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Enquanto a indústria automotiva monta o quebra-cabeça da eletrificação na Europa e nos Estados Unidos, os combustíveis de origem renovável seguem em alta na transição energética à moda brasileira.
A Folha de S.Paulo ouviu especialistas e empresas que atuam no setor para entender quais alternativas têm menor impacto ambiental quando o assunto envolve motores a combustão no país. As melhores soluções ainda não chegaram aos postos.
“Entre os biocombustíveis, podemos dizer que o biometano é o mais eficiente, junto com o E2G [etanol de segunda geração]”, diz Rogério Gonçalves, diretor de combustível da AEA (Associação Brasileira de Engenharia Automotiva).
“Em seguida vem o etanol de primeira geração, seguido do HVO [sigla em inglês para óleo vegetal hidrotratado] e do biodiesel, que são bem parecidos em termos de intensidade de carbono”, afirma Gonçalves.
As contas consideram as emissões de CO2 (dióxido de carbono) da geração à queima do combustível. É a origem que faz a diferença para o E2G, já que ele resulta do reaproveitamento de resíduos gerados na produção do etanol comum e do açúcar. Antes, essas partes eram descartadas.
“Quando comparado ao etanol comum, o E2G apresenta 80% menos de emissões de gases do efeito estufa”, diz Murilo Briganti, COO (diretor de operações) da Bright, consultoria focada no setor automotivo.
O executivo elaborou um gráfico que mostra a pegada de carbono dos carros abastecidos com os principais combustíveis usados no Brasil. O cálculo é pelo método que ficou conhecido como “do poço à roda” (da produção até a queima do combustível).
Enquanto o diesel de origem fóssil tem o pior desempenho nesse critério, o uso de etanol comum nos carros flex apresenta as menores emissões de CO2, principalmente quando associado a algum tipo de eletrificação. Ou seja, o E2G tende a ser ainda mais eficiente, embora Briganti lembre que ainda não é economicamente viável.
“Há necessidade de investimento em pesquisas, com desenvolvimento de rotas tecnológicas que permitam sua produção”, afirma o diretor da Bright.
A Raízen é a empresa que mais avançou no fornecimento do etanol de segunda geração, que produz desde 2015 em Piracicaba (interior de São Paulo). A meta é ter 20 plantas dedicadas ao E2G até a safra 2030/2031, um investimento de R$ 24 bilhões. É o ganho de escala que pode trazer a viabilidade, mas, hoje, o preço é elevado.
“O E2G é um produto premium, com prêmio médio de 70% sobre o valor do etanol comum, mas já registramos variações de 90% entre os etanóis”, diz Mateus Lopes, diretor de transição energética e investimentos da Raízen.
“O foco do produto está em outras aplicações industriais, como na produção de bioplásticos, cosméticos, indústria de bebidas ou biocombustíveis avançados, como o SAF [sigla em inglês para combustível sustentável de aviação].”
Lopes afirma que o etanol de segunda geração permite elevar a produtividade em até 50% sem aumentar o tamanho da área plantada. “O Brasil está em posição de destaque na produção do biocombustível, não existem desvantagens significativas na produção de E2G, apenas ganhos e, claro, oportunidades.”
Mas é preciso separar as emissões de CO2 da emissão de poluentes. As estimativas da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) mostram que, em geral, a queima do combustível derivado da cana-de-açúcar resulta em menos gases tóxicos quando comparada à da gasolina, mas há maior geração de aldeídos.
No site do Ministério do Meio Ambiente, esse composto químico é definido como “resultado da oxidação parcial dos álcoois ou de reações fotoquímicas na atmosfera, envolvendo hidrocarbonetos. São emitidos na queima de combustível em veículos automotores, principalmente nos veículos que utilizam etanol”.
Carlos Lacava, gerente de departamento na área de emissões atmosféricas da Cetesb, diz que as emissões tendem a diminuir com a chegada de carros mais eficientes e a renovação da frota. “Mas é um processo lento, porque a renovação de frota é lenta.”
A chegada dos carros híbridos flex deve acelerar esse processo nos próximos anos. De acordo com estudo da Bright divulgado neste mês, o mercado de veículos leves deve chegar a 3,28 milhões de unidades vendidas por ano até 2030. Os modelos que combinam gasolina, etanol e eletricidade devem representar 48% desse volume, segundo a consultoria. Em seguida virão os carros apenas a combustão (42%) e, depois, os 100% elétricos (10%).
Contudo, a frota circulante ainda será predominantemente formada por automóveis sem qualquer tipo de eletrificação.
De acordo com a projeção da consultoria, haverá 56 milhões de carros leves rodando no Brasil em 2030. Desses, 88,2% serão somente a combustão, 9,8% terão motorização híbrida e 1,9% serão 100% elétricos. Neste cenário, a disponibilidade de combustíveis renováveis mais eficientes será fundamental –principalmente para substituir o diesel de origem fóssil.
“O Biodiesel é biodegradável, diferentemente do diesel fóssil, altamente poluente ao meio ambiente”, diz Murilo Briganti, da Bright. “O balanço de emissões de carbono entre a produção de biodiesel e a sua queima é próximo de zero.”
Segundo o executivo, além de reduzir as emissões de carbono, a queima do combustível renovável não emite grande parte dos poluentes presentes no diesel de origem fóssil.
Em seu site, a ANP (Agência nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) explica que o biodiesel é obtido a partir de um processo químico denominado transesterificação.
“Por meio desse processo, os triglicerídeos presentes nos óleos e na gordura animal reagem com um álcool primário, metanol ou etanol, gerando dois produtos: o éster e a glicerina. O primeiro somente pode ser comercializado como biodiesel, após passar por processos de purificação para adequação à especificação da qualidade”, diz a publicação na página da agência.
Não há, contudo, a venda de biodiesel puro nos postos. Esse composto é adicionado ao diesel de forma obrigatória desde 2008. Na época, o teor era de 2%, com aumento gradativo.
Na semana passada, o projeto de lei sobre biocombustíveis foi aprovado na Câmara dos Deputados. Um dos pontos prevê o crescimento gradual do percentual de biodiesel no combustível –atualmente fixado em 14%.
Há, contudo, questões relacionadas à manutenção dos veículos leves e pesados.
Carlos Lacava, da Cetesb, explica que o biodiesel, em concentrações altas, aumenta a formação de borra no motor e é menos durável que o diesel de origem fóssil. Essa característica exige intervalos menores entre as revisões, com trocas mais frequentes de lubrificante, e desenvolvimento de motorizações adequadas ao biocombustível.
Osvane Cerqueira, gerente comercial da Usiquímica, que produz os lubrificantes da marca Valvoline, diz que as mudanças em busca da redução de emissões são mais desafiadoras do que aparentam. “Toda vez que se ajusta um motor, se acerta de um lado e se desequilibra do outro.”
Menos polêmico que o biodiesel, o biometano ganhou espaço com o lançamento de caminhões movidos a gás natural. A opção de origem renovável é extraída de matéria orgânica –restos de alimentos e excrementos de animais, por exemplo– e oferece as mesmas características do combustível de origem fóssil.
Segundo Rogério Gonçalves, da AEA, o biometano de aterro sanitário certificado pelo Renovabio (programa federal de estímulo aos biocombustíveis) tem IC (intensidade de carbono) menor do que 10 gramas de CO2 por MJ (megajoule), resultado próximo do etanol de segunda geração.
“Mas existe uma crítica em relação às emissões fugitivas de metano que não são corretamente mapeadas, e que a IC deve ser maior do que a que vemos”, diz Gonçalves.
Embora sejam cerca de 50% mais caros que os caminhões a diesel, os modelos da Scania que podem rodar com biometano têm sido procurados por grandes empresas que desejam descarbonizar suas frotas.
Distribuidores de combustíveis vêm anunciando investimentos no gás renovável. Em 2022, a Vibra Energia deu início a um plano de R$ 412 bilhões para gerar 2 milhões de m³/dia de biometano em até cinco anos.
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