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O avanço das energias renováveis no país vem ajudando a formar uma geração de mulheres pelo Nordeste brasileiro. O setor, que tem presença feminina maior do que a média da indústria global, investe na qualificação de trabalhadoras nas regiões onde os parques são instalados.
A estratégia é parte de políticas de diversidade de relacionamento com comunidades de companhias de energia renovável, que geralmente atuam em regiões de baixo desenvolvimento econômico e pouca qualificação de mão de obra.
Segundo dados da Irena (Associação Internacional de Energias Renováveis), as mulheres representam 32% dos trabalhadores do setor em todo o planeta, dez pontos percentuais a mais do que a média da indústria em geral.
No Brasil, lideranças femininas já são comuns entre empresas de energias renováveis, mas é crescente também o número de mulheres em obras e na operação dos parques. A Auren Energia, por exemplo, tem duas usinas eólicas operadas apenas por trabalhadoras.
São o Complexo Eólico Tucano, na Bahia, com 322 MW (megawatts) de capacidade instalada, e o Complexo Eólico de Cajuína, no Rio Grande do Norte, com 684 MW de capacidade. O primeiro tem dez funcionárias e o segundo, 13.
Elas são responsáveis pela manutenção e operação dos geradores e outros equipamentos do parque. “O setor de energia renovável vive um cenário de franca expansão no país, mas a presença feminina ainda é uma lacuna que reflete os desafios do mercado”, diz o diretor corporativo da empresa, Rômulo Marçal.
A empresa promoveu cursos de qualificação com 28 mulheres na Bahia e 73 no Rio Grande do Norte. Egressa do segmento de distribuição de energia, Solange Mindelo coordenou o processo de montagem das equipes do complexo Tucano.
É a primeira vez que trabalha em um projeto 100% feminino. “Tem uns 15 anos que estou na área e sempre fui uma das poucas mulheres”, conta ela.
Ao chegar em Açu (RN) com o projeto solar Mendubim, a norueguesa Scaltec percebeu que iria impactar uma comunidade formada majoritariamente por mulheres –muitas delas mães solo, cerca de 40% vivendo com um salário mínimo, e 60% com apenas o ensino médio completo.
“Elas falavam da vontade de trabalhar no projeto, mas sempre se colocavam em algum trabalho relacionado à limpeza ou à cozinha”, conta Ledjane Oliveira, chefe da área de relações com comunidades da norueguesa Scatec.
“Essa convenção social me inquietava muito. Primeiro porque não teríamos vaga para tanta mulher num único setor e, depois, porque eu percebia que elas não enxergavam o potencial que tinham nem a possibilidade de atuar em outras funções.”
A companhia, que tem a meta de ter 50% de mulheres em seu quadro global até 2050, abriu um curso de qualificação para 120 moradoras, das quais 50 foram aproveitadas inicialmente durante as obras, iniciando carreira no setor.
Maria Dalvanir da Costa, 39, foi uma delas. Nascida na zona rural, com 11 irmãos, foi mãe cedo e trabalhou em churrascaria, padaria e fez bolos para sustentar as filhas. Fez o curso de qualificação e entrou nas obras como ajudante de montagem de painéis fotovoltaicos.
Ficou quatro meses e depois foi convidada para outra obra, em Janaúba (MG), cidade que hoje recebe o maior volume de investimentos em energia solar no país. Foi a primeira vez que saiu do Rio Grande do Norte. “Foi um sonho, né? Só tinha saído da minha cidade para ir à capital.”
Dalvanir comemora ter uma carreira e diz esperar novos contratos em obras de usinas solares pelo país. “Hoje posso sair com minhas filhas para jantar, para almoçar fora, hoje posso fazer algo a mais”, diz ela.
Sua colega Jéssica Regiane de Medeiros Santiago de Oliveira pintava casas antes do curso de qualificação. Entrou nas obras como montadora, fez uma segunda qualificação e agora trabalha como operadora de trator em serviços de manutenção da usina.
“Aprendi tudo do zero mesmo, e aquilo foi crescendo. Saber o torque do parafuso, saber nivelar um módulo em cima da estrutura, é surreal demais”, conta. “Hoje eu sou uma mulher independente, possuo minha casa própria, comprei meu carro, posso sair no final da semana e dar uma vida melhor à minha mãe.”
Ela não quer parar por aí: concluiu recentemente um curso de eletricista para avançar na carreira. “O meu limite é o céu, eu quero crescer”, afirma.
Ledjane diz que, mesmo com pouco tempo de carreira, a equipe feminina de Mendubim teve desempenho acima da média. “A equipe de entrega de material não dava conta da produção delas. Eu tive a oportunidade de acompanhar elas montando uma linha de painéis muito rápido. E sem retrabalho.”
“Eu acredito que a mulher, ela traz consigo uma coisa da análise, do detalhe, de prestar atenção”, continua. “Não quero criar nenhuma rivalidade, nem rotular nenhum pensamento determinista, mas ela é mais detalhista e mais analítica.”
Solange, da Auren, concorda. “Eu sinto, hoje, na minha equipe, que a gente é reconhecida porque trouxe um elevado padrão de excelência”, diz. “A gente falou desde o início: ‘se isso aqui der muito certo, a gente vai abrir muitas portas, mas se der errado, vai acabar fechando’.”
* NICOLA PAMPLONA (FOLHAPRESS)
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