Economia

Quatro anos depois, lembranças da Covid-19 ainda ecoam em pequenos negócios

Da Redação*
Publicado em 10 de março de 2024 às 10:10

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Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil/Arquivo

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Com 12 anos de Sebrae, Ariadne Mecate estava acostumada a dar consultoria sobre marketing para pequenas empresas. Tudo isso mudou em 11 de março de 2020.

“Nosso trabalho passou a ser também de acolhimento. Os empreendedores não vinham falar sobre marketing apenas. A gente os deixava desabafar. Foi surreal”, diz ela.

Naquela data, a OMS (Organização Mundial de Saúde) decretou estado de pandemia por causa da Covid-19.

“Ficamos paralisados, sem saber o que fazer por vários dias. Eu chorei por uma semana. Achei que era o fim do sonho”, afirma Andrea Porcaro. Ao lado do marido, Paulo Porcaro, ela havia aberto uma pequena casa de brigadeiros na Vila Guilherme, na zona norte de São Paulo, três meses antes.

Sem capital de giro ou saber como buscar dinheiro, eles realmente pareciam fadados a fechar. Mas, diferentemente do que se esperava, a Brigadeia Bistrô se tornou um dos casos de sucesso na pandemia divulgados pelo Sebrae. Um exemplo de pequeno negócio que não apenas sobreviveu mas cresceu durante a crise sanitária.

“A gente ficou sem chão. Não éramos um comércio de rua. Como iríamos sobreviver?”, perguntou-se Ana Beatriz de Souza, uma das responsáveis por administrar a Cantina do Ton, lanchonete que atendia a alunos de uma escola no Paraíso, zona sul de São Paulo.

Quatro anos depois, o empreendimento está em sete escolas. Eles planejam expandir a marca.

Nos primeiros quatro meses de pandemia, entre março e junho de 2020, 716.372 empresas fecharam as portas no país. Quase a totalidade (99,8%) delas, de pequeno porte. A pesquisa, feita pelo Sebrae em associação com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) considera que o estoque perdido por médias e pequenas companhias pode ter chegado a R$ 24,1 bilhões.

“Os pequenos tiveram de aprender a se digitalizar muito rapidamente. Não era só a questão do dinheiro. Era também o medo de explicar o fracasso à família. Quem teve sucesso nesse período foi porque mudou a mentalidade.

Teve muita gente que não conseguiu e fechou por não ver como reagir”, diz Ariadne.

Ela acumula histórias de quem se reinventou na mesma proporção em que tem na memória quem fracassou. É um lugar-comum no mundo corporativo, mas cita quem conseguiu ver um mercado na crise.

O empresário que alugava máquinas de café para escritórios que fecharam em março de 2020, por exemplo. Ele percebeu existirem pessoas que, enfurnadas dentro de casa, queriam consumir uma bebida de melhor qualidade. Começou a alugar suas máquinas para residências.

“Há quem vendia roupa, passou para os cosméticos online e deu muito certo”, ressalta a consultora do Sebrae.

Andrea e Paulo não tinham como dar tal guinada. Pouco tempo antes, eles vendiam os brigadeiros em um tabuleiro de madeira ao lado de banca de jornal na zona norte. Um parente havia criado a marca da loja e o nome Brigadeia antes deles se transferirem para a pequena loja. Espaço em que, depois de colocado o balcão de atendimento, apenas dois clientes poderiam entrar de cada vez.

Haviam feito gastos para comprar material, e Andrea brinca dizendo que tudo o que tinham “era um cartão de crédito”.

Seria um desafio para quem era empreendedor de primeira viagem. Ela havia trabalhado por 17 anos no ramo ótico em shoppings e não sabia cozinhar. O marido Paulo, chef de cozinha, a havia ensinado a fazer a base do brigadeiro. A partir daí, ela voou sozinha.

Quando as lágrimas secaram depois de uma semana, o casal fez cadastro em aplicativos de entrega de comida e contratou um motoboy. Contou com a propaganda boca a boca e os pedidos, em comunidades em redes sociais, para que os moradores da região comprassem dos comércios locais. Eles perceberam que, na incerteza do lockdown, as pessoas queriam comer chocolate.

“O doce dá uma sensação de bem-estar imediato”, diz Paulo.

“Teve dias em que vendemos 800 brigadeiros. O motoboy não parava. Um cliente que costumava comprar todo dia dois bolos pequenos de cenoura com chocolate pediu 20 de uma vez. Eu perguntei quantas pessoas estavam na casa dele e respondeu: Só eu e a minha mulher”, lembra Andrea.

E, quanto mais apareciam notícias ruins sobre as perspectivas sobre a Covid-19, mais eles vendiam.

A primeira providência que Ana Beatriz, a irmã Isadora e os pais Antonio e Marcia fizeram, assim que a pandemia tornou-se oficial, foi vender o estoque de congelados. Mas e a partir daí? O que fazer?

“Fomos para o marketing”, admite Ana Beatriz. “Oferecemos para amigos, parentes, pais de alunos que tínhamos contato. O boca a boca foi fundamental.”

A família notou que havia o potencial para a estratégia dar certo quando chegou a Páscoa. Fizeram marketing de almoços especiais para a data. Venderam quase 20. Aquilo nunca havia acontecido antes. No Dia das Mães, cresceram muito mais.

Resolveram apostar tudo. Criaram o projeto Ateliê Gastronômico Família Amagi na cozinha industrial da casa em que viviam, para entregar refeições a domicílio. A fama se espalhou e resolveram se especializar.

Ana Beatriz foi estudar confeitaria; a mãe, massas; a irmã fez curso de fotografia de alimentos para postar nas redes sociais; o pai foi entender formas de buscar financiamento para o negócio.

Quando a vida começou a voltar ao normal e a escola em que trabalhavam reabriu, descobriram que havia sido vendida para um grupo do Rio de Janeiro. Os novos donos os convidaram a colocar uma cantina em cada uma das sete unidades no estado de São Paulo.

A Brigadeia, com o sucesso acumulado durante a pandemia, se mudou para uma casa maior, ainda na Vila Guilherme, onde serve também almoços autorais de Paulo Porcaro. Ele prefere chamar sua cozinha de “afetiva”.

“No final de tudo, acho que a pandemia foi um aprendizado muito grande. Sobreviveu o legado de saber se adaptar e estar aberto às novas tecnologias”, diz Ariadne Mecate.

* ALEX SABINO (SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

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