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Na fronteira entre Alagoas e Sergipe, centenas de organizações de agricultores, movimentos sociais e ativistas de todo o Nordeste lançaram um projeto que propõe “descentralizar” a produção de energia solar no semiárido, território com 1.262 municípios que nos últimos anos se tornou o principal alvo de empresas de energias renováveis.
O plano Um Milhão de Tetos Solares foi anunciado durante o 10º Encontro Nacional da Articulação Semiárido Brasileiro (EnconASA), evento que não ocorria desde 2016 e que teve como sede as cidades vizinhas de Piranhas (AL) e Canindé do São Francisco (SE).
Inspirado no programa Um Milhão de Cisternas, que nas últimas duas décadas espalhou pelo sertão essas estruturas para armazenar água, o projeto de geração de energia fotovoltaica foi anunciado como uma “resposta do semiárido à proliferação de grandes empreendimentos” de energia renovável, segundo a ASA (Articulação Semiárido Brasileiro).
Ainda sem fonte de financiamento confirmada, a ideia é instalar placas solares na casa de agricultores. Na fase piloto, que começa em 2025, cerca de 4.000 famílias de 60 municípios serão beneficiadas, um investimento de R$ 78 milhões.
Segundo o projeto da ASA, cada família conseguiria gerar 500 kw de energia elétrica por mês —150 kw para consumo e 150 kw para produção agrícola, e o excedente será vendido e integrado ao SNI (Sistema Nacional Interligado).
De acordo com o projeto, as placas fotovoltaicas serão produzidas em pequenas fábricas a serem instaladas pelo sertão, tendo como referência a experiência da Escola Agrícola Familiar de Monte Santo, no sertão da Bahia, cujo estudantes receberam treinamento e hoje produzem o equipamento para agricultores da região.
PRODUÇÃO AGROFLORESTAL
No município de Água Branca, a cerca de 300 km de Maceió, o agricultor Claudio Gonzaga, 46, conhecido como Gia do Morango, tem sido divulgado como um exemplo da produção em pequena escala de energia solar para a produção agrícola no semiárido.
O sítio de Gia, de apenas um hectare, fica a 200 metros de um canal construído durante a transposição do rio São Francisco, que abastece a região extremamente seca.
O problema é que a energia elétrica que chegava a sua casa não dava conta de alimentar as bombas que puxam a água do canal para a irrigação.
“Cheguei a queimar seis bombas porque a energia era fraca demais. Minha roça só deu certo quando ganhei as placas solares”, conta Gia, que recebeu os equipamentos do Instituto Terra Viva. “Quando consegui água e energia, vi que podia plantar mais coisas.”
Hoje, Gia do Morango é referência na região pela diversidade de sua produção agroflorestal em uma área cuja escassez de água é a regra: planta e comercializa morango, tomate, caju, açaí, mamão, graviola, alho poró, entre outros.
ASSOCIAÇÕES CRITICAM CONDIÇÕES DE CONTRATOS
Se por um lado a transição energética para modelos com menor impacto ambiental é apontada como uma das soluções para as mudanças climáticas, por outro, comunidades têm relatado seus efeitos negativos, como formação de “latifúndios empresariais”, fuga de sertanejos e problemas de saúde causados pela proximidade com os parques.
Durante o evento em Piranhas, representantes da ASA, uma rede com cerca de 3.000 organizações da sociedade civil do semiárido, entre sindicatos e associações de agricultores, classificaram o atual modelo de energia renovável como “predatório”.
“Esses grandes projetos estão ameaçando o modo de vida e a permanência do sertanejo no território, seja por questões de saúde, pelo assédio das empresas ou porque ele cede sua propriedade e vai embora”, diz Maitê Maronhas, coordenadora da ASA.
O setor costuma propor contratos de arrendamento de terra de até 50 anos de duração para instalação dos parques.
Quem cede sua propriedade, recebe cerca de 1% do valor da energia gerada, mas as multas para quebrar o acordo são milionárias, muitas vezes ultrapassando o valor do imóvel.
“No semiárido, as propriedades são pequenas, de até 10 hectares. Se o sertanejo não assina o contrato, acaba ficando ao lado porque seu vizinho cedeu”, afirma a agricultora Roselita da Costa, 52, da cidade de Remígio, na Paraíba.
Os moradores de sua região, conhecida como Polo da Borborema, têm resistido às propostas de empresas de energia eólica, mas um grande parque está em construção a cerca de 35 km da casa de Roselita.
“Os olhos do mundo se voltaram para o semiárido porque temos sol e vento em abundância, mas, quando se fala em energia limpa, sempre é de uma maneira global, e não do ponto de vista do agricultor que está sofrendo as consequências. É um modelo agressivo e invasivo, que viola os direitos dos agricultores”, diz.
O QUE DIZ O SETOR
Segundo a Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica), o Brasil tem 1.139 parques eólicos, representando 15,2% da matriz energética brasileira. O setor perde apenas para as hidrelétricas, responsáveis por 51% da energia gerada no Brasil.
Para Elbia Gannoum, existe um “equívoco na narrativa” de que os parques prejudicam os agricultores.
“Pagamos R$ 2.000 por torre. Há pessoas com três torres na propriedade. Essa renda está aquecendo a economia das cidades do semiárido, tirando as pessoas do Bolsa Família, levando as crianças para a escola”, afirma.
Segundo ela, apenas 5% dos parques eólicos do Brasil têm problemas. “São instalações mais antigas, que seguiam outras normas de proximidade. Mas estamos trabalhando para resolver”, diz.
Já a energia solar representa 5% da produção, alcançando 4 milhões de pontos de consumo, segundo Barbara Rubim, vice-presidente do conselho administrativo da Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica).
A maior parte da produção do setor está concentrada em “usinas distribuídas”, ou seja, em pequenas propriedades.
“Já os grandes empreendimentos estão em territórios com baixa produção agrícola e pouca densidade demográfica”, comenta Rubim. “E as placas não geram o ruído da usinas eólicas, que tem sido o maior foco de reclamação dos agricultores.”
“O semiárido é com certeza uma região muito importante por conta de sua maior irradiação solar. E entendemos que o diálogo com as comunidades é essencial para encontrarmos maneiras de convivência com os agricultores”, afirma.
O repórter Leandro Machado viajou a convite da ASA
*LEANDRO MACHADO/folhapress
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