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Membro da Academia de Letras de Campina Grande e procurador de justiça aposentado.
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Tratavam-no por Mago, nos primórdios. E assim continuaram lhe chamando nos anos que se sucederam, de gordura escassa e de graúdas surpresas.
Vindo da prosperidade familiar do comércio e prensagem de algodão de Campina Grande, logo cedo saiu do ramo e partiu linearmente para a luta, bancando artes marciais, e de quebra, a exibição de hipnotizadores de rua, atuando, em seguida, no mercado do crédito cooperativo.
Eventuais reveses não lhe derrubaram o ânimo e tampouco o sucesso lhe afetou a simplicidade, embora eleito, em 1975, deputado estadual na Paraíba, em 1976, prefeito de Campina Grande — a metrópole do interior do Nordeste. Isso, por enquanto, na quadra cinza da ditadura de 1964, à sombra dos políticos do grupo da Várzea da Paraíba, a que pertencia o seu sogro, o usineiro, senhor de extensos canaviais e terras, Agnaldo Veloso Borges.
Nesse período de civismo decepado, ninguém se lembrou de acusa- lo de fascista ou reacionário, pois ele permanecia tão só o Mago Enivaldo, filho de Sindô Ribeiro e de Áurea Moura Ribeiro. Unicamente e só, sem lambança ou afetação.
Como prefeito de Campina Grande, construiu o Distrito dos Mecânicos (central de oficinas mecânicas), o Shopping Center, Cinema I e Cinema 2, rasgou avenidas e asfaltou dezenas de ruas— dentre outras obras.
Tendo adotado o silêncio útil como discurso político, mesmo assim, nas horas vagas e nas preenchidas, falando sobre o que quer falar, mesmo quando não quer — ou quando ninguém deixa ou não quer ouvir — é pai de uma senadora e de um deputado federal, e por precaução, avô do vice- governador da Paraíba.
Uma manhã, quando prefeito de Campina Grande, o Mago Enivaldo levou um gringo ao Calçadão do Café São Braz, nem ligando que fosse o empresário norte-americano, Roberto Mac Nammara, presidente do Banco Mundial, e que antes fora Secretário de Defesa dos Estados Unidos, de 1961 a 1968, durante as presidências de John Kennedy e Lyndon Johnson.
Amigo do coronel Mário Andreazza, prestigiado ministro dos Transportes durante o regime militar, nos governos Costa e Silva e Médici, Enivaldo Ribeiro tinha trânsito livre nos gabinetes estatais, em Brasília, nas suas buscas por recursos para Campina Grande.
O nosso “kamarada” Paulo do Pandeiro Araújo, do politburo do PC local, enorme figura humana, atualmente em “kamaradagens” celestiais, era seu amigo. O antigo gerente de uma sua cooperativa de crédito, atravessando um profundo fosso ideológico, no fastígio do golpe, dava-se a certas intimidades, por sinal arriscadas:
Aos trancos e barrancos, tanques e barracas de campanha, a promulgação da lei da anistia, em 28 de agosto de 1979, anunciava o começo do fim do arbítrio institucional. O Mago Enivaldo não perdia tempo, que para ele estava se esgotando como prefeito de Campina Grande.
Por assim, em 1982, no último ano da sua gestão, foi desapropriada determinada área conhecida como Coqueiros de Zé Rodrigues, a jusante da barragem do Açude Novo, onde, em outros tempos, corriam as águas do sangradouro do reservatório que mitigou bastante a sede dos campinenses, em instantes de sua trajetória.
Na área expropriada, o prefeito Enivaldo Ribeiro mandou construir um enorme e rústico pavilhão para o arrasta pé das festas de São João, o santo do povo nordestino.
Costume antigo por estas bandas, quem não era o pai da obra logo a batizou de Palhoção, privando o Mago de lhe por um nome de seu agrado, que poderia ser até de um familiar.
Diga-se de passagem, se assim tivesse feito, não seria novidade na paróquia, posto que alguns outros já haviam colocado o próprio designativo em feitos com o dinheiro público.
Ao lado disso, quando dessa forma fez e procedeu, o Mago Enivaldo estava lançando as sementes do que seria mais tarde conhecido por Parque do Povo, o templo do forró nordestino.
Anteriormente, no mesmo local, haviam instalado um salão de danças juninas. O autor da façanha era o eficiente comunicador social ambulante, Zé Américo II, proprietário de um sistema de som instalado no espinhaço de uma caminhonete Ford 29. Ele exercia também os ofícios de candidato vitalício a vereador, escritor, sanfoneiro executor de xotes, baiões e outras vítimas.
O salão era uma estrutura tosca, chão de barro batido, coberto de palha, mas alegria dos usuários. Nas redondezas despontavam a barraca de Chico Companheiro, o churrasco de Joana de Apolônio, o picado de Severino Pintor e outros mais beneméritos quiosques.
Pois não é, quando o prefeito e faraó do povo, Ronaldo Cunha Lima
—e sua famosa pirâmide — lançou-se à tarefa de consagrar Campina Grande como a personificação do Maior São João do Mundo, o Palhoção de Enivaldo Ribeiro ainda estava lá, plantado nos Coqueiros de Zé Rodrigues, talvez como frágil monumento à alegria do povo. Porém estava lá, como estampa do autoritarismo esgotado.
E não é que tocaram fogo no Palhoção! Acusaram os bajuladores (coisa difícil de achar por aqui) do novo prefeito pela incineração do dinheiro público. Diziam que o incêndio era para transformar em cinzas a memória do último prefeito — ou mesmo para aquecer o ego do novo gestor.
O que é certo é que foi feita rigorosa investigação, a cargo do agente da Polícia Civil, Manoel Veloso, espantalho da esquerda na época da repressão, a fim de se apurar a responsabilidade penal pelo dano ao erário.
Então, com a restauração da ordem democrática, não mais os comunistas seriam responsáveis exclusivos pelas mazelas do mundo, principalmente pela transformação do Palhoção em fogueira, o que facilitava as atividades investigatórias do agente.
A lista dos suspeitos, que era longa, foi diminuindo, no embalo de insuspeitados fatores supervenientes.
Afastados da relação dos possíveis culpados os eleitores do último pleito — acordo entre os chefes antagônicos —, depois de exaustivas diligências, prisões numerosas, restou como provável autor do incêndio do Palhoção, Zé Américo II, por conta de ter motivos para a prática delituosa, na ótica do agente policial, Manoel Veloso.
Na verdade, Zé Américo II havia sido privado de importante fonte de renda episódica, que era o seu salão de danças, pois fora obrigado a demoli-lo quando da construção do Palhoção. Ele havia acertado, porém, como uma espécie de compensação informal pela perda sofrida, a fazer a propaganda das obras da administração que findava, prática comum naquele instante histórico.
Impõe-se recordar, o apelido Zé Américo II era por conta da sua semelhança com o intelectual, escritor, político, candidato à presidência da República, jurista e administrador público, José Américo de Almeida, sendo que os traços fisionômicos comuns consistiam no fato de ambos usarem óculos de lentes de “fundo de garrafa”, apropriadas aos portadores de miopia de grau elevado, acrescidos de outra parecença: a falta de boniteza de ambos.
Sucede, Manoel Veloso podia ser acusado de carrasco de subversivos e perseguidor de suspeitos de subversão, jamais de corrupto: o dinheiro público gasto na investigação teria que ser justificado pelo indiciamento de um autor, como ele entendia, baseado nas práticas do passado recente. Não podia existir um crime sem um criminoso. Qualquer um servia, como haviam lhe ensinado os veneráveis e honrados integrantes membros do aparelho de segurança nacional, os puritanos do Doi-Codi e outros mais.
Nem tudo estava perdido. Os arquivos secretos dos órgãos responsáveis pela segurança nacional registravam um grande incêndio ocorrido no ano de 64, na capital romana, que a incinerou por inteiro.
De acordo com a mídia dos sobreviventes opositores do Imperador Nero Cláudio Cesar Augusto, fora ele que ordenara o sinistro, ao tempo em que dedilhava as cordas de uma lira.
Por essa quadra a polícia descobriu que Zé Américo II havia sido batizado e registrado em cartório da cidade de Bom Jardim-Pernambuco, como José Nero de Lucena.
Ora, se o antigo Nero incendiou Roma tocando lira, por que o Nero de Campina Grande, que tocava sanfona, não incendiou o Palhoção? E ele que puxava fogo quando tomava umas e outras, de lei.
E assim— desta forma—, José Nero de Lucena, vulgo José Américo II, foi indiciado nas penas da Lei de Segurança Nacional, como indigitado autor do incêndio do Palhoção do Mago Enivaldo Ribeiro, evitando, desta forma, a consagração da impunidade.
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