Economia

Do recorde à crise: como o ‘atropelo’ do governo derrubou ações da Petrobras

Da Redação*
Publicado em 17 de março de 2024 às 9:43

Petrobras

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

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A confusão política que provocou perdas bilionárias nas ações da Petrobras começou antes da divulgação do balanço da estatal, que veio acompanhada do anúncio da decisão de reter dividendos extraordinários sobre o lucro de 2023.

Os ministros de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e da Casa Civil, Rui Costa, segundo a Folha apurou, procuraram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para defender a retenção dos dividendos extraordinários, argumentando que a empresa precisa ter dinheiro em caixa para investir mais.

A iniciativa dos ministros, que contrariava a estratégia da companhia, considerava parecer interno apontando que a eventual distribuição dos dividendos poderia ter impacto nos indicadores de endividamento na companhia, prejudicando investimentos futuros.

Esse era, porém, apenas um dos cenários traçados.

Com base em outro cenário, a direção da Petrobras propôs distribuir metade dos R$ 43 bilhões de lucro excedente do ano. O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, já havia sinalizado ao mercado que distribuiria algum valor.

Em entrevista para detalhar os indicadores do balanço de 2023, ele voltou a falar que havia proposto uma decisão salomônica. Porém, a proposta da empresa foi vencida na reunião do conselho com voto favorável à retenção por cinco dos seis indicados da União no colegiado, seguindo orientação dos ministros.

A divergência entre os votos de Prates e dos indicados pelo governo ajudou a minar o processo de comunicação da Petrobras com os investidores. Declarações posteriores de Lula, criticando o mercado e defendendo mais investimentos, pioraram a percepção de conflito.

Em fevereiro, Prates fora duas vezes às redes sociais comemorar recordes no valor das ações da estatal. Um sinal, segundo ele, de que investidores de longo prazo se sentiam seguros para apostar nos papéis.

“Sextou sem recorde? Não, não é déjà-vu”, brincou no dia 16 de março, ao celebrar o segundo recorde do mês, quando as ações ordinárias (com direito a voto) superaram a barreira de R$ 44,20. Dias antes, ele destacara que o valor de mercado da empresa dobrou desde o início do governo.

O sentimento de euforia começou a arrefecer no fim do mês, depois que Prates disse à Bloomberg que o investidor poderia esperar “cautela” com dividendos. Recado recebido, no dia da divulgação do balanço a maioria dos analistas não cravava o valor que viria, mas esperava alguma quantia.

A completa retenção dos dividendos extraordinários associada à falta de detalhes sobre a decisão deu início a uma série de situações questionadas por especialistas.

Primeiro, Lula reclamou da “choradeira” de investidores; depois, Silveira e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, falaram em nome da estatal. Haddad também foi pego de surpresa e entrou na discussão para apagar o incêndio.

Nos bastidores do governo, a avaliação nos dias que seguiram à derrocada das ações teve duas dimensões.

Primeiro, o presidente da República havia sido induzido a erro com a proposta dos ministros, já que a Lei das Sociedades Anônimas não permite a destinação de dividendos extraordinários para investimentos.

Segundo, houve quem viu na manobra de Costa e Silveira mais uma tentativa de fragilizar Prates à frente da petroleira –e tanto foi assim que a boataria sobre a queda do presidente da estatal correu solta na sequência da divulgação do balanço.

O pano de fundo desse bate cabeça na cúpula do governo azeda o ambiente empresarial como há muito não se via.

As investidas do governo Lula não se limitam à estatal Petrobras. Também se estende às privatizadas Eletrobras e Vale, com impactos sobre seus acionistas. Esta última também esteve na mira nas últimas semanas, em confusão sobre troca no comando.

Instalou-se entre os investidores um desconforto, com alertas sobre como a gestão da estatal e das demais companhias cobiçadas pelo governo pode ser afetada por decisões da União.

Levantamento feito pelo consultor Einar Rivero mostra que Petrobras e Vale, as empresas mais líquidas da B3, perderam R$ 85,5 bilhões em valor de mercado entre os dias 7 e 15 de março, levando o valor consolidado da Bolsa a desempenho negativo no período.

A Petrobras, sozinha, perdeu R$ 56,5 bilhões em valor de mercado, movimento que prejudicou não só grandes investidores mas cerca de 850 mil pessoas físicas que possuem ações da estatal.

“Foi um atropelo”, diz o especialista em direito societário Maurício Moreira Menezes, sócio do escritório Moreira Menezes Martins Advogados.

“Não só do rito previsto na lei para apresentação de propostas da administração da empresa e da aprovação dessas propostas em assembleia mas também um prejuízo reputacional poucos anos depois da Lava Jato.”

A maneira como ministros do governo tomaram para si a missão de falar sobre decisões estratégicas da empresa foi questionada também pela Amec (Associação dos Investidores no Mercado de Capitais), que cobrou ação da CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

“Nós estamos em um momento bastante sensível da companhia, no qual o noticiário mostra um grave ruído na comunicação entre a empresa e seus acionistas privados, e entre a empresa e o próprio acionista controlador”, escreveu, em nota, o presidente da entidade, Fábio Coelho.

“O controlador, de fato, tem o poder de orientar as decisões da empresa”, diz Menezes. “Mas isso tem de ser feito em base técnica e seguindo rito institucional. Não pode o presidente da República simplesmente dizer para companhia o que fazer.”

A forma de divulgação do tema desconsiderou ainda alertas internos sobre a “potencial queda expressiva das ações” e possíveis rebaixamentos da avaliação da empresa por bancos de investimento.

Em apresentação ao conselho, a área técnica recomendou “explicação detalhada” da decisão, com foco em esclarecer que a retenção elevaria a possibilidade de dividendos em cenários mais desafiadores e poderia ser revista dependendo do cenário ao longo de 2024.

Em nota, a Petrobras afirmou que a decisão sobre os dividendos extraordinários “seguiu a governança prevista”. “A matéria é de competência do conselho de administração da companhia, que apreciou e decidiu, na quinta-feira (7), sobre a proposição.”

“A companhia também ressalta que age com transparência e em compromisso com a sociedade e com os investidores”, disse.

Procurados, o MME e a Casa Civil não se manifestaram até publicação deste texto.

* NICOLA PAMPLONA E ALEXA SALOMÃO (RIO DE JANEIRO, RJ, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

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