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O envelhecimento da população e a política de valorização permanente do salário mínimo devem tornar o cenário futuro da Previdência Social mais desafiador nos próximos anos, embora as projeções do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) indiquem uma trajetória mais benevolente a curto prazo.
As estimativas mais recentes do Executivo mostram uma queda nos gastos previdenciários como proporção do PIB (Produto Interno Bruto) até 2028, algo considerado improvável na avaliação de especialistas. Os dados estão apresentados no PLDO (projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2025.
A médio prazo, por sua vez, a despesa sai de 7,92% do PIB neste ano para 8,45% do PIB em 2040. Um patamar mais elevado do que o indicado na LDO de 2023, que era de 8,20% do PIB.
O cenário não chega a anular os ganhos da reforma da Previdência aprovada em 2019. Sem ela, o gasto do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) ultrapassaria os 12% do PIB em 2040.
No entanto, decisões políticas do atual governo preocupam especialistas pelo risco de aprofundar os desequilíbrios no futuro.
De um lado, o Executivo incorporou às estimativas oficiais cenários de economia de despesas com revisão de benefícios e digitalização de processos. Nos próximos quatro anos, a expectativa é poupar R$ 28,6 bilhões, mas os números são vistos com ceticismo.
De outro, a gestão petista tornou permanente a política de valorização do salário mínimo, com aumento real de acordo com o crescimento do PIB de dois anos antes. Cerca de dois terços dos benefícios da Previdência equivalem a um salário mínimo (hoje em R$ 1.412). Isso faz com que cada real adicional no piso tenha um custo extra de R$ 391,8 milhões para a União.
Apoiadores do governo petista avaliam que a ampliação dos benefícios do INSS é uma ferramenta potente para impulsionar o consumo e a economia como um todo. Especialistas fazem ressalvas e dizem que as despesas não só estão subestimadas mas seu ritmo de crescimento pode gerar problemas no futuro.
Os economistas Marcos Mendes, colunista da Folha, e Rogério Nagamine, ex-secretário do RGPS (Regime Geral de Previdência Social), calculam que o gasto efetivo do INSS será R$ 16,5 bilhões maior do que o previsto para 2024. Em 2028, a diferença chegará a R$ 30,5 bilhões. Os dados constam em relatório elaborado para a XP Investimentos.
Um dos motivos são as inovações no INSS, como a implementação do Atestmed para substituir a perícia médica presencial. O governo diz que elas poupam recursos, pois evitam o desembolso de valores retroativos, engordados por juros e correção monetária, mas elas estão, na verdade, impulsionando ainda mais a despesa.
No primeiro bimestre de 2024, foram concedidos 906,2 mil novos benefícios, um salto de 43,2% em relação a igual período do ano passado (632,7 mil). Os dados incluem aposentadorias, pensões, salário-maternidade e auxílio-doença.
O Executivo argumenta que o soluço no gasto é temporário, por regularizar benefícios que estavam artificialmente represados. Entre economistas, há o temor de que parte dessa tendência seja permanente.
“O governo está falando em controlar, que vai ter uma redução [da despesa] em razão desses ajustes, mas nos últimos meses está acontecendo exatamente o contrário. O auxílio-doença está explodindo”, avalia o economista Fabio Giambiagi, pesquisador do FGV Ibre e especialista em contas públicas.
Além disso, mesmo no quadro traçado pelo próprio Executivo, o crescimento do gasto da Previdência se dá em ritmo mais veloz do que o limite do arcabouço fiscal desenhado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda), alimentado pela valorização do salário mínimo que chegará a R$ 1.502 no ano que vem e a R$ 1.772 em 2028.
A consequência é um achatamento das demais despesas, como custeio e investimentos, repetindo um roteiro já percorrido sob o teto de gastos criado na gestão de Michel Temer (MDB). Elas caem de 2,1% do PIB neste ano para 1% do PIB em 2028, segundo o governo.
“Eu definiria a peça [do PLDO 2025] como tecnicamente constrangedora. O sistema político vai reagir diante disso”, diz Giambiagi.
Para ele, há uma contradição intrínseca entre a regra geral do arcabouço fiscal, que permite aumento real do limite entre 0,6% e 2,5% ao ano, e as regras do salário mínimo (atrelado ao PIB) e de aplicação mínima em Saúde e Educação (vinculada à arrecadação).
“Ou você cumpre com essas políticas específicas, e a regra [do arcabouço] não vai valer para o futuro, ou em algum momento será necessário mudar as regras específicas. Não há solução para as duas coisas ao mesmo tempo”, alerta o economista.
Interlocutores do Executivo reconhecem que a indexação da economia brasileira representa um desafio e será necessário tomar cuidado para que isso não comprometa a estratégia de ajuste fiscal. No entanto, não há hoje nenhuma discussão sobre desvincular as aposentadorias do salário mínimo.
A expansão das despesas com Previdência gera também um desafio pelo lado das receitas, já que é necessário manter uma fonte viável para financiar o déficit. Neste ano, o rombo do INSS deve alcançar R$ 268,2 bilhões (equivalente a 2,32% do PIB).
A projeção do governo é que o déficit deva cair a 1,82% do PIB até 2028, algo também visto como improvável pelos especialistas. Até 2040, porém, o rombo pode alcançar 2,64% do PIB.
O Congresso Nacional tem aprovado iniciativas que reduzem receitas da Previdência, como a desoneração dos municípios e de empresas de 17 setores, entre os quais o de comunicação, no qual se insere o Grupo Folha, empresa que edita a Folha. O benefício está suspenso por liminar no Supremo.
Há ainda uma pressão mais ampla para que o governo reveja a tributação sobre a folha, sob o argumento de que o encargo afeta negativamente a criação de empregos.
Sobre esse ponto, um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada) mostra que, em 81 países da Europa e das Américas, a contribuição sobre a folha é a principal fonte de financiamento da Previdência. Além disso, quanto maior a despesa com benefícios, maior a alíquota paga por trabalhadores e empregadores.
A cobrança fica em 24,09% na média dos países, já considerando as duas parcelas (patronal e do segurado). O Brasil está acima deste patamar, com uma alíquota total de pelo menos 28,5% (21% do empregador e ao menos 7,5% do trabalhador, percentual que aumenta conforme a faixa salarial).
“Não dá para ficar, de um lado, reduzindo contribuição sobre a folha e, de outro, aumentando despesa ou resistindo à redução da despesa”, alerta Nagamine, um dos autores do estudo, junto com Mário Magalhães, especialista em políticas públicas.
Defensores da redução dos encargos sobre a folha argumentam que o tributo coíbe a maior geração de empregos tese semelhante é defendida pelo ex-ministro da Economia Paulo Guedes.
Nagamine contesta e diz que a informalidade elevada no Brasil não é resultado único e exclusivo de uma alíquota alta de contribuição sobre a folha de pagamento, mas também da baixa qualificação e escolaridade de parte dos trabalhadores.
“Quando altera a alíquota sobre a folha, isso pode afetar também os salários e o lucro das empresas. Tem que ter clareza de que não afeta só o emprego formal”, diz o pesquisador.
Ele destaca que uma das preocupações em relação ao equilíbrio da Previdência no futuro reside no MEI (microempreendedor individual). A modalidade já representa 10% dos contribuintes da Previdência no país, que terão direito a uma aposentadoria de um salário mínimo. Suas contribuições, porém, respondem por apenas 1% da arrecadação do regime geral.
A avaliação de Nagamine é que o regime tributário simplificado ficou grande demais e fragilizou a base de arrecadação do INSS.
“O Congresso tem projetos que só ampliam o MEI, seja no faturamento, seja nas ocupações [habilitadas]. Tem um agora que deixa qualquer ocupação, exceto de alto risco. Ele precisa ser reestruturado e ter algum critério, alguma forma de restringir para trabalhadores que realmente sejam de baixa renda”, alerta.
* IDIANA TOMAZELLI (BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
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