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Jornalista, Pós-Graduada em Comunicação Educacional, Gerente de Negócios das marcas Natura e Avon.
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Obviamente que não lembro da redação na íntegra daquela história que contei semana passada na homenagem aos professores, mas embasada em retalhos de memórias tento recriar, a pedido de muitos leitores, aquele texto.
Vamos viajar comigo?
Aquele dia, o dia em que a vida se dividiu entre “antes” e “depois”, que começou de forma tão comum e normal de cidade pacata do interior. Mas o coração que não era. Na calçada, éramos um quadro de amor e apreensão: minha mãe, forte como um rochedo, rodeada por nove corações miúdos e mais um crescendo em seu ventre, vendo a esperança se afastar na boleia de um caminhão.
Aquele veículo, que levava o que restara de uma vida, os restos da fábrica de calçados em caixotes de madeira, e a promessa de um futuro, tinha como destino Brasília, a nova Capital Federal, o lugar onde, diziam, os sonhos finalmente se realizavam. À medida que a silhueta de meu pai sumia na estrada, era como se levasse consigo um pedaço da nossa luz.
Os dias, então, se tornaram perguntas. Por que ele não chegava? Por que tanta demora? A espera era uma areia movediça: os dias se arrastavam, os meses pesavam, e logo se transformaram em anos. E no peito, a saudade se instalou, uma dor profunda, mas que era também o elo que nos mantinha ligados.
Toda noite, eu me agarrava à certeza dos sonhos. Sonhava com a sua chegada, com o calor do seu abraço, uma linda cura que eu bem conhecia. A saudade tinha a forma das pequenas ternuras: do carinho com o qual ele pedia o cafuné na careca, enquanto cochilava na cadeira de macarrão depois do almoço. Inesquecível o perfume da maçã argentina que ele, sempre atencioso, me comprava em Rafael, embalada naquele papel seda roxo que era, para mim, a coisa mais linda e saborosa do mundo. Sempre guardava esse papel com seu cheiro inebriante.
O despertar era a parte mais difícil, pois trazia consigo a decepção de saber que o sonho ainda não era real. A saudade, contudo, morava também nas memórias mais doces e singelas: do seu leve toque nas madrugadas frias, apertando os lençóis em volta dos nossos pés para nos aquecer. Do cheiro inconfundível de sua loção de barbear, de sua elegância natural, do brilho divertido de seus olhos verdes quando recebia a visita do fotógrafo, com uma nova foto lambe-lambe para pagar. E o aperto de mão? Poucos tinha coragem deste cumprimento, diante de sua força descomunal capaz de quebrar uma mão em um simples aperto.
Quatro longos anos se passaram. Até que um dia, na casa da minha tia na Rua D’Areia, o universo pareceu conspirar. Uma amiga, sabendo do desejo que me consumia, chegou correndo e gritou a notícia que parou o meu mundo: “Teu pai chegou!”
Soltei tudo o que segurava. A rua, que era de areia e enladeirada, ajudou a impulsionar o corpo, mas o coração ia mais rápido que as pernas. Eu caí, me cortei, me esfoliei, mas levantei sem nem sentir a dor, impulsionada pela pura força do desejo de abraçar meu pai para acreditar que era ele.
Ver meu pai em casa parecia um milagre, um sonho tão vívido que, por um instante, implorei a Deus para não acordar. Mas eu já estava acordada. Ele estava ali, vivo, mais bonito e forte do que eu lembrava. E mesmo comigo ferida e suja, ganhei o melhor abraço, e melhor ainda, com o mesmo amor incondicional de sempre.
Naquele dia, a saudade de quatro anos finalmente se rendeu, transformando-se na mais doce e esperada das presenças. Uma história que nos ensinou que o amor verdadeiro sempre encontra o caminho de volta.
Naquele dia, a saudade de quatro anos finalmente se rendeu, transformando-se na mais doce e esperada das presenças.
Quando seus braços me envolveram, todo o tempo perdido se desfez e o silêncio dos dias sem ele se esvaiu. Aquele abraço não era só reencontro; era renascimento.
E hoje, sempre que o vento sopra e traz o cheiro distante da maçã argentina, sinto outra vez o mesmo calor. Porque há amores que o tempo não leva, apenas amadurece.
Meu pai não ficou na estrada, nem preso na lembrança. Ele vive em mim, no jeito de olhar o mundo, no gesto simples de apertar as mãos com firmeza, na coragem de recomeçar mesmo quando tudo parece longe demais. E a saudade, que antes doía, virou presença. E o amor, aquele amor de pai e filha, descobriu o que sempre soube: ninguém se perde quando o coração é quem chama. E quando ele atende, até o tempo se ajoelha diante da eternidade.
Atenção: Os artigos publicados no ParaibaOnline expressam essencialmente os pensamentos, valores e conceitos de seus autores, não representando, necessariamente, a linha editorial do portal, mas como estímulo ao exercício da pluralidade de opiniões.
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