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Edjamir Sousa Silva

Edjamir Sousa Silva

Padre e psicólogo.

Renunciar à velha lógica

Por Edjamir Sousa Silva
Publicado em 23 de fevereiro de 2025 às 20:00

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A história da humanidade está profundamente marcada pela violência. A Liturgia da Palavra nestes dias nos levou ao Livro do Gênesis quando, diante de um relato de violência, Deus perguntava: “onde está o teu irmão? (…). O sangue do teu irmão clama por mim” (Gn 4, 10).

A narrativa bíblica da história da salvação, desde o Gênesis, traz inúmeros história de violência na cultura do povo de Deus que é fruto da mentalidade do “olho por olho, dente por dente” (cf. Ex 21, 24/ Lei do Talião). Mas, a pesar de tantas histórias, não mudamos essa lógica.

Na 1ª Leitura (1Sm 26,1.7-9.12-13.22-23) encontramos uma emboscada contra Saul: “Deus entregou hoje em tuas mãos, o teu inimigo. Posso cravá-lo em terra com uma só lançada, sem precisar repetir”. O militar Absai, aproveitando as vantagens que tem no uso do poder, quer matar Saul, pessoa que ele considera oposição. Assim, são os que usam o poder de forma errada. Observem que Absai ainda coloca Deus no meio de uma rixa. Na sua concepção, Deus permite arapucas para que a vingança seja cumprida até morte. A HISTÓRIA SEMPRE SE REPETE.

Davi recruta, dizendo: “não o mates, pois quem poderia erguer a mão contra um ungido do Senhor e ficar impune (…). o Senhor retribuirá cada um segundo a sua fidelidade”.

A cena põe em evidência que Davi poderia matar Saul, mas ele não age segundo a maldade de seu oponente. A maldade do outro não molda os sentimentos de Davi. Cada um dá o que tem dentro de si: uns o ódio e a violência, outros a misericórdia e a paz.

Davi age como um ungido de Deus, pois esse teve os mesmos sentimentos Do Senhor descritos pelo salmista: “O Senhor é compassivo e clemente, lento para a ira e rico em misericórdia. Ele não age conosco seguindo as nossas iniquidades” (Sl 11(12), 2-3. 4-5. 7-8a). DEUS É TODO AMOR.

Na 2ª Leitura (1Cor 15, 45-49), o assunto neste capítulo é a ressurreição. O primeiro homem (Adão) é um ser vivente (cf. Gn 2,7) o último Adão/Adão escatológico (Cristo) é o Espírito que dá a vida. Ele não só tem vida, mas também dá a vida. Ele participa do ser de Deus que dá a vida.

O homem animal (apenas dimensão humana) é chamado a ser o homem pneumático (que tem o sopro de Deus) para dar vida. O primeiro (Adão) era terrestre; o segundo (Jesus) vem do céu. Antes de Cristo tínhamos a marca do homem terrestre; agora, em Cristo, temos a marca do celeste. Há uma existência ressuscitada em nós onde o novo Adão nos inaugura ao Reino Celeste.

E como saber se somos um novo Adão (Homem celeste)? Vamos ao evangelho de hoje…

No evangelho de hoje (Lc 6, 27-38). Depois do discurso das Bem Aventuranças, que ouvimos semana passada, onde Jesus “exalta os que sofrem”, mas chama a atenção os que fazem o mau: “ai de vós os ricos” (Lc 6, 24s) e os que aplaudem estes, como “aplaudiram os falsos profetas” (v.26), Jesus continua seus ensinamentos: “A vós, porém que me ouvis, eu vos digo”. (Lc 6, 27s).

Escutemos a exortação: “Amai os vossos inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam, abençoai os que vos amaldiçoam e orai por aqueles que vos caluniam”. São quatro imperativos. Não basta só não pagar o mau com o mau, mas ter atitudes proativas indo para a escuridão com lâmpadas nas mãos.

A exortação “dar a face” só pode ser compreendida dentro de um contexto mais amplo, onde uma pessoa que tem um coração tamanho de bondade que não permite ser vencida pela mesquinhez, agressividade, maldade do outro, A bondade desmonta o agressor. A maldade só se afirma no meio de pessoas que se alimentam do ódio.

“O que quereis que os outros vos faça, fazei vós também” (cf. Lc 6, 31. Mt 7, 12). O justo torna o critério justo. Não é que para mim deve ser dada a misericórdia e ao outro a justiça punitiva.

Há outra sequência de ensinamentos de Jesus que diz: “se você ama só aquele que vos ama, que gratuidade terá? Assim, também fazem os pecadores”. Jesus nos pede para agir com gratuidade. Para nós isso é gigante, é necessário um transplante de coração. Só um coração novo entende Jesus. Dispensar esses ensinamentos é dispensar o caminho de Jesus. A grande recompensa é ser filho do Altíssimo.

Parece ser um feixe pesado que Jesus esteja a pedir que carreguemos, não é mesmo? Parece que Jesus está a pedir aos seus discípulos que assumam uma atitude passiva que colabore com todo o tipo de injustiça e a opressão? Claro que não. Mas está a ensinar que, quando confrontados com a maldade, não devem apenas evitar responder na mesma moeda, mas devem também fazer tudo o que estiver ao seu alcance para inverter a espiral de ódio e violência que destrói as relações e o próprio tecido social.

A gente aprende de Jesus que um coração generoso sinaliza o quando há de coisa bem resolvida dentro dele: Graça e paz. Isso é tão genuíno que é o novo do evangelho. O cristão deve imitar a Deus no relacionamento com os outros. A força criativa do amor põe em movimento os grandes dinamismos de nossa vida. Só Deus pode, em sua misericórdia, liberar em nós as melhores possibilidades, riquezas escondidas, capacidades e fazer-nos descobrir o que há de melhor dentro de nós.

O texto termina dizendo: “Não julgueis e não sereis julgados, não condeneis e não sereis condenados”. Essa recompensa não vem dos homens, mas de Deus. Só ele tem todos os elementos de cada pessoa para poder compreender porque a pessoa é assim.

Às vezes, pessoas feridas assumem um posto liderança e acabam massificando todo um contexto social dentro de uma perspectiva de ódio e vingança. Alguns até como o general Absai (1ª leitura) usam o nome de Deus para cometer crimes em vista de se perpetuar no poder. Lembre-se que “com a mesma medida com que medirdes serás medido”.

O século XXI continua a alimentar conflitos e guerras desumanas, numa espiral de violência e ódio que passa de geração em geração que parece não ter fim. Ainda mais, paira sobre o mundo o espectro de uma guerra nuclear com novas e antigas motivações: política, economia, religião, domínio.

Muitos que desejaram ver e colaboraram para uma sociedade mais humana, hoje estão repetindo a canção: “Minha dor é perceber que a pesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos como nossos pais” (Elis Regina, Como nossos pais). Outros, diante destes velhos problemas, parecem não ter compromisso com o novo, pois ainda acreditam que a violência é o caminho para fazer nascer um mundo mais justo.

Não esqueçamos que nossa vida está enraizada em Cristo (Novo Adão): “A ninguém paguei o mau com o mau.

Empenhai fazer o bem para de todos. Na medida do possível vivam em paz com todos (…). Pelo contrário, se teu inimigo estiver com fome, dai-lhe de comer; se estiver com sede, dai-lhe de beber. Assim, estarás amontoando brasas sobre a cabeça dele” (Rm 12,17-20). Dê a chance do outro pensar em fazer o bem. Vença o mal fazendo o bem.

Graça e paz

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