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Uma água cristalina, atravessada por iates, jet skis e corpos sarados, sob o brilho do sol, forma o cenário de “Mania de Você”, de João Emanuel Carneiro. A novela, que estreia nesta segunda-feira, marca o fim da era de histórias rurais que dominou a faixa das nove da TV Globo nesta década.
O folhetim tem sido descrito por parte de seu elenco como “um ‘The White Lotus’ à brasileira”, como diz Adriana Esteves, lembrando a minissérie da HBO que tem feito sucesso com sua sátira aos super-ricos, ambientada em resorts de luxo que a princípio parecem o paraíso, mas se transformam no inferno.
A mudança de ambiente pode ser interpretada como efeito da frustração das narrativas do campo. A estratégia de oferecer um escapismo da cidade grande fidelizou o público em “Pantanal”, mas não deu tão certo em “Renascer”, que terminou na última sexta-feira, ou em “Terra e Paixão”, que veio antes.
“Já tivemos tanta novela urbana e tanta novela rural, que eu quis criar algo diferente, em Angra dos Reis. Nossa antecessora foi rural, mas os cenários urbanos também já cansaram o espectador”, diz Carneiro, o roteirista, acrescentando que “Mania de Você” também não quer reprisar a neurose do asfalto do Rio de Janeiro vista em “Um Lugar ao Sol” e “Travessia”, as outras novelas exibidas nesta década no horário nobre.
O folhetim também chama a atenção por seu teor sensual, com os músculos de Chay Suede e Nicolas Prattes, nos papéis de Mavi e Rudá, e as curvas de Agatha Moreira e Gabz, que interpretam Luma e Viola. Protagonistas da trama, eles formam triângulos amorosos e brigam sem parar uns pelos outros.
A trilha sonora da abertura, em exibição nos comerciais da Globo, também imprime erotismo à história. É o clássico de Rita Lee, que leva o mesmo nome da novela, mas numa interpretação mais lenta, com instrumentos eletrônicos e reverberações, regravada por Anitta, que canta com o mesmo tesão que atravessa a sua obra.
Carneiro é autor de duas das novelas de maior sucesso das últimas décadas, “A Favorita” e “Avenida Brasil”, que ultrapassou os 50 pontos de audiência com o seu desfecho, há pouco mais de dez anos. É quase o dobro dos 27 pontos registrados na sexta-feira por “Renascer”, que teve a segunda menor audiência da Globo para um final de novela das nove.
Ainda que sua trajetória não seja marcada apenas por sucessos absolutos, como atestam “A Regra do Jogo” e “Segundo Sol”, o nome de Carneiro traz esperança à emissora.
Ele refuta comparações com suas tramas anteriores, mas não nega que existam semelhanças.
Uma delas são os vilões marcantes, na esteira de Flora, interpretada por Patrícia Pillar em “A Favorita”, Carminha, vivida por Adriana Esteves em “Avenida Brasil”, e o trio Débora, Vanessa e Zoé, papéis de Barbara Reis, Letícia Colin e Regina Casé em “Todas as Flores” –sua obra mais recente, exibida primeiro no Globoplay e depois na televisão aberta, no ano passado.
Os vilões de Carneiro não costumam quebrar a tradição do melodrama de intensificar os vícios dos personagens propositalmente para instigar o espectador –uma estratégia criada ainda no século 18, quando o teatro começou a receber as classes populares.
“O vilão tem liberdade. Ele faz tudo o que a gente sempre quis fazer, mas não pôde, por questões éticas e sociais. Ele não segue as regras da moralidade. E sem ele não há conflito. É ele que aguça o espectador”, diz Rodrigo Lombardi, ao esboçar uma reflexão sobre por que os vilões são tão populares.
Lombardi interpreta Molina, um milionário que usa a tecnologia de cibersegurança de sua empresa para espionar as pessoas. Molina é o patrão e o affair de Mércia, a personagem de Adriana Esteves, com quem ele tem um filho, Mavi, interpretado por Chay Suede. Outro vilão, o rapaz constrói um resort, como os de “The White Lotus”, onde boa parte da trama se passa.
Mércia não é uma reprise de Carminha, porque não está à frente da ação, diz Esteves. Mas está na retaguarda de Molina e, portanto, tampouco é uma mocinha, acrescenta.
“Carminha era uma mulher com uma autoestima muito elevada e intempestiva, e Mércia é uma mulher ressentida e mais transparente”, afirma a atriz.
Outro elemento central nas histórias de Carneiro que será revisto em “Mania de Você” é a rivalidade, ainda que ela ganhe outros contornos, já que nem Luma nem Viola são vilãs como Carminha e Flora, mas tampouco são vítimas como Nina e Donatela de “Avenida Brasil” e “A Favorita”. Só que elas vão guerrear por seus namorados, que também se atacam, e pela profissão, visto que ambas são chefes de cozinha.
Mas talvez o maior ponto de encontro entre os sucessos de Carneiro e “Mania de Você” seja sua narrativa. Ele é um autor conhecido por escrever reviravoltas a todo momento e evitar capítulos em que nada importante acontece e a trama principal não avança –uma das críticas constantes que o remake de “Renascer” recebeu, aliás.
A estrutura do primeiro capítulo de “Mania de Você”, não por acaso, lembra muito a de “Avenida Brasil”. Assim como Carminha tenta matar Genésio, o pai de Nina, Mércia e Molina matam Alfredo, papel de Fábio Assunção, logo nas primeiras cenas, a fim de conquistar uma herança milionária.
Spoilers à parte, é um capítulo de mais de uma hora cheio de guinadas que aprisionam o espectador em frente à TV, algo cada vez mais difícil de fazer hoje. Carneiro diz que, para isso, precisa ter um planejamento grande, motivo pelo qual não gosta de mudar o rumo da história conforme a recepção do público e prefere escrever com antecedência –no momento da estreia, ele diz já ter metade da novela pronta.
“Minha teoria é que novela não é uma obra tão aberta como dizem. É uma obra semifechada. Tem autores que gostam de jogar com a surpresa do público, mas eu faço uma aposta no que acredito. É claro que diminuo o que deu errado e invisto mais no que deu certo, mas, se você jogar demais com o público, corre o risco de se perder. Eu nunca mudo o fio condutor.”
Mania de Você
Quando: Estreia nesta segunda-feira (9), às 21h30, na TV Globo
Classificação: 14 anos
Autoria: João Emanuel Carneiro
Elenco: Adriana Esteves, Agatha Moreira, Chay Suede, Gabz, Nicolas Prattes e Rodrigo Lombardi
Direção: Carlos Araújo e Noa Bressane
*PEDRO MARTINS/Folhapress
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