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Foto: SBT/Divulgação
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Se Silvio Santos consolidou o SBT com a máxima de brincar de fazer TV, agora, mais de um ano após sua morte, em agosto do ano passado, seus herdeiros parecem incorporar o mesmo espírito. Nas mãos da terceira filha do apresentador, Daniela Abravanel Beyruti, o canal segue apostando em um vaivém constante na grade, ora mirando o passado, ora o futuro, reforçando um aspecto que já era marca registrada de Silvio.
O caso mais recente foi nesta semana, quando o SBT cancelou um show especial de Natal de Zezé di Camargo, da dupla com Luciano, para pôr “Chaves” no ar. Isso ocorreu após o sertanejo ter polemizado o SBT News e criticado o convite da família Abravanel a líderes de esquerda como Lula para o lançamento de seu novo canal de notícias por TV a cabo e YouTube.
Beyruti se defende dizendo que, após um período tentando imitar a concorrência, o SBT precisa voltar às raízes. Decidiu matar a saudade dos fãs da Banheira do Gugu com uma volta pontual do quadro no programa do Ratinho em julho. Emblemática nos anos 1990, a atração é uma das que melhor traduzem a tônica desgovernada do canal, com gente ensaboada e seminua se esfregando.
“Tenho estudado sucessos do passado e filtrado aquilo que está obsoleto e o que pode voltar ao ar de forma atualizada”, afirma Beyruti por email.
Também foi ressuscitado o Casos de Família, que havia sido cancelado em 2023 após 14 anos de exibição, deixando o público órfão de fofocas absurdas de pessoas comuns, dispostas a exporem suas intimidades. Isso aconteceu no meio do ano, e o programa continua no ar, de segunda a sexta-feira.
Beyruti ainda trouxe de volta o policialesco Aqui Agora, também famoso nos anos 1990 e responsável por lançar nomes como César Tralli, hoje âncora do Jornal Nacional. Mas a audiência não respondeu, e agora a emissora estuda cancelar o programa de novo.
Da mesma forma, Datena durou pouco. Comandou o Tá na Hora de dezembro do ano passado a maio deste ano. “Os rumos da emissora não estavam batendo com aquilo que eu pensava em continuar a fazer nos meus programas”, disse ele, à época, antes de migrar para a RedeTV! e, no início deste mês, aceitar um convite de Lula para ter programas na TV Brasil e Rádio Nacional.
Não deu certo também a volta do Bom Dia & Cia, programa infantil que havia sumido em 2022, sob a batuta dos palhaços Patati e Patatá. Beyruti diz que o canal pisou na bola ao largar as crianças, justamente uma das prioridades de Silvio no passado.
O Bom Dia & Cia foi limado nesta semana, após seis meses no ar. Nos bastidores, o cancelamento é atribuído à falta de audiência e faturamento, uma dificuldade crônica de programas voltados às crianças.
A frente das novelas infantis, outro ativo pelo qual o SBT foi conhecido, também sofreu cortes no time de dramaturgia neste ano, mas deve ter investimentos em 2026, em parcerias com casas como a Disney.
Mais empolgantes foram os retornos dos quadros Porta da Esperança e Topa Tudo por Dinheiro, clássicos agora liderados por Patricia Abravanel, a quarta filha de Silvio e também a mais conhecida do público. Ela tomou o comando do Programa Silvio Santos há quase três anos, desde quando o apresentador se afastou para cuidar da saúde.
“Minha irmã está se tornando o Silvio Santos de saia”, diz Silvia Abravanel, a segunda filha, hoje à frente do Sábado Animado, atração infantil exibido aos sábados. “E Daniela está sendo meu pai fora da televisão. Ela foi escolhida por nós para ser a presidente do SBT, e Deus colocou na cabeça dela as minhas preces de trazer o que era bom no passado de forma repaginada.”
Beyruti foi alçada ao cargo de vice-presidente do canal em abril de 2023 e, em novembro do ano seguinte, assumiu a presidência da casa. Mais discreta do que as irmãs, foi treinada pelo pai para trabalhar nos bastidores, tendo estudado comunicação nos Estados Unidos. As herdeiras incluem ainda Rebeca —à frente do Roda a Roda—, Cintia e Renata Abravanel, também com cargos no SBT.
Elas costumam trocar elogios, mas não escondem discordâncias. Silvia, por exemplo, afirmou ser contra o aumento de programas de caráter evangélico na programação sob o argumento de que Silvio era judeu. Espírita, ela foi adotada pelo apresentador durante seu primeiro casamento, com Maria Aparecida Vieira Abravanel, mãe de Cintia; as outras filhas são fruto do relacionamento com Íris Abravanel, que se converteu ao cristianismo em 1998.
Silvia fez a sua crítica enquanto o “Bom Dia Esperança”, antes um programa, foi rebaixado a um quadro exibido no jornal Primeiro Impacto, com mensagens de fé pregadas por Deive Leonardo, influenciador evangélico com 16 milhões de seguidores no Instagram.
Esse casamento entre TV e internet, aliás, é parte de uma outra estratégia de Beyruti: ela quer deixar o SBT mais moderno. Por isso, deu um programa para a influenciadora Virginia Fonseca, aquela envolvida na CPI das Bets e que, antes disso, era inexperiente com televisão.
Diferentemente do fracasso da atração religiosa, o Sabadou com Virginia já está há um ano e meio no ar e deu certo. Segundo dados do Kantar Ibope divulgados pelo SBT, a atração já foi vista por 78 milhões de pessoas no Brasil.
Agradou também o fato de Virginia atrair o faro de patrocinadores e de seu rosto ajudar a turbinar as redes sociais do SBT, que vem aumentando sua presença online. De olho na repercussão positiva, Beyruti contratou também o influenciador Lucas Guimarães, que em março lançou o programa Eita Lucas!. Ele já renovou o contrato até o fim de 2026.
Mas nem todo mundo no SBT vê isso com bons olhos. O apresentador Carlos Alberto de Nóbrega, amigo próximo de Silvio e líder do A Praça é Nossa, um dos programas mais duradouros do canal, afirmou que, para ele, o certo é “cada macaco no seu lugar”.
“A televisão está precisando de caras novas, mas uma coisa é você estar na sua casa, dançando, brincando, dizendo ‘eu uso esse produto’. Outra coisa é segurar duas horas de programa. Daniela quer a juventude, os influenciadores, e está pagando caro, porque a audiência cai”, disse ele, um dos poucos veteranos ainda no canal.
Raul Gil se despediu do SBT no ano passado, meses após Eliana, outra prata da casa, ter sido contratada pela Globo.
Beyruti diz estar ciente de que é bom ser cautelosa e que os influenciadores precisam esquecer a linguagem que usam na internet quando vão à TV. Ela menciona o Luccas Toon, atração infantil de Luccas Neto, youtuber com mais de 50 milhões de seguidores, que falhou ao tentar reproduzir no SBT os esquetes que publica no YouTube. O programa continua no ar, mas foi posto de castigo na faixa das 6h, horário pouco convidativo para a criançada.
Mas Carlos Alberto reconheceu que havia esforço por parte da nova chefe. “Daniela está tentando. Tinha que dar uma sacudida.”
Nem tudo são raízes, então a emissora não fechou os olhos para a grama do vizinho, em particular, da Globo. Foi o caso do contrato com Boninho, ex-diretor da emissora carioca que capitaneou a importação do The Voice Brasil.
O SBT entrou como parceiro da Disney na TV aberta para sediar a atração apresentada por Tiago Leifert que ficou por mais de uma década na Globo. Ela voltou em outubro deste ano, simultaneamente na emissora e no streaming Disney+, e tem se saído bem de audiência nas duas casas, ajudando o canal a disputar a vice-liderança no Ibope com a Record, hoje com o reality A Fazenda. Estima-se que o lucro da aposta deve ajudar a equilibrar as receitas, após a emissora ter registrado uma queda de 5%, com R$ 1,14 bilhão, em 2023.
Em paralelo, há negociações para que Ana Furtado, mulher de Boninho, apresente um revival de Fábrica de Casamentos, reality fora do ar desde 2020, então comandado por Chris Flores.
Beyruti parece especialmente interessada em levar tecnologia à TV e tem feito uso recorrente de inteligência artificial. Mais de uma vez ela recriou a imagem e a voz de Silvio Santos com hologramas realistas, num gesto que mostra também uma certa dificuldade de seguir em frente sem o fundador.
O caso mais recente foi na semana passada, no evento de lançamento do SBT News, empreitada capitaneada por Fábio Faria, casado com Patrícia e ex-ministro de Comunicações do governo Jair Bolsonaro. A festa, que reuniu ainda o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, foi o que incomodou Zezé di Camargo, bolsonarista, que acusou as filhas de Silvio Santos de “prostituir” o SBT. Os convites às autoridades, porém, foram bem alinhados com uma conduta que Silvio adotava desde os tempos da ditadura: bajular quem está no poder.
Em paralelo, o diretor de programação do SBT, Mauro Lissoni, voltou à empresa no ano passado após duas décadas fora, e quer diminuir a programação jornalística no sinal de TV aberta. Ele havia ocupado o cargo entre os anos 1980 e 2000.
“Cheguei e encontrei a grade começando com jornalismo às 2h da manhã e acabando só às 14h. Essa nunca foi a essência do SBT”, afirmou à reportagem no Troféu Imprensa, em junho —outro programa que voltou nesta gestão, após três anos de hiato.
*GUILHERME LUIS/Folhapress
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