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O presente artigo nasceu a partir de uma instigante provocação feita por um estimado professor universitário, diante de uma situação concreta vivenciada no ambiente acadêmico: um servidor público que, intimado a prestar esclarecimentos em uma sindicância, recusava-se reiteradamente a receber a notificação oficial. A partir desse caso real, ampliou-se a reflexão para um debate técnico mais profundo sobre o regime jurídico das sindicâncias no serviço público federal — especialmente a sindicância punitiva — e suas repercussões legais e processuais.
Este artigo propõe uma análise crítica e sistematizada das espécies de sindicância previstas na Lei nº 8.112/1990, da distinção entre estas e o processo administrativo disciplinar (PAD), e, sobretudo, das consequências jurídicas da recusa do servidor em atender às notificações válidas expedidas pela comissão de sindicância. A análise parte da Constituição Federal, passa por autores consagrados da doutrina e, sobretudo, se ancora na experiência concreta de comissões disciplinares atuantes no serviço público.
2. Modalidades de Sindicância na Administração Pública
No cotidiano da Administração Pública, a sindicância tem se firmado como um dos mecanismos mais utilizados para o controle interno, respaldada por base legal sólida e aceitação doutrinária e jurisprudencial já bem consolidadas. Seu emprego tem por finalidade apurar fatos que possam configurar irregularidades administrativas, estabelecer responsabilidades e, quando for o caso, aplicar penalidades cabíveis. A sindicância possui ainda um papel estratégico de racionalização da atividade correcional, permitindo à Administração Pública evitar o uso excessivo de processos mais complexos quando a situação pode ser resolvida por meio de procedimento mais célere e proporcional.
Deve-se reconhecer que a sindicância não representa apenas um meio de investigação informal ou meramente preparatório. Ao contrário, em suas diversas modalidades, trata-se de instrumento com natureza jurídica própria e finalidades distintas, o que exige compreensão técnica por parte dos operadores do direito e das comissões instauradoras. Para que cumpra legitimamente seu papel, é essencial que sua condução observe os princípios da legalidade, da eficiência, da proporcionalidade e da razoabilidade, conforme previsto no caput do art. 2º da Lei nº 9.784/1999, entre outros valores que orientam a boa administração pública.
A sindicância, em sua essência, é um instrumento de apuração interna com múltiplas funções dentro da estrutura da responsabilização administrativa. Pode assumir um viés investigativo, com natureza meramente preparatória; pode ser punitiva, exigente quanto às garantias do devido processo legal; ou ainda assumir forma patrimonial, voltada à apuração de enriquecimento ilícito.
Diante dessa multiplicidade de funções, a sindicância pode ser classificada em diferentes modalidades, cada qual com objetivos, requisitos e consequências jurídicas próprias. A seguir, apresentam-se as principais classificações adotadas no âmbito da Administração Pública Federal, com base na Lei nº 8.112/1990 e na doutrina especializada.
A sindicância investigativa visa reunir dados e indícios quando não estão perfeitamente delineados os contornos da irregularidade funcional ou mesmo a autoria. Por sua natureza preparatória, não exige contraditório nem ampla defesa. Trata-se de mecanismo interno utilizado, inclusive, para afastar denúncias infundadas ou identificar elementos mínimos para dar início a um processo disciplinar formal.
A sindicância punitiva exige a presença de indícios de autoria e materialidade, sendo regida pelo art. 145 da Lei nº 8.112/1990. Seu objetivo é apurar infrações funcionais leves, com possibilidade de aplicação de advertência ou suspensão de até 30 dias. Nessa modalidade, exige-se o contraditório e a ampla defesa, conforme o art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal. Sua estrutura é simplificada, mas não dispensa a formalidade mínima nem o respeito aos direitos fundamentais do servidor.
Visa apurar incompatibilidade patrimonial e possíveis indícios de enriquecimento ilícito por parte de servidores, podendo ensejar desdobramentos como o envio ao Ministério Público e/ou abertura de PAD. Trata-se de uma modalidade mais especializada, frequentemente vinculada à atuação dos órgãos de controle interno, com respaldo em legislações complementares de transparência e probidade administrativa.
Embora essas classificações atendam a diferentes finalidades, todas têm em comum a busca por maior accountability no serviço público — conceito que traduz a exigência de transparência, responsabilidade e prestação de contas dos agentes públicos quanto à legalidade e aos resultados de suas ações. A sindicância, independentemente de sua natureza, deve ser pautada por critérios objetivos, respeito à ampla defesa (quando cabível) e documentação precisa dos atos praticados, conforme estabelece o art. 69 da Lei nº 9.784/1999.
Portanto, compreender essas três modalidades não é um mero exercício classificatório, mas uma exigência técnica e jurídica para garantir a adequada tramitação e validade do procedimento instaurado. O uso incorreto da modalidade, especialmente quando se confunde a sindicância investigativa com a punitiva, pode gerar nulidades processuais e comprometer o resultado final da apuração administrativa. A qualificação correta da sindicância a ser instaurada é, portanto, um dever da comissão e da autoridade instauradora.
3 – Enquadramento Doutrinário das Espécies de Sindicância
A doutrina administrativa brasileira, com sua maturidade e profundidade, tem desempenhado papel fundamental na consolidação dos institutos disciplinares, entre eles, a sindicância. A interpretação doutrinária confere densidade teórica aos dispositivos legais, viabilizando uma aplicação mais segura e proporcional das normas administrativas. Compreender como os estudiosos do Direito encaram as modalidades e finalidades da sindicância é imprescindível para assegurar a certeza do direito e uniformidade no trato desses processos.
A abordagem doutrinária também permite identificar distinções relevantes que a leitura fria da legislação nem sempre esclarece. A jurisprudência, embora importante, por vezes se revela lacunar ou divergente, cabendo à doutrina o papel de interpretar sistematicamente o ordenamento jurídico, consolidando práticas administrativas mais coerentes com o Estado de Direito. Nesse aspecto, a doutrina cumpre uma função orientadora e preventiva de litígios e nulidades processuais.
Outro aspecto de relevância reside no fato de que a doutrina promove uma análise crítica das práticas administrativas, apontando excessos e vícios recorrentes na condução de sindicâncias. Assim, os ensinamentos doutrinários não apenas conferem respaldo à legalidade dos atos, mas também orientam os operadores do direito à adoção de boas práticas, respeitando os direitos fundamentais do servidor público e o interesse público primário.
Entre os autores mais respeitados, Odete Medauar esclarece que:
“Nos estatutos, em geral, aparecem duas modalidades de sindicância: a sindicância preliminar a processo administrativo e a sindicância como processo sumário. A segunda modalidade é a sindicância de caráter processual, pois se destina a apurar a responsabilidade de servidor identificado, por falta leve, podendo resultar em aplicação de pena.” (MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 22. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2020, p. 323.)
No mesmo sentido, Antônio Carlos Alencar Carvalho afirma:
“Admite-se que, por questão de economia processual, seja possível punir desvios de conduta de menor gravidade, sujeitos a penas mais brandas, por meio de um procedimento administrativo mais simplificado (a sindicância) do que o mais complexo processo administrativo disciplinar, reservado à imposição de penalidades mais severas, como demissão, a cassação de aposentadoria e de disponibilidade, embora admita, em seu bojo, a aplicação de penas mais brandas.”
(CARVALHO, Antônio Carlos Alencar. Manual de Processo Administrativo Disciplinar e Sindicância. 7. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2021, p. 743.)
Essas lições reafirmam que a sindicância punitiva possui natureza processual própria e, embora simplificada, exige observância plena aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, previstos no art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal.
Dessa forma, a doutrina, além de fornecer o lastro teórico necessário, contribui para evitar decisões arbitrárias e assegurar que os processos administrativos, mesmo os sumários, sejam pautados por justiça, racionalidade e finalidade pública.
4- Distinção entre Sindicância Punitiva e Processo Administrativo Disciplinar (PAD)
É essencial compreender que a escolha entre instaurar uma sindicância punitiva ou um processo administrativo disciplinar (PAD) não é uma decisão meramente formal, mas deve decorrer de uma análise criteriosa quanto à natureza e gravidade da infração imputada. Um equívoco nesse enquadramento pode comprometer todo o procedimento, gerando nulidades e responsabilizações da própria Administração.
A sindicância e o PAD coexistem dentro do mesmo regime jurídico disciplinar, mas se destinam a hipóteses distintas. A sindicância deve ser aplicada a infrações funcionais de menor potencial ofensivo, ao passo que o PAD se reserva às condutas mais graves, conforme indicam os arts. 145 e 148 da Lei nº 8.112/1990. Essa diferenciação impõe à autoridade instauradora o dever de justificar sua escolha com base nos princípios da legalidade, motivação e proporcionalidade.
Além disso, as comissões designadas para a condução dos dois procedimentos são constituídas de formas distintas. Enquanto a sindicância pode ser conduzida por apenas dois servidores estáveis, o PAD exige a formação de comissão composta por três membros, conforme art. 149 da Lei nº 8.112/1990. A diferença no grau de formalidade e no rito procedimental é compatível com o escalonamento das sanções aplicáveis.
Como já destacado anteriormente, a sindicância punitiva, prevista no art. 145 da Lei nº 8.112/1990, aplica-se a condutas de menor gravidade e permite apenas a aplicação das penalidades de advertência e suspensão de até 30 dias (art. 129, I e II). Já o PAD, regulado nos arts. 148 a 182 da mesma lei, destina-se à apuração de infrações mais graves e pode ensejar penalidades mais severas, como suspensão por mais de 30 dias, demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, e destituição de cargo em comissão.
O Professor Léo da Silva Alves destaca:
“Precisamos conviver com uma sindicância atípica, imprópria, que é aquela que pode levar à aplicação de uma penalidade. Apesar de nome – sindicância –, chamamos a atenção para o fato de ela ser, na verdade, um processo.”
(ALVES, Léo da Silva. Sindicância Investigatória. Brasília: Brasília Jurídica, 2005, p. 26.)
Já Marcos Salles Teixeira contribui com uma visão terminológica sistematizada:
“Assim, aqui, como regra geral, convenciona-se que a expressão ‘processo disciplinar’ (ou mesmo ‘processo administrativo disciplinar’, muito lida nas manifestações jurisprudenciais e doutrinárias) compreenderá tanto o PAD stricto sensu quanto a sindicância disciplinar. Quando se quiser se referir especificamente a um ou a outro tipo de apuratório específico, far-se-á expressa ressalva.”
(TEIXEIRA, Marcos Salles. Anotações sobre Processo Administrativo Disciplinar, 2020, p. 637.)
Essas análises contribuem para solidificar o entendimento de que a sindicância punitiva, embora mais célere e simplificada, é dotada de todas as garantias que caracterizam um verdadeiro processo administrativo. A distinção, portanto, não pode se perder em tecnicismos, mas deve refletir uma compreensão funcional e finalística do direito disciplinar.
A falta dessa compreensão técnica tem gerado, infelizmente, distorções em várias esferas da Administração, em que sindicâncias são usadas para disfarçar processos que, pela natureza da infração, exigiriam um PAD completo. Essa prática deve ser repelida com veemência, sob pena de invalidar o procedimento e violar garantias fundamentais do servidor.
5. Recusa em Receber Notificação: Consequências Jurídicas
A primeira reação da Administração Pública diante da recusa de um servidor em receber notificação deve ser técnica, firme e legal. Esse tipo de conduta não pode ser normalizado como exercício legítimo de defesa. Ao contrário, revela-se como estratégia de obstrução, que compromete a integridade do processo e ofende o princípio da colaboração, indispensável à boa-fé objetiva na relação entre agente público e Administração. A recusa injustificada é, portanto, incompatível com o dever funcional de cooperar com os mecanismos de controle interno.
Essa postura de resistência do servidor revela o quanto é fundamental o preparo técnico das comissões instauradas e da autoridade instauradora. É imprescindível que a comissão conheça profundamente os limites e as possibilidades conferidas pela legislação, para que possa enfrentar essas situações com rigor, sem ultrapassar os limites do contraditório. Ao mesmo tempo, é importante evitar que a recusa gere paralisação ou nulidade do feito.
A recusa injustificada do servidor em atender às notificações expedidas pela comissão de sindicância punitiva configura descumprimento do dever funcional previsto no art. 116, IV, da Lei nº 8.112/1990, referente à lealdade e à cooperação com a Administração Pública. Essa conduta, por si só, pode justificar a instauração de um novo procedimento disciplinar, independente daquele que originou a convocação.
Diante disso, cabe à comissão adotar providências que assegurem a regularidade do processo e previnam eventuais alegações de nulidade, tais como:
– Realize nova notificação com aviso de recebimento — ARMP (Aviso de Recebimento por Mão Própria) —, e-mail institucional com confirmação de leitura ou entrega pessoal com registro de recusa;
– Comunique formalmente a chefia imediata do servidor, inclusive para que esta também proceda à notificação do servidor que se recusa a receber o documento;
– Advirta que, em caso de nova recusa, será nomeado defensor dativo (conforme arts. 156 e 164, § 2o da Lei nº 8.112/1990);
– Documente todos os atos nos autos por certidões e atas.
Essas providências garantem o respeito à ampla defesa, ainda que exercida por defensor dativo, e resguardam o regular desenvolvimento da sindicância mesmo diante da resistência do investigado. Além de proteger o devido processo legal, reforçam a seriedade e a legalidade dos atos da comissão, demonstrando zelo institucional diante da omissão ou resistência do servidor. Também conferem à Administração Pública a segurança de que foram esgotadas as vias ordinárias de ciência, o que é especialmente relevante em eventual controle judicial posterior. Nesse cenário, a atuação documentada e fundamentada da comissão mostra-se indispensável para assegurar não apenas a validade do procedimento, mas também a credibilidade das medidas administrativas adotadas.
Deve-se enfatizar, ainda, que o prosseguimento da sindicância, com a nomeação de defensor dativo, não configura violação ao contraditório, mas sim sua efetivação prática, conforme reiterado pelos Tribunais e doutrina especializada. A recusa, desde que documentada, não impede o trâmite processual. Pelo contrário, reforça a necessidade de adoção de medidas substitutivas adequadas.
Importante registrar que a tentativa reiterada de “fuga” do servidor à ciência dos atos não apenas configura violação disciplinar, como também pode reforçar o juízo de desídia ou má-fé, impactando inclusive na dosimetria da pena eventualmente aplicada. Portanto, a postura de resistência pode não só ensejar novo processo, como também influenciar negativamente a análise da conduta na sindicância principal.
Dessa forma, é imprescindível que a sindicância punitiva, mesmo diante de ausências injustificadas, seja concluída com relatório final devidamente fundamentado — seja para sugerir a aplicação de penalidade, seja para recomendar o arquivamento. Tal medida assegura a necessária transparência e reforça a proteção da ordem jurídica de todo o procedimento.
Nesse cenário, é oportuno destacar que os tribunais já enfrentaram situações semelhantes, reafirmando o entendimento de que a recusa do servidor em receber notificação não paralisa o procedimento disciplinar, nem o torna nulo, desde que respeitadas as garantias processuais fundamentais.
PROCESSO CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA. RENÚNCIA DO ADVOGADO AO MANDATO DO CONSTITUINTE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO PROCESSUAL. NULIDADE INEXISTENTE. ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PEDIDO DE ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. NÃO CARACTERIZADA. RECUSA INJUSTIFICADA EM RECEBER NOTIFICAÇÃO. COMPROVADA A CIÊNCIA INEQUÍVOCA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO INSTAURADO.
(TJ-AP – RI: 00027326320188030001 AP, Relator.: JOSÉ LUCIANO DE ASSIS, Data de Julgamento: 18/09/2019, Turma recursal)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO, COM PEDIDO DE REINTEGRAÇÃO EM CARGO PÚBLICO. LIMINAR NÃO CONCEDIDA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA INDEFERIDA. INEXISTÊNCIA DE PERICULUM IN MORA E FUMUS BONI IURES PARA JUSTIFICAR A CONCESSÃO DA MEDIDA. ILEGALIDADE NÃO VERIFICADA DE PLANO. INEXISTÊNCIA, EM COGNIÇÃO SUMÁRIA, DAS NULIDADES APONTADAS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. RECUSA, POR PARTE DO SERVIDOR, DE ASSINAR A NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. ALEGADA AUSÊNCIA DE DEFESA TÉCNICA QUE NÃO OFENDE A CONSTITUIÇÃO, NOS TERMOS DA SÚMULA 5 DO STF. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO DESPROVIDO.
(TJ-PR 00239441020238160000 Paranaguá, Relator.: Eugenio Achille Grandinetti, Data de Julgamento: 28/08/2023, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: 29/08/2023)
As decisões judiciais extraídas de tribunais estaduais, embora não vinculantes como aquelas dos tribunais superiores, oferecem importantes diretrizes interpretativas sobre a condução de procedimentos disciplinares. Tais julgados reforçam a legitimidade das comissões ao adotarem providências diante da inércia ou recusa do servidor, desde que observados o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal.
Nesse sentido, esses precedentes revelam que o Poder Judiciário, ainda que em instâncias judiciais de primeiro e segundo grau, reconhece a necessidade de equilíbrio entre a proteção das garantias do servidor e a efetividade dos instrumentos disciplinares. A Administração Pública, portanto, respaldada por essa orientação jurisprudencial, deve agir com firmeza, fundamentação técnica e respeito aos princípios constitucionais da legalidade, moralidade e eficiência.
6. Considerações Finais
A sindicância punitiva, muitas vezes negligenciada na prática administrativa, representa um importante instrumento de responsabilização funcional. Trata-se de um procedimento simplificado, mas nem por isso desprovido de valor jurídico, técnico e institucional. Quando corretamente utilizado, permite à Administração Pública responder com agilidade e proporcionalidade a condutas irregulares de menor gravidade, evitando o desgaste e os custos excessivos de um processo disciplinar completo.
É indispensável que as comissões responsáveis pela condução da sindicância estejam preparadas para agir com firmeza, mas também com absoluto respeito às garantias do investigado. O cumprimento rigoroso dos ritos, a observância dos prazos, o registro formal e fundamentado de todos os atos processuais e o cuidado na lavratura das atas são práticas que conferem legitimidade e segurança jurídica ao procedimento.
Além disso, a atuação da Administração deve ser pautada pela ética, eficiência e imparcialidade. A sindicância não pode ser utilizada como instrumento de perseguição, tampouco como meio de arquivamento de irregularidades graves. Seu uso deve ser equilibrado e juridicamente justificado.
A recusa injustificada do servidor em colaborar com o processo não deve ser tolerada como obstáculo à apuração disciplinar. A atuação firme, técnica e respeitosa da comissão fortalece o papel do Estado na defesa da moralidade e da eficiência administrativa, ao mesmo tempo em que assegura os direitos fundamentais do servidor investigado.
Portanto, a sindicância punitiva deve ser compreendida e utilizada com a devida seriedade e maturidade institucional. Somente assim será possível preservar a integridade dos serviços públicos e manter a confiança da sociedade nas instituições administrativas. É preciso, sobretudo, reconhecer que o cumprimento da legalidade não se faz apenas com sanção, mas com processo bem feito, imparcial, técnico e justo.
Referências
ALENCAR CARVALHO, Antônio Carlos. Manual de processo administrativo disciplinar e sindicância: à luz da jurisprudência dos tribunais e da casuística da Administração Pública. 7. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2021. 928 p.
ALVES, Léo da Silva. Sindicância investigatória: a técnica de apuração de irregularidades em torno do serviço público. Brasília: Brasília Jurídica, 2005. 144 p.
Amapá. Tribunal de Justiça. Recurso Inominado nº 0002732-63.2018.8.03.0001. Turma Recursal. Rel. José Luciano de Assis. Julgado em: 18/09/2019. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-ap/759740950. Acesso em: 12 maio 2025.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 5 out. 1988.
BRASIL. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 12 dez. 1990.
BRASIL. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 1 fev. 1999.
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 22. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2020. 710 p.
TEIXEIRA, Marcos Salles. Anotações sobre processo administrativo disciplinar. Rio de Janeiro: [s.n.], 2020. Trabalho autoral com registro de direitos autorais na Fundação Biblioteca Nacional sob nº 403.625, livro 752, fl. 285, em 04 maio 2007. p. 637.
Paraná. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 0023944-10.2023.8.16.0000, 2ª Câmara Cível. Rel. Eugenio Achille Grandinetti. Julgado em: 28/08/2023. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-pr/1948299620. Acesso em: 12 maio 2025.
*Eduardo Medeiros é advogado
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