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Educação e Ciência
Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil/Arquivo
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A abertura de faculdades de medicina por meio de liminares judiciais tem avançado em municípios sem estrutura hospitalar adequada para o ensino prático. Especialistas afirmam que critérios do MEC (Ministério da Educação) para autorizar novos cursos são frágeis e ameaçam a qualidade médica.
A pasta federal foi procurada, mas não respondeu aos questionamentos até a publicação da reportagem.
O Brasil vive uma expansão sem precedentes de cursos de medicina e já é o segundo país com mais escolas por habitante, atrás apenas da Índia. Em dez anos, o total de faculdades dobrou, passando de 252 para 505, e 77% das vagas estão hoje na rede privada, segundo o MEC.
O avanço das faculdades levou à interiorização do ensino médico: cerca de 6.500 vagas foram criadas em municípios com menos de 100 mil habitantes, 25% do total aberto desde 2013. Especialistas ouvidos pela reportagem veem com preocupação o ritmo acelerado de abertura e possíveis impactos na qualidade da formação desses profissionais.
“Os critérios de avaliação do MEC estão bem definidos no papel, mas na prática não se concretizam. Cerca de 40% da formação médica depende de atividades práticas, mas muitas escolas foram abertas em lugares sem estrutura para oferecê-las”, diz César Eduardo Fernandes, presidente da AMB (Associação Médica Brasileira).
Raphael Einsfeld, diretor de Medicina do Centro Universitário São Camilo, diz que o Conceito do Curso, indicador usado pelo MEC, não garante a qualidade da formação. “Qualquer faculdade consegue obter boa pontuação no indicador”, diz. “Até hoje nenhum curso de medicina foi fechado ou teve vagas reduzidas após reavaliação do governo.”
Parte da expansão dos cursos de medicina se deve a uma onda de ações judiciais movidas por faculdades e mantenedoras. As instituições buscam driblar os editais da Lei do Mais Médicos, sancionada em 2013, que funcionam como uma espécie de licitação para abrir novos cursos em locais definidos como prioritários pelo Estado.
Desde 2013, ano em que a lei foi sancionada,segundo dados do e-MEC, sistema eletrônico que acompanha processos de regulamentação de faculdades, 52 cursos foram autorizados por decisão judicial. Entretanto, a Folha de S.Paulo mostrou que 77 novos cursos de medicina foram abertos sob judice em menos de dois anos.
Além dos cursos já autorizados, há outros 150 processos com novos pedidos de abertura ainda em análise pelo MEC. Desses, 75 processos que pediam a abertura dos cursos foram indeferidos.
Alguns casos repetem padrões considerados questionáveis. Cursos abertos sob judice foram instalados em cidades pequenas cujo aparato hospitalar é desproporcional ao número de vagas oferecidas, muitas vezes em locais que já contavam com outras escolas médicas conveniadas à rede de saúde.
A reportagem apurou que em Ariquemes (RO), duas faculdades de medicina foram autorizadas por via judicial em 2025. Mesmo em um cenário em que a maioria dos cursos tira nota 5 no Conceito de Curso, uma delas teve nota 3 -a pior nota entre as autorizadas- e recebeu autorização para abrir 109 vagas por ano.
Situação semelhante ocorreu em Teresina (PI), onde um novo curso foi autorizado mesmo com nota 3 no Conceito de Curso. Em Sobral (CE), duas faculdades foram abertas por via judicial em 2024, acrescentando 120 vagas a uma cidade que já contava com duas instituições e 277 vagas -incluindo a da Universidade Federal do Ceará.
No município de Mineiros (GO), com cerca de 70 mil habitantes, duas faculdades de medicina foram instaladas -uma delas aberta via decisão judicial ainda na primeira leva de judicialização, em 2015. Juntas, ofertam 320 vagas.
Segundo o especialista em direito educacional Henrique Silveira, as liminares não afrouxam os requisitos do MEC. Antes da Lei do Mais Médicos, qualquer instituição podia solicitar a abertura de cursos, e as regras já eram as mesmas. “A decisão judicial apenas obriga o MEC a analisar esses pedidos fora do cronograma dos editais -sem mudar as exigências técnicas”, afirma.
Segundo Silveira, a onda de judicialização criou um mercado desequilibrado: poucas instituições conseguiram abrir cursos por liminar, e essas vagas passaram a valer muito mais, atraindo grandes grupos educacionais. Com a escassez de novas autorizações, o preço desses ativos disparou -vagas que antes valiam cerca de R$ 500 mil em operações de fusões e aquisições chegaram a R$ 2,5 milhões.
Apesar do aumento na oferta de cursos nos últimos anos, o que em tese poderia reduzir preços, o valor das mensalidades seguiram trajetória oposta e ficaram mais caras. Segundo levantamento da consultoria Hoper Educação, a média cobrada por instituições privadas passou de R$ 8.000 em 2013 para R$ 11 mil em 2025.
O grupo Afya lidera o mercado de ensino médico no país em 2025, com 32 cursos de medicina e 3.603 vagas anuais autorizadas, o equivalente a 7,4% das vagas nacionais. Na sequência aparecem Yduqs, com 18 cursos e 2.060 vagas. Ânima Educação (15 cursos e 1.892 vagas) e Ser Educacional (8 cursos e 941 vagas). Cruzeiro do Sul, Cogna e Vitru completam a lista de grupos de capital aberto que controlam escolas médicas.
Outros nove grupos privados não listados na Bolsa mantêm 37 cursos, somando 4.885 vagas, cerca de 10% do total ofertado no país. Entre os maiores estão Uninove, Unip e Mandic. No conjunto, 31% das vagas de medicina brasileiras estão sob gestão de grupos privados -abertos ou fechados.
A maior parte das escolas médicas privadas, porém, permanece fora dessa concentração: são 164 instituições isoladas, responsáveis por 19.737 vagas. Considerando apenas o setor privado, 43,5% das vagas já pertencem a grupos, o que indica espaço para novas fusões e aquisições.
*FELIPE BRAMUCCI E BARBARA SCHROEDER/folhapress
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