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Foto: Agência Brasil/Arquivo
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A denúncia apresentada pela PGR (Procuradoria-Geral da República) nesta terça-feira (18) aponta que houve aparelhamento do Estado por meio da Polícia Rodoviária Federal, em prol da trama golpista que beneficiaria o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A partir de trocas de mensagens, documentos e depoimentos obtidos pela investigação, a PGR concluiu que a PRF, sob comando de seu então diretor-geral, Silvinei Vasques, atuou para tentar impedir o deslocamento de eleitores do presidente Lula (PT) aos locais de votação no segundo turno.
Isso, segundo a acusação, aconteceu por meio da realização de blitze em cidades onde o petista teve votação expressiva no primeiro turno, especialmente na região Nordeste. A ordem para mapear esses locais, de acordo com a denúncia, partiu de uma diretora do Ministério da Justiça.
“A ferramenta [as blitze] figurava como elemento crucial na execução do plano de manutenção de Jair Bolsonaro no poder, uma vez que visava a reverter o favoritismo do oponente, percebido, tanto pelos resultados do primeiro turno quanto pelas pesquisas de intenção de voto no segundo turno”, diz a denúncia da PGR.
Com as blitze, Vasques desrespeitou decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, que na noite anterior ao pleito havia proibido esse tipo de abordagem. O então diretor-geral, que no segundo turno pediu votos para Bolsonaro nas redes sociais, foi convocado naquele dia para dar explicações ao ministro, sob o risco de ter a prisão decretada.
Vasques foi preso preventivamente em agosto de 2023 com base em pedido da Polícia Federal, que argumentou a favor da medida para evitar interferências nas investigações sobre o episódio. Ele foi solto um ano depois.
A peça apresentada nesta terça narra que a delegada de Polícia Federal Marília Ferreira de Alencar, então diretora de Inteligência do Ministério da Justiça, solicitou a elaboração de um projeto de “Business Intelligence” com o objetivo de coletar informações sobre os locais onde Lula havia recebido mais de 75% dos votos, particularmente em cidades do Nordeste.
Analista de inteligência encarregado da coleta de dados, Clebson Vieira afirmou em depoimento que percebeu que a PRF montou as blitze no segundo turno com base no levantamento produzido por ele. Clebson disse que reuniu as cidades onde Lula e Bolsonaro tiveram votações expressivas, mas que a atuação da polícia ocorreu apenas nos locais com mais eleitores do petista.
O analista afirmou ainda que tais fatos o “incomodaram muito”, mas que à época não tinha a quem recorrer.
A acusação juntou à denúncia uma planilha recolhida pelas investigações. Nela aparece uma listagem de cidades, com número de votos e abas nomeadas como “concentração maior que 75% Lula” e “concentração maior que 75% Bolso”.
A PGR também destacou mensagens de texto trocadas entre Marília e Fernando de Sousa Oliveira, à época Diretor de Operações do Ministério da Justiça. Após o primeiro turno, ela escreveu a ele: “Temos que pensar na ofensiva quanto a essas pesquisas”.
Poucos dias depois, em 6 de outubro, Marília disse: “Tudo alinhado sobre por (sic) o efetivo”. Ela afirmou ainda que havia feito sua parte, mas que estava “ansiosa pra kcete (sic)”. “Doida para poder fazer alguma coisa pra ajudar”, escreveu.
Marília e Fernando tinham um grupo de WhatsApp intitulado “Em off”, do qual também participava Leo Garrido de Salles, coordenador-geral de operações da Diretoria de Operações Integradas e de Inteligência do Ministério da Justiça.
No dia 13 de outubro, Marília escreveu no grupo: “belford roxo o prefeito é vermelho precisa reforçar pf” e “menos 25.000 votos no 9”. Em seguida, perguntou a Fernando qual seria o próximo passo. Ele respondeu que “52 x 48 são milhões 5 de votos para virar”, o que, segundo a PGR, denotava que seriam necessários cinco milhões de votos para virar o resultado das eleições.
No mesmo dia, Marília enviou mensagens a Fernando dizendo que Anderson Torres, então ministro da Justiça, tinha pressa. Ela afirmou ainda que “Leo disse que só vai fazer a bahia”, perguntando quem faria o restante.
Três dias depois, no grupo “Em off”, Leo Salles disse que havia finalizado os planos para Bahia, Ceará e Pernambuco. No dia seguinte, Marília demonstrou preocupação em relação às cidades onde Lula tinha recebido maior número de votos.
Ela escreveu: “pelotas foi 52×36 pro lula”, “202 mil habitantes”, “cara os caras tem que rodar essas bases”, “poa também foda” e “49×39 pro lula”. Fernando respondeu: “manda o rs tem muito eleitor pt”.
Segundo a acusação, as diretrizes foram acolhidas por Silvinei Vasques, que então direcionou os recursos da PRF para a realização das blitze.
A PGR menciona ainda uma reunião do dia 19 de outubro entre a cúpula da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, com a participação de Vasques e Anderson Torres. No dia seguinte, Marília escreveu no grupo de WhatsApp que “o 01 falou bem ontem na reunião”. Fernando concordou: “falou bem demais isento”. Ela, então, respondeu: “isento porra nenhuma”, “meteu logo um 22”.
A investigação colheu depoimentos de 47 policiais rodoviários federais -três deles afirmaram que Vasques havia dito na reunião que “era hora de escolherem um lado”.
A denúncia destaca que inicialmente a PRF trabalhava com um único plano de operações para os dois turnos das eleições. No dia 26 de outubro, porém, um novo documento foi elaborado pelos denunciados, incluindo a fiscalização de passageiros, que não constava no planejamento inicial.
“Dados fornecidos pela atual gestão da PRF mostraram que, durante o segundo turno das eleições, a Região Nordeste concentrou o maior número de policiais mobilizados, o maior número de postos fixos de fiscalização e o maior número de ônibus fiscalizados e retidos”, afirma a peça.
No dia 28 de outubro, às vésperas do segundo turno, o policial rodoviário federal Luíz Carlos Reischak Júnior afirmou em mensagem de texto ao colega Adiel Alcântara que havia um aumento na fiscalização direcionada aos ônibus. No dia seguinte, Adiel comentou com outro policial rodoviário federal, Paulo César Alves Júnior, que Vasques havia sido impróprio na reunião, destacando a determinação de “policiamento direcionado”.
“Está claro o desvio de finalidade das ações policiais do grupo, orientadas ao propósito comum dos integrantes da organização criminosa de impedir, também mediante o emprego de atitudes de força, que o candidato agora denunciado fosse afastado do poder”, escreve a PGR.
Silvinei Vasques, Anderson Torres, Marília Ferreira de Alencar e Fernando de Sousa Oliveira foram denunciados pela PGR. Torres também chegou a ficar preso de janeiro a maio de 2023 por suposta omissão nos ataques golpistas de 8 de janeiro.
Procurada, a defesa do ex-ministro disse que irá analisar a denúncia antes de se manifestar. A defesa de Vasques não havia respondido ao contato da reportagem até a publicação deste texto. A reportagem não conseguiu localizar as defesas de Marília de Alencar e de Fernando Oliveira.
*ANA LUIZA ALBUQUERQUE/Folhapress
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