vasconcellos, que ao lado dele foi o rosto dessa transformação sutil do jornal, lembra que os dois são “passionais e sensíveis”. “A gente está muito perto das pessoas, dentro da casa das pessoas todos os dias, então fomos trazendo esse calor.”
Muitos dos cerca de 30 milhões de brasileiros que sintonizam o Jornal Nacional todos os dias, o que o diretor geral de jornalismo da TV Globo, Ricardo Villela, chama de o maior telejornal no ar numa democracia hoje, talvez sintam muita falta de Bonner, o rosto do telejornalismo do país.
O âncora faz questão de enfatizar que o Jornal Nacional é “muito maior do que um indivíduo”, mas tem noção do peso de sua imagem. A TV Globo também. Por isso levou cinco anos para treinar sucessores e reposicionar os talentos de sua grade. Villela diz que a troca do apresentador se deu com base em pesquisas e na confiança que têm em Tralli, que está há mais de duas décadas na emissora.
“Cada um tem seu estilo”, diz Tralli. “Sou um repórter na apresentação, passei 15 anos fazendo matérias para o Jornal Nacional. Sei como o jornal funciona e tenho consciência de como a coisa toda funciona, mas tenho muita responsabilidade e tenho muito o pé no chão.”
William Bonner estreou na bancada do jornal do horário nobre em 1º de abril de 1996, ao lado de Lillian Witte Fibe. Juntos, eles substituíram Cid Moreira e Sérgio Chapelin, que tinham consolidado o formato do programa e também se tornado o rosto do telejornal. A entrada de Bonner e Witte Fibe marcou uma reformulação profunda, quando jornalistas mais ligados às notícias, e não só locutores, passaram a ocupar a bancada.
Bonner, que acumulou a função de editor-chefe do jornal em 1999 e agora deixa o posto, permaneceu no cargo de âncora enquanto suas colegas de bancada foram mudando. Primeiro, Fátima Bernardes, então sua mulher, assumiu o posto, com a saída de Witte Fibe, em 1998. Depois, foi a vez de Patrícia Poeta, em 2011, e por último Renata Vasconcellos, que entrou em 2014.
O cargo de editor-chefe do jornal agora fica com Cristiana Souza Cruz, que já chefiou o escritório do jornalismo da Globo em Nova York, teve passagens pela GloboNews e está há seis anos como editora-adjunta, abaixo de Bonner.
No Globo Repórter, Bonner voltará a ser apresentador e repórter, sem funções na chefia do programa. Ele conta que seu acordo com a emissora foi que ele não quer mandar em nada nem em ninguém. “É muito desgastante”, diz. “Não tenho ilusão nenhuma de que isso vá melhorar, mas tenho casca. Só queria parar enquanto tiver saúde para aproveitar.”
O jornalista viajou a convite da Globo
*SILAS MARTÍ/Folhapress
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