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Problema impensável: Brasil se depara com o excesso de energia elétrica

Da Redação*
Publicado em 26 de agosto de 2025 às 7:55

energia solar

Foto: Freepik

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O Brasil está produzindo tanta energia em determinados momentos do dia que os cortes na geração para evitar problemas no sistema têm alcançado patamares recordes neste ano. A interrupção em usinas eólicas e solares, nas quais a medida costuma ser aplicada, cresceu tanto que já compromete um quinto da produção total dessas fontes.

O problema continua se agravando mês a mês e evidencia a complexa contradição de um sistema que abre mão de energia renovável enquanto aciona a bandeira vermelha na conta de luz para conter o consumo. As interrupções podem também alimentar uma bomba-relógio para o país -já que empresas geradoras exigem compensação pelas interrupções e já falam em contas acumuladas de até R$ 5 bilhões.

O corte de geração, também chamado entre especialistas de “curtailment” ou “constrained-off”, é determinado pelo ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) a determinados geradores quando fica identificada a necessidade de se reduzir a geração de energia em determinadas circunstâncias em nome da segurança da rede.

Há diferentes motivos para os cortes, como condições meteorológicas extremas, além de atrasos e problemas de capacidade em linhas de transmissão. Mas a sobreoferta de energia é hoje a principal causa, gerando metade das interrupções e devendo responder por 96% delas até 2029, segundo cálculos do ONS.

O corte por sobreoferta de energia é necessário porque o sistema elétrico precisa funcionar em equilíbrio e sem grandes diferenças entre geração e consumo. Dados compilados pela consultoria Volt Robotics mostram que há descompasso todos os dias, sobretudo no período diurno devido à forte geração solar.

Donato da Silva Filho, diretor-geral da Volt Robotics, afirma que há dois desencontros diários na relação entre oferta e demanda. “De manhã, você tem o sol, mas não tem o consumidor. E conforme o sol vai se pondo, a geração solar vai caindo e o consumo aumentando, porque a gente não educou as pessoas a não consumir no fim do dia e aciona um monte de térmica para atender esse pico do fim do dia”, diz.

Isso faz com que, apesar da sobra em determinados momentos, o país ainda precise manter fontes de energia firme -como hidrelétricas e termelétricas- para garantir suprimento quando o sol e o vento não estão disponíveis. Essa garantia é necessária também porque as fontes renováveis são intermitentes e não asseguram geração contínua ao longo do dia.

O problema cresce nos fins de semana, quando o consumo cai e o descompasso entre oferta e demanda se agrava. Foram particularmente estressantes neste ano os domingos de 4 de maio (feriadão do Dia do Trabalhador) e 10 de agosto (Dia dos Pais), sendo que neste último quase todas as eólicas e solares foram desligadas e até hidrelétricas foram afetadas.

Os geradores reclamam inclusive da falta de transparência do ONS para o corte nas usinas, já que algumas regiões e unidades são bem mais afetadas que outras.

No centro do problema está a multiplicação de placas solares fora do sistema tradicional de produção elétrica. Elas compõem em grande parte a chamada geração distribuída (a GD)-perto do local de consumo, principalmente por meio de placas solares em casas, comércios ou pequenas usinas.

Diferentemente das usinas que estão no sistema centralizado, a GD pode inserir energia no sistema sem supervisão ou controle do ONS -que não pode pedir redução ou limitação nesse caso. Por isso, os cortes recaem apenas sobre as demais.

O problema tende a aumentar, já que a geração distribuída já supera 42 GW (gigawatts) de capacidade instalada e deve alcançar 50 GW até 2028, segundo um relatório do ONS. “Com a expansão acelerada da geração distribuída no Brasil, o impacto dos cortes no Brasil sobre o SIN [Sistema Interligado Nacional] torna-se ainda mais relevante”, alerta o documento.

Filho, da Volt, afirma que nos próximos meses a interrupção das eólicas deve crescer ainda mais devido à temporada de ventos mais intensos. Ele diz que o cenário impacta as receitas das geradoras e pode levar a um efeito em cadeia -inclusive no sistema financeiro.

“Isso vai bater na porta do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] e do Banco do Nordeste, que são grandes financiadores de projetos renováveis. O pessoal daqui a pouco não vai ter dinheiro para pagar a transmissão, que é um custo relevante das usinas. E isso já está aparecendo”, diz.

“A gente sempre falou muito que o Brasil vai ser o celeiro da energia mundial. Desse jeito, não vai. O que vai acontecer? Os investidores vão embora”, afirma. “Isso escancara uma ineficiência do ponto de vista sistêmico. A gente vê com preocupação, porque o Brasil está jogando uma oportunidade fora”.

Talita Porto, diretora regulatória da Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica), afirma que os números de corte são consideravelmente maiores a depender da usina e que o retorno de investidores está sendo impactado de forma significativa.

“Tem empreendedores que estão sofrendo cortes de até 60% ou 70% [do potencial de geração]. Então está impactando muito diretamente os nossos associados, com prejuízo financeiro na veia. Para o negócio, para aquele valuation [avaliação sobre o valor do projeto] que ele fez lá atrás, é mortal”, afirma.

Élbia Gannoum, presidente da Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica), diz que alertou o governo sobre a situação. “Nós começamos uma conversa com a própria Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica] e depois com o Ministério de Minas e Energia e dissemos o seguinte: meus caros, as empresas vão quebrar. A conta já passou de R$ 5 bilhões”, diz ela, se referindo somente à fatura de empresas eólicas e solares.

Alguns agentes afirmam que esses valores podem ser cobrados futuramente na conta de luz, outros dizem que pode ser arcado pelo Tesouro Nacional e outros dizem ser possível o uso em um encontro de contas na fatura de energia -sem o consumidor sentir aumento.

O Ministério de Minas e Energia se prepara para publicar uma portaria para trazer diretrizes para o ressarcimento do curtailment. Procurada, a pasta informou que um grupo de trabalho está concluindo as análises sobre o tema. Criado em março, o grupo é composto por representantes de MME, Empresa de Pesquisa Energética, Aneel, ONS e CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica).

A Aneel também discute o tema por meio de uma consulta pública, que trata sobre classificação e hierarquização dos cortes. No momento, o processo está em fase de análise das contribuições recebidas. Enquanto isso, especialistas e representantes privados do setor continuam debatendo possíveis soluções.

Uma das principais sugestões do setor é a ampliação da capacidade de armazenamento de energia, tema que está em discussão técnica pelo menos desde 2020. De forma específica, uma solução apontada é o incentivo à compra de baterias em residências para guardar a energia produzida a partir do sol.

“Funcionaria muito bem principalmente na geração distribuída. Usar aquela instalação na residência ou no comércio para estocar essa energia e reinjetá-la na rede durante o pico do consumo”, afirma Marisete Pereira, presidente da Abrage (Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica).

Uma lógica semelhante poderia ser aplicada às hidrelétricas, usando a energia abundante durante o dia para bombear água de volta para os reservatórios. Isso ampliaria a possibilidade de usar as usinas em momentos de maior necessidade, reforçando o uso delas como grandes baterias do sistema.

Edson Silva, diretor-presidente da Jirau Energia, afirma que outros países estão mais avançados na discussão do problema, inclusive na flexibilização do uso das hidrelétricas, e que outras medidas deveriam ser colocadas em prática para frear o problema. “O que a gente deseja é que, no mínimo, haja uma mudança regulatória para que esse problema pare de crescer”, diz.

As associações das empresas afetadas defendem um teto para os cortes, além de colocar a geração distribuída no alvo das interrupções. Fernando Mosna, diretor da Aneel, disse neste mês que é necessário mudar a lei 14.300, de 2022 (que fala sobre a geração distribuída), caso se queira que a agência regulamente o curtailment na GD.

Outras soluções são sugeridas nos debates, como uma maneira de incentivar o consumo quando a energia sobra, como nas manhãs e fins de semana -tanto para famílias como para empresas. Também são recomendadas iniciativas como criação de demanda por meio de data centers no Nordeste, antecipação de obras de transmissão, adoção de equipamentos mais modernos para aumentar a capacidade de transporte da energia e maior controle para a entrada de novos interessados na geração de energia.

Luiz Eduardo Barata Ferreira, presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, defende uma reforma estrutural no setor elétrico. “Nós [como país, ao longo dos anos] estimulamos a instalação de renováveis com subsídios no transporte, na transmissão e na distribuição, o que originou hoje uma sobreoferta considerável. O Ministério de Minas e Energia, ao invés de ficar fazendo MP pra cá e MP pra lá, deveria fazer um projeto amplo”, diz.

*FÁBIO PUPO/Folhapress

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