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O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai propor na regulamentação da reforma tributária até quatro tipos diferentes de cashback, como é chamada a devolução de parte dos tributos pagos por famílias de baixa renda.
Para dois deles (energia elétrica e gás de cozinha), o texto da emenda constitucional já obriga o uso do instrumento.
Nas negociações para a votação final da reforma na Câmara, em dezembro passado, o Executivo também se comprometeu a implementar o cashback para beneficiar as famílias consumidoras de serviços de saneamento (água e esgoto).
A promessa foi uma espécie de compensação pela retirada, na última hora, do saneamento da lista de setores que terão um regime específico de tributação no novo sistema.
O texto aprovado coloca o setor no regime normal de cobrança dos dois novos tributos que serão criados, a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) federal e o IBS (Impostos sobre Bens e Serviços), de estados e municípios. Sem o cashback, haveria risco de ampliar a carga tributária sobre os consumidores de menor renda.
O Ministério da Fazenda ainda discute a adoção do cashback para os produtos da cesta básica. Sua viabilidade vai depender da quantidade de itens a terem a alíquota dos novos tributos zerada -quanto mais extensa essa lista, menos espaço para devolver valores às famílias.
A lista de produtos contidos na chamada Cesta Básica Nacional, prevista pela reforma, será definida durante a regulamentação -o que deve se transformar num dos embates mais acirrados nas negociações entre governo e Congresso. Quanto maior o número de itens, maior será a renúncia potencial do governo.
“Dependendo de como ficará a cesta básica, pode ser que tenha uma parte com cashback, mas está em discussão”, afirmou o secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy à Folha.
“Vamos ser bem claros: quanto mais amplo for o escopo dos produtos da cesta básica que tiverem alíquota zero, menor é a possibilidade de ter cashback”, disse.
Mais de cem pessoas vão trabalhar na elaboração dos projetos de regulamentação da reforma, que até agora devem ser três.
Um programa de assessoramento técnico à implementação da reforma foi criado no início deste mês, com 19 grupos técnicos temáticos e outro de análise jurídica.
Uma comissão de sistematização, coordenada por Appy, vai sintetizar as propostas e definir o escopo geral das propostas a serem apresentadas ao ministro Fernando Haddad (Fazenda) e enviadas ao Congresso.
O pontapé para o início dos trabalhos será dado na próxima semana, com a instalação da comissão. A partir daí, a portaria do Ministério da Fazenda prevê um prazo de 60 dias para a conclusão dos trabalhos -ou seja, o governo deve ter um primeiro esqueleto dos projetos no fim de março.
Pela emenda constitucional promulgada pelo Congresso em 21 de dezembro, o governo tem até 180 dias para enviar os projetos de regulamentação. Mas a Fazenda pretende antecipar esse prazo para que o calendário das eleições municipais não prejudique a tramitação dos projetos na Câmara e no Senado.
“Exatamente por causa da janela mais curta das eleições é que está sendo feito um esforço muito grande para enviar para o Congresso os projetos num prazo bem menor do que os 180 dias previstos”, disse Appy.
Segundo ele, a preocupação é muito mais com o fato de que os congressistas retornam às suas bases no período da eleição, deixando o Congresso esvaziado no segundo semestre, do que eventual contaminação política de um debate tido como eminentemente técnico.
Além da regulamentação da reforma dos tributos sobre o consumo, o governo terá de enviar a proposta de reforma da tributação sobre a renda e sobre a folha de salários até o fim de março, quando expira o prazo de 90 dias previsto na emenda constitucional.
Técnicos do governo estarão envolvidos nas duas tarefas, mas a prioridade é agilizar a regulamentação.
A comissão de sistematização e os grupos técnicos poderão chamar órgãos e entidades da sociedade civil para participar das discussões. Cada grupo terá autonomia para decidir quem será convidado.
Um dos grupos técnicos trata justamente da cesta básica e da devolução de parte do IBS e da CBS a pessoas físicas.
O cashback na conta de luz e no gás de cozinha são obrigatórios -o primeiro pode ser feito, inclusive, de maneira automática via abatimento na conta de luz. Já a devolução do tributo incidente sobre os serviços de saneamento foi um compromisso do governo, podendo ocorrer também direto na fatura.
Para Appy, o Brasil tem estrutura para administrar todos esses cashbacks ao mesmo tempo, pois já tem sistemas que permitem identificar o comprador do bem ou serviço, além de ter uma ampla base de dados para mapear as famílias de baixa renda que serão o foco da iniciativa.
O público-alvo que será efetivamente beneficiado com os cashbacks, porém, ainda não foi definido e também será alvo de discussões no grupo técnico.
Uma das possibilidades é unificar os cashbacks e o seu pagamento com base no nível de consumo da população de baixa renda.
“Se não tivesse uma série de regimes de alíquotas reduzidas, a gente poderia discutir, por exemplo, um sistema de cashback universal para todo mundo, com um limite”, explicou o secretário.
O economista Rodrigo Orair, que integra a equipe de Appy no Ministério da Fazenda, vai coordenar o grupo responsável pela proposta de regulamentação da cesta básica e do cashback.
Durante a tramitação da reforma, Orair trabalhou também no grupo que fez os cálculos da alíquota do IBS e da CBS.
As últimas estimativas divulgadas pela pasta apontavam uma cobrança de até 27,5% sobre bens e serviços, mas isso foi antes da votação final na Câmara -que eliminou uma série de exceções inseridas anteriormente pelo Senado. Na época, o próprio governo indicou esperar uma redução da alíquota a partir da decisão dos deputados.
Appy afirmou que o governo já concluiu os novos cálculos da cobrança com base no texto da emenda promulgada, mas não há data prevista para divulgação.
A REGULAMENTAÇÃO DA REFORMA
Projeto 1 – Regulamentação de CBS e IBS
Regras gerais dos novos tributos
Delimitação das alíquotas reduzidas
Produtos incluídos na cesta básica, com alíquota zero
Regras para os regimes específicos
Regras para o cashback
Regras de transição para a sociedade (migração dos atuais tributos para os novos)
Regras da transição federativa (afeta estados e municípios)
Regulamentação do fundo de compensação dos benefícios fiscais (até 2032) e demais fundos previstos na emenda constitucional
Projeto 2 – Comitê gestor do IBS
Criação e regulamentação das regras de funcionamento do comitê gestor do IBS, a ser formado por representantes de estados e municípios
A criação do comitê gestor pode integrar o projeto 1, mas o governo tem interesse em separá-lo, caso haja sinalização do Congresso de que é viável uma tramitação mais rápida deste tópico. Isso porque haverá ainda todo um processo de instalação do comitê e eleição de seus membros até que ele esteja totalmente operacional
Projeto 3 – Imposto Seletivo
Regras gerais do novo tributo, que poderá aplicado sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente
Ainda em definição
Processo administrativo fiscal dos novos tributos: há discussões em curso com a AGU (Advocacia-Geral da União), e governo ainda vai decidir se trata desse tema no projeto 1 ou se propõe algo à parte
O MECANISMO DO CASHBACK
Governo prevê até quatro situações em que os contribuintes receberão de volta uma parte do tributo pago:
– Conta de luz (devolução na própria fatura de energia elétrica)
– Gás de cozinha
– Conta de água e serviço de coleta de esgoto (devolução na própria fatura do saneamento)
– Cesta básica (a depender do tamanho da lista de produtos com alíquota zero)
*ADRIANA FERNANDES E IDIANA TOMAZELLI/Folhapress
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