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Benedito Antonio Luciano

Benedito Antonio Luciano

Professor Titular aposentado do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

Sobre a Serra do Navio e a Abissínia

Por Benedito Antonio Luciano
Publicado em 30 de outubro de 2024 às 7:47

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Em 11 de agosto de 1993, foi publicado no Diário da Borborema, jornal impresso editado em Campina Grande-PB, um artigo de minha autoria intitulado “Abissínia na diáspora”.

No referido artigo, baseado em relatos do meu pai sobre os habitantes da Serra do Navio, em Coremas-PB, na região do Sertão, e de moradores da “Abissínia”, comunidade estabelecida na cidade de Boa Vista, na região do Cariri paraibano, levantei a hipótese de correlação entre esses remanescentes quilombolas e seus ancestrais africanos, pois Abissínia era o nome da atual Etiópia e Navio poderia ser uma alusão ao Navio Negreiro.

Sobre a Serra do Navio, meu pai relatou que no tempo em que era solteiro e residia em Coremas, costumava dançar forrós (sambas) naquela comunidade. Segundo Edvaldo Brilhante da Silva Filho, em seu livro “Manual do Coremense”, “a Serra do Navio de Coremas corresponde a uma região acidentada da Serra Santa Catarina, próxima do boqueirão feito pelo Rio Aguiar, onde hoje se encontra a Barragem de Mãe D´água”.

Meu pai e minha avó eram afrodescendentes. Ele nasceu em Mauriti-CE, e ela eu não sei onde nasceu. Sei apenas que eles vieram morar em Coremas para trabalhar no DNOCS durante o período de construção da Barragem de Mãe D´água, entre 1943 e 1957.

A hipótese da relação entre os antigos habitantes da Serra do Navio de Coremas e aqueles da “Abissínia” de Boa Vista se fortaleceu na minha mente quando, em 8 de agosto de 1993, ciceroneado pelo Professor Paulo de Almeida Pinto, entrevistei moradores daquela comunidade, entre eles o Sr. Geraldo Benedito do Nascimento, conhecido como Quixabeira, filho de Manoel Relâmpago, o sertanejo pioneiro que se estabeleceu em Boa Vista, em 1915, fugindo da seca que assolava Sousa, cidade do Sertão paraibano, de onde veio acompanhado da esposa e quatro filhos.

Assim, estabeleci um possível elo entre a origem dos habitantes da Serra do Navio de Coremas, conhecidos como negros da “Abissínia”, e aqueles da “Abissínia”, em Boa Vista, no Cariri paraibano, pois, eles tinham em comum, a cor da pele, as moradias feitas de taipa e cobertas com palhas, e os casamentos entre membros da mesma família, constituindo uma comunidade socialmente fechada, que não permitia casamento fora dela.

Em termos de subsistência, eles praticavam a pesca artesanal, a caça e a agricultura rudimentar com plantações de feijão, milho, jerimum, arroz e batata. Eram pobres, com famílias numerosas. Para obter algum dinheiro e ajudar no sustento, eles fabricavam utensílios de barro e de palha que vendiam nas feiras e nas redondezas das cidades.

Das conversas com meu pai e com as pessoas com quem entrevistei na “Abissínia” de Boa Vista, pude constatar que os antigos moradores falavam a língua portuguesa e não conheciam nenhum dialeto africano, o que é um forte indício de que esses afrodescendentes estavam no sertão paraibano há muitas gerações.

Depois dessas conversas e de ler o “Manual do Coremense”, pesquisei na internet e não encontrei nenhuma publicação que apresentasse respostas científicas para as dúvidas que até hoje mantenho sobre a hipótese por mim estabelecida: Qual a origem da denominação Serra do Navio? Como e por que os primeiros habitantes se estabeleceram naquela região?

Face ao exposto, acho que este seria um bom tema para ser explorado por pesquisadores das denominadas “ciências humanas”. Contudo, sei que muitos preferem se ocupar com temas globais e negligenciam aqueles relacionados à própria aldeia.

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