Brasil

STF decidiu alinhado com governo Lula em 9 de cada 10 ações

Da Redação*
Publicado em 4 de março de 2025 às 8:16

plenario do stf

Foto: Gustavo Moreno/STF/Arquivo

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Desde o início deste mandato, o governo do presidente Lula (PT) registrou decisões em linha com as suas posições e obteve uma sucessão de vitórias no STF (Supremo Tribunal Federal) por meio da AGU (Advocacia-Geral da União).

Das 111 ações constitucionais com origem no STF nas quais a AGU se manifestou e que foram julgadas pela corte em 2023 e 2024, 99 tiveram resultados aderentes ao posicionamento da instituição, o que corresponde a 89% do total.

Nesse tipo de ação, em tese não se discute um interesse individual como em um processo judicial comum. O Supremo verifica se o objeto em debate é constitucional ou não em abstrato, ou seja, independentemente do caso concreto.

Sob outra ótica, a taxa de sucesso judicial da AGU nos processos em que ela atuou efetivamente como parte defendendo os interesses da União alcançou 74% em um universo de 5.888 decisões no acumulado do período. Em 2024, a razão foi de 76%. No ano anterior, de 72%.

À Folha o advogado-geral da União, Jorge Messias, afirmou que o resultado da atuação no Supremo ao longo de 2024 demonstra o trabalho do órgão na defesa do patrimônio da União e do Estado democrático de Direito.

“Estamos no caminho certo e nos preparamos para obtenção de resultados ainda melhores em 2025”, disse Messias, que tem entre as atribuições a representação da União no STF e o assessoramento direto e pessoal do presidente da República.
Questionada, a AGU não enviou dados relativos ao período de Jair Bolsonaro (2019-2022).

LULA X BOLSONARO

A opinião de especialistas ouvidos pela Folha é a de que, para além dos números registrados em cada período, vitórias da gestão petista contrastam com o padrão observado sob governo de Bolsonaro.

O governo Lula contabiliza êxitos em processos relacionados à restrição de acesso a armas de fogo, à PEC dos Precatórios, à desoneração da folha de pagamento e à abertura de crédito extraordinário para combate a queimadas.

O ex-presidente Bolsonaro, por outro lado, enfrentou derrotas quando estava no poder, na disputa com os estados em torno do isolamento social, na tentativa de flexibilização do acesso a armas de fogo e até na nomeação de Alexandre Ramagem para a Polícia Federal.

Antes de Jorge Messias, que está no cargo de advogado-geral da União desde o início do governo Lula, em 2023, ocuparam o posto, sob Bolsonaro, Bruno Bianco, José Levi e André Mendonça, este hoje ministro do STF.

Gabriela Zancaner, professora de direito constitucional da PUC-SP, considera que a diferença entre os governos Lula e Bolsonaro não deriva tanto da atuação da AGU, mas da composição da corte e, principalmente, da própria falta de compatibilidade das políticas evocadas pelo ex-presidente com as leis do país.

Zancaner vê um tribunal, composto inclusive por uma maioria de ministros indicados nas gestões petistas, mais alinhado a Lula que a Bolsonaro.

Mas, segundo ela, “não é uma questão de eu chuto, e você marca o gol”, e sim uma “questão de competência do Supremo e do caminho que esse governo tem seguido”.

“Estávamos um pouco fora da normalidade, com determinadas atitudes do governo passado, próprias e até pessoais do ex-presidente, que foram autoritárias e contrárias ao texto constitucional,” afirma a professora. “Lula, parafraseando Bolsonaro, age muito mais dentro das quatro linhas da Constituição”.

O professor de direito constitucional do IDP André Rufino, coordenador grupo Observatório Constitucional, vinculado à mesma instituição, afirma que, pelo menos nos últimos dois anos, o Supremo e os órgãos que atuam perante a corte trabalham em um ambiente de “maior tranquilidade institucional”.

O diálogo era um dos problemas do governo Bolsonaro, de acordo com o pesquisador, e o foi em especial de 2020 a 2022, durante a pandemia e antes das eleições presidenciais. “Quando não há essa conversa, isso traz resultados negativos aos processos, aos julgamentos, a tudo. É um efeito em cadeia.”

Segundo Rufino, a própria atuação da AGU no governo anterior se dava mais pela via do processo, em uma lógica mais combativa de ganha-perde, enquanto a gestão atual, afora o engajamento para o retorno da normalidade democrática, tem visado a uma construção dialógica de soluções —pela via da conciliação.

Por exemplo, o STF assumiu em outubro do ano passado a repactuação do acordo de Mariana (MG). Um mês depois, o plenário da corte homologou um acordo de R$ 170 bilhões envolvendo União, os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, Ministério Público, Defensoria Pública e as empresas Samarco, Vale e BHP.

ENTENDA O FUNCIONAMENTO DO STF

Por sua vez, Álvaro Palma de Jorge, professor de direito constitucional da FGV Direito Rio, diz não ver um Supremo mais inclinado ao governo Lula, ao governo Bolsonaro ou a outro. Aponta também a dificuldade de se separar as vitórias de cada gestão por as questões serem muitas vezes circunstanciais.

“Depende do que chega ao Supremo, em que momento chega, quem é que propôs (…) O tribunal faz o papel institucional com o que se apresenta, decide, às vezes de modo favorável, às vezes contrário”, afirma ele. “Haverá decisões que podem corresponder a um eventual interesse do governo e outras que não.”

Ele diz que Bolsonaro pode ter tido mais ações contestadas por desrespeitar a Constituição e adotar medidas erradas na pandemia. No entanto, ressalta que Lula não enfrentou uma crise como aquela nem outras situações semelhantes, por isso não seria possível prever o que ele faria nessas circunstâncias.

“A percepção”, afirma Palma de Jorge, “de que o Supremo tomou mais decisões [contrárias] ao governo Bolsonaro tem muito mais a ver com o governo Bolsonaro do que propriamente com o Supremo, tem muito mais a ver com o quanto o governo agiu em questões que são constitucionalmente sensíveis ou não”.

* ARTHUR GUIMARÃES DE OLIVEIRA (FOLHAPRESS)

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