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Educação e Ciência
Foto: Danilo Verpa Folhapress
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Fabiana Lira, 47, chega para dar aula na Escola Municipal Paroquial Cristo Rei, no Recife, carregando uma mala de rodinhas colorida. Dela, sai uma bagagem que faz brilharem os olhos naturalmente curiosos das crianças: muitos livros de histórias e um boneco representando o personagem de uma delas.
A “mala de sonhos”, como foi batizada pela professora, é um dos recursos que ela utiliza para despertar o interesse da turma do segundo ano do ensino fundamental —um período crucial da escolarização, quando se aprende a ler e a escrever.
Fabiana dá aula há 24 anos e, há 15, é professora alfabetizadora da rede pública. Ela também trabalha com formação docente, ajudando a preparar outros colegas para essa missão.
“Sempre amei a língua portuguesa. Escolhi essa área dentro da educação porque sinto um encantamento pela aprendizagem das crianças que estão descobrindo a leitura. Vejo uma magia em poder proporcionar essa imersão no mundo do letramento”, conta.
Além da “mala dos sonhos”, outros recursos que ela utiliza para incentivar o amor pelas palavras são blocos tipo Lego, músicas e jogos. Pensando na inclusão, ela também ensina o básico de Libras (Língua Brasileira de Sinais) para os estudantes.
“Eu sigo a política de ensino da rede do Recife, mas, dentro dessa política, tento tornar o aprendizado prazeroso com recursos lúdicos. Uso a arte para proporcionar essa ideia de sonho, de imaginação. Meus alunos já sabem que, quando essa mala chega na escola, tem novidades atrativas para eles”, diz.
Fabiana busca tornar as crianças protagonistas da aprendizagem: elas contam histórias para os colegas, escrevem os passos da rotina na lousa e participam de rodas de conversa, escrita coletiva e projetos literários. “Vou criando espaços de escuta e expressão, para elas compreenderem que ler e escrever tem um sentido para a vida delas, que é algo que vai além do que está nos livros”, afirma.
Os conhecimentos que ela adquiriu durante uma pós-graduação em neuropsicopedagogia ajudam a fundamentar essa prática. “Essa pós me ajudou a entender como o cérebro funciona, por que um aluno aprende ou não, qual é a relação com as emoções e os comportamentos. Com isso, posso preparar aulas que chamem a atenção das minhas crianças, para elas chegarem no aprendizado necessário”, conta.
As crianças são estimuladas a expressar o que sentem, mesmo que de forma silenciosa, em um “pote das emoções”. Ensinar a lidar com os sentimentos ajuda a criar um repertório emocional que pode ser transformador, levando em conta que o entorno da escola é uma área com histórico de violência.
“Muitos alunos convivem com essa realidade violenta, e eu trouxe as emoções para a sala de aula para eles entenderem que pode ser diferente, que a gente pode respeitar o próximo, dialogar, ter amabilidade”, diz Fabiana.
Para lidar com um dos grandes desafios do professor alfabetizador –os diferentes ritmos de aprendizado de cada aluno–, ela organiza a sala em diferentes espaços. Assim, crianças no nível pré-silábico recebem um tipo de atividade, enquanto aquelas no silábico-alfabético trabalham com outros exercícios.
Mas Fabiana esbarra em um problema: a falta de assiduidade. “Ser professor na rede pública não é simples. Alguns alunos faltam demais e isso é desgastante, quebra a rotina. Tenho que estar sempre indo e voltando com o meu planejamento para não deixar nenhuma criança para trás. Isso é muito frustrante para mim.”
Apesar das dificuldades, ela diz que continua plantando sementes para ver os frutos no futuro. “Eu sei que eu vou deixar algo ali naquelas vidas. Acredito no ser humano, tenho a convicção de que a educação é um caminho transformador. É isso que me move a continuar.”
ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA
O Brasil vem melhorando no indicador de alfabetização na idade certa: se no início dos anos 2000 apenas 30% das crianças estavam alfabetizadas até o final do 2º ano do ensino fundamental, hoje esse percentual está próximo de 60%.
As desigualdades regionais, porém, são enormes: enquanto o Ceará tem a melhor taxa do país, com 85%, na Bahia só 36% das crianças são alfabetizadas na etapa correta. Pernambuco, onde Fabiana Lira dá aula, ficou na média nacional.
Para Priscila Cruz, presidente executiva do Todos pela Educação, é preciso reconhecer que houve avanços. “A educação se tornou uma política pública nacional apenas no final dos anos 1990. Não vamos chegar nos 100% de alfabetização na idade certa amanhã, mas estamos a caminho dos 100%”, diz.
Ela critica, porém, dois pontos relacionados à formação em pedagogia: a falta de conhecimentos de didáticas específicas e o alto índice de cursos na modalidade EAD (ensino a distância).
“O curso de pedagogia tem sido fortemente afetado pela precarização. O professor alfabetizador é aquele que olha no olho da criança, que faz atendimento em um grupinho enquanto está pendente do outro. Essa vivência de sala de aula é fundamental.”
Cruz destaca, ainda, a necessidade de investir na educação infantil e em políticas públicas para a primeira infância –etapa em que se formam 90% das conexões cerebrais. “A criança não começa a aprender quando entra no primeiro ano, mas muito antes. É importante o acesso a saneamento básico, livros e boas creches desde cedo. Isso vai criando um terreno fértil para a alfabetização.”
Márcia Ferri, gerente de políticas públicas em alfabetização do Instituto Natura, também chama a atenção para a importância de as escolas criarem um “ambiente leitor rico”, com salas de aula que tenham livros de fácil acesso para os estudantes e professores que não leiam as histórias de forma robótica e conversem sobre elas com os alunos. “Essa abordagem multidimensional é fundamental para o desenvolvimento das crianças, especialmente aquelas mais vulneráveis, que não encontram esse ambiente em casa.”
Mas Ferri também aponta fatores externos ao professor, como a baixa valorização da carreira docente, a falta de suporte pedagógico, materiais didáticos de baixa qualidade e uma formação pouco conectada com a prática da sala de aula.
“O professor chega numa turma querendo alfabetizar 100% das crianças. Mas ele sozinho não vai conseguir. Muitos relatam um sentimento de solidão em sala de aula e acabam adoecendo emocionalmente. Precisamos fortalecer a gestão escolar, que é um elemento central para a melhoria dos resultados.”
Ferri cita estudos brasileiros que mostram que crianças alfabetizadas na idade certa têm três vezes mais chances de atingir um nível avançado de aprendizagem no quinto ano. “A alfabetização na idade certa é uma agenda capaz de transformar toda a educação brasileira, porque ela vai destravando os resultados de etapas de ensino subsequentes. E esses resultados têm impacto para a vida toda.”
Quem ensina o Brasil: Fabiana Lira, 47
– Professora há: 24 anos
– Para quantos alunos dá aula: 27 estudantes
– Formação: Pedagogia, com pós-graduação em neuropsicopedagogia
– Disciplinas: professora regente de classe do 2º ano do ensino fundamental
59% das crianças brasileiras estão alfabetizadas na idade certa (ao final do 2º ano do ensino fundamental), segundo o ICA (Índice Criança Alfabetizada) de 2024
Este texto faz parte da série Quem Ensina o Brasil, uma parceria da Folha de S.Paulo com a organização Todos pela Educação.
*FLÁVIA MANTOVANI/folhapress
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