Economia

Crescimento dos MEIs e ´pejotização´ preocupam economistas

Da Redação*
Publicado em 20 de julho de 2024 às 20:25

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Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil/Arquivo

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A designer Gabriela Farias, 28, pediu demissão do emprego com carteira assinada após suspeitar de depressão. Quando voltou ao mercado, queria mais flexibilidade, mas hoje, como MEI (microempreendedor individual), trabalha das 9h às 18h30 e reclama da falta de benefícios.

Ela é um dos 3,5 milhões de MEIs de 18 a 30 anos registrados em junho de 2024, número que representa 22% dos 15,8 milhões de inscritos na categoria, segundo a Receita Federal. Desde 2019, quando somava 8,5 milhões, o segmento cresceu 86%, usando a mesma base de comparação. Mais de 1,5 milhão de MEIs são criados todo ano desde então.

“Melhorei como profissional e tenho mais funções do que um funcionário júnior deveria ter, mas meu salário não corresponde ao que entrego”, diz a designer.

Como MEI, o profissional recebe o número do CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica) e tem direito a aposentadoria, auxílio-maternidade e afastamento remunerado por doença. Em contrapartida, paga uma taxa mensal, hoje em torno de R$ 70.

Se pela CLT o funcionário responde a um superior, tem horário delimitado e executa tarefas específicas, em contratações de PJ não deveria haver relação de subordinação.

O regime CLT, por outro lado, garante direito a férias, seguro desemprego, pagamento de horas extras, FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), 13º e outros benefícios.

Segundo Olivia Pasqualeto, professora de direito do trabalho da FGV (Fundação Getulio Vargas), muitas empresas contratam funcionários como PJ para fugir de obrigações trabalhistas —prática chamada de pejotização.

“Isso cheira a fraude, mas não é todo trabalhador que vai processar, porque muitas vezes as pessoas ficam marcadas negativamente no mercado, e elas dependem do salário. Não é tão simples assim”, diz.

Solange Gonçalves, professora de economia da USP (Universidade de São Paulo), diz que o trabalhador perde garantias e benefícios quando é contratado como PJ para atuar como empregado.

Com pouca margem de escolha, jovens são mais vulneráveis ao cenário pela menor escolaridade e pela falta de experiência, afirma ela.

Beatriz Guimarães, 23, trabalha em seu primeiro emprego após se formar, em 2023. De Manaus, também é MEI e atua com atendimento a empresas em uma agência, de forma remota. Ela mantém contato diário com os clientes e coordena as reuniões entre eles e a agência.

“Eu vejo [a pejotização] como um movimento para diminuir os custos das empresas. Vale a pena só com salários altos. No fim, é uma forma de pedir as mesmas coisas que um CLT faz, mas sem os direitos”, diz.

Joyce Lima, 28, trocou o CLT pelo MEI há seis anos porque a empresa em que trabalhava passou por uma reestruturação —a pejotização foi um dos efeitos. Hoje, ela é coordenadora de redes sociais em uma agência.

“O ponto positivo é não ter muitos descontos, eu pago uma taxa e pronto. O negativo é que, se eu for mandada embora, fico sem nada. No CLT, tem garantias mínimas”, diz.

A publicitária define sua rotina como corrida. “Sempre trabalho em horário comercial por conta dos clientes, porque tem muitas reuniões e demandas, então é uma falsa flexibilidade.”

Para a doutora em economia pela FGV Bruna Alvarez, as dificuldades de rotina também se intensificam nessa faixa etária. “Um jovem PJ pode trabalhar muitas horas e aos fins de semana sem ser remunerado por isso, por não ter muitas opções.”

Em estudo sobre o tema, Alvarez concluiu que 53% dos MEIs até 2019 eram pejotizados, ou seja, tinham as mesmas obrigações que trabalhadores celetistas.

André Spínola, gerente nacional de estratégia e transformação do Sebrae, questiona o número. Estimativas da entidade mostram que a taxa de pejotização de MEIs é de 5,5%.

“Muitos apontam a pejotização como uma praga no MEI, e não é. São apenas desvios que não deveriam acontecer.”

A designer Julia Faria, 27, virou PJ ao sair de um emprego CLT para trabalhar como ME (microempresa) para uma companhia americana. A mudança decorreu da falta de perspectiva de crescimento como celetista. A principal diferença entre o MEI e a ME é o limite de faturamento anual, de R$ 81 mil para o primeiro e R$ 360 mil para a segunda.

“Prefiro CLT, acho mais seguro, mas além das novas experiências, o salário compensa os benefícios que perdi.”

A empresa em que ela trabalha permite horários flexíveis, desde que se cumpra uma carga de 7 a 8 horas por dia. Julia não tem contrato de exclusividade e fica livre para eventuais freelances.

“Sinto que a ansiedade aumentou, mas eu já fui demitida repentinamente no passado, sei que isso pode acontecer em qualquer lugar. Não me arrependo de ter trocado, foi um passo importante na minha carreira.”

RAIO-X DOS MEIS NO BRASIL
— O microempreendedor individual (MEI) foi criado pela Lei Complementar nº 128 de 2008. O objetivo da lei era inserir trabalhadores informais na formalidade
— O MEI pode ter até R$ 81 mil de faturamento por ano e tem direito a direitos previdenciários (aposentadoria, auxílio doença, entre outros)
— Em 2009, primeiro ano do MEI, 62,9 mil trabalhadores se registraram na figura jurídica (8,4% das empresas abertas), segundo o Mapa de Empresas
— Em 2023, 2,8 milhões MEIs foram registrados (74,6% das empresas criadas no Brasil), também de acordo com o Mapa de Empresas
— Dados da Receita Federal apontam a existência de 15,8 milhões de MEIs no Brasil em junho de 2024. Os jovens de 18 a 30 anos são 22% do total (3,5 milhões).

*ANNE MEIRE RIBEIRO, ARTHUR GUIMARÃES E MATHEUS DOS SANTOS/Folhapress

 

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