Fechar
O que você procura?
Brasil
Foto: Controladoria-Geral da União
Continua depois da publicidade
Continue lendo
A Polícia Federal e a CGU (Controladoria-Geral da União) realizam nesta quarta-feira (17) uma operação contra uma organização criminosa que seria responsável por crimes ambientais, corrupção e lavagem de dinheiro em Minas Gerais. Entre os presos está um dos diretores da ANM (Agência Nacional de Mineração) Caio Mário Trivellato Seabra Filho.
Além dele, também foi preso um ex-diretor da própria Polícia Federal que atuou na cúpula da corporação no governo Lula (PT).
O grupo teria obtido lucro de R$ 1,5 bilhão, além de ter projetos em andamento com potencial econômico superior a R$ 18 bilhões. A Operação Rejeito tem o apoio do Ministério Público Federal e da Receita Federal.
Segundo informações da Polícia Federal, são cumpridos 79 mandados de busca e apreensão, 22 de prisão preventiva e afastamento de servidores públicos, além do bloqueio de R$ 1,5 milhão e suspensão de atividades de pessoas jurídicas envolvidas nos crimes.
O grupo investigado teria corrompido servidores públicos em diversos órgãos estaduais e federais de fiscalização e controle na área ambiental e de mineração. O objetivo seria o de conseguir autorizações e licenças ambientais fraudulentas.
Fazem parte da lista servidores de órgãos como Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), ANM, Feam (Fundação Estadual do Meio Ambiente de Minas Gerais) e Semad (Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais).
As autorizações eram usadas para explorar irregularmente minério de ferro em larga escala, incluindo locais tombados e próximos a áreas de preservação ambiental.
A prática, segundo a força-tarefa, tem consequências ambientais graves e causa risco de desastres.
Uma das obras apontadas em andamento pela organização está localizada na Serra do Curral, cartão-postal de Belo Horizonte.
Como a Folha de S.Paulo mostrou, a Polícia Federal investigava a concessão e manutenção de autorizações do Governo de Minas Gerais, comandado por Romeu Zema (Novo), a duas mineradoras para operarem na Serra do Curral, um dos cartões-postais da região metropolitana de Belo Horizonte.
A face norte da serra, que fica na capital mineira, já passou por tombamento municipal. Na região está, por exemplo, o parque das Mangabeiras, um dos maiores do município.
Minas, estado forjado na mineração, possui território cercado por polêmicas envolvendo o setor e órgão ambientais. A atividade é a principal força econômica do estado, sendo responsável por cerca de um quarto do PIB (Produto Interno Bruto), e, ao mesmo tempo, alvo de operações contantes do poder público.
EMPRESAS E PROJETOS
Laudo da PF aponta que as permissões obtidas pelas mineradoras Gute Sicht e Fleurs Global para as operações deveriam ter seguido critérios mais rigorosos que os exigidos pelo governo para as empresas.
O grupo atuava com base em licenciamento corretivo e Termos de Ajustamento de Conduta obtidos, segundo a Polícia Federal, de forma fraudulenta.
Havia também o Projeto Rancho do Boi, em Minas Gerais, que previa a extração de ao menos 550 mil toneladas de minério em área de grande valor ambiental e econômico.
Para viabilizar o projeto, o grupo dividiu a operação em dois processos minerários diferentes, para dar aparência de legalidade e acelerar a aprovação junto à ANM.
Embora eles constassem como projetos separados, perícias da PF mostraram que se tratava de um único empreendimento minerário, com planos de aproveitamento econômico e fechamento de mina praticamente idênticos.
Segundo a Polícia Federal, a organização criminosa teria atuado ainda para dificultar as investigações e o monitorando feito por autoridades. Além disso, teria usado vários artifícios para lavar o dinheiro.
Um dos projetos que expôs a cooptação de membros da diretoria da ANM foi o projeto da empresa Aiga Mineração, controlada pela organização criminosa.
A organização estruturou uma rede de ao menos 42 empresas de fachada para lavar dinheiro e blindar o patrimônio de seus líderes.
A empresa Aiga adquiriu direitos de subsolo sob uma pilha de rejeitos de minério de ferro depositada pela empresa Vale, avaliada em mais de R$ 200 milhões. À época, uma resolução da agência garantia à Vale a propriedade sobre esses rejeitos, o que inviabilizaria o negócio da empresa.
Foi nesse ponto que, segundo as investigações, o ex-diretor Caio Seabra entrou em ação para manipular a norma em favor do grupo criminoso.
OS ALVOS
Segundo as investigações, Alan Cavalcante do Nascimento, Hélder Adriano de Freitas e João Alberto Paixão Lages seria os principais líderes da organização criminosa.
Nascimento era o “coordenador geral”, responsável por pagamentos de propina e articulações estratégicas. Freitas, engenheiro de minas, cuidava da parte operacional, identificando novas áreas para exploração. Lages, ex-deputado estadual, era o “homem das relações institucionais”, encarregado de contratos, lobby e contato com políticos.
Entre os agentes públicos alcançados está Rodrigo Gonçalves Franco, que seria um dos principais agentes cooptados pela organização com recebimento regular de propina para a prática de atos administrativos ilegais.
Nomeado presidente da Feam, em novembro de 2023, exerceu influência direta sobre os processos de licenciamento ambiental em favor de empresas.
Franco havia sido exonerado do cargo por Zema no último sábado (13), em decisão que pegou o setor de surpresa. A operação desta quarta cumpriu mandados na cidade administrativa, sede da gestão do governo mineiro, e afastou do cargo servidores da ativa. Procurado, o Governo de Minas não respondeu.
Além do então diretor da ANM, Caio Seabra, as investigações apontam que outro ex-diretor da agência, Guilherme Gomes, também estaria envolvido no esquema e foi alvo de mandado de prisão.
O diretor Caio Seabra foi indicado pelo governo Lula para o cargo na ANM em 2023, com apadrinhamento do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Já Guilherme Gomes é afilhado político do senador Davi Alcolumbre (União-AP), sua não nomeação para a diretoria da agência no final do ano passado, aliás, fez o presidente do Senado segurar a indicação do nome escolhido pelo governo federal por nove meses e foi, inclusive, um dos fatores que fez Alcolumbre atuar pela demissão de Silveira.
Os investigados poderão responder por crimes ambientais, usurpação de bens da união, corrupção ativa, corrupção passiva, organização criminosa, lavagem de dinheiro e embaraçamento à investigação de organização criminosa.
MANOBRA E DECISÃO CONTRARIARAM PARECER TÉCNICO
Em uma reunião da diretoria colegiada em novembro de 2024, Guilherme Gomes apresentou um voto contrário aos pareceres técnicos da própria agência, mas que beneficiava a empresa Aiga. Para garantir o controle do resultado, Caio Seabra pediu vista do processo, uma manobra que lhe permitiu assumir a relatoria.
Seabra mantinha contato frequente com Lages, um dos líderes da organização criminosa, a quem se referia como chefe. Uma hora antes da votação na ANM, Alan Cavalcante compartilhou com os outros suspeitos um trecho inédito do voto que Seabra apresentaria, confirmando que o conteúdo fora previamente combinado.
Minutos antes da sessão, houve uma chamada de áudio entre os líderes da organização, Caio Seabra e seu irmão, o advogado Henrique Costa de Seabra, para os acertos finais. O voto foi aprovado por unanimidade, alterando a resolução em benefício da Aiga.
As investigações apontam para houve o pagamento de R$ 3 milhões em propina disfarçados de honorários advocatícios. Desse total, R$ 2,7 milhões seriam pagos a título de êxito, condicionados à aprovação da mudança na norma pela diretoria da ANM.
As apurações indicam que o escritório contratado não realizou nenhum serviço jurídico no processo, e a procuração só foi assinada após o resultado favorável, reforçando os indícios de fraude.
Após a Vale conseguir uma liminar judicial suspendendo a nova norma, Caio Seabra novamente agiu em favor da organização, emitindo um despacho para que a procuradoria da ANM recorresse da decisão com urgência.
* CRISTINA CAMARGO, RAQUEL LOPES, JOSÉ MARQUES, ARTUR BÚRIGO E PEDRO LOVISI (FOLHAPRESS)
© 2003 - 2025 - ParaibaOnline - Rainha Publicidade e Propaganda Ltda - Todos os direitos reservados.