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Edjamir Sousa Silva

Edjamir Sousa Silva

Padre e psicólogo.

Palavras que libertam

Por Edjamir Sousa Silva
Publicado em 2 de março de 2024 às 21:55

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Domingo passado a Palavra de Deus nos levava ao essencial da nossa fé: “Este é o meu Filho amado, escutai-O” (Mc 9, 7).

OUVIR/SHEMÁ A DEUS É O PONTO E A BASE DA ESPIRITUALIDADE. Diz o profeta: “Acaso tem o Senhor tanto prazer em holocaustos e em sacrifícios quanto em que se obedece à sua Palavra” (1Sm 15, 22). O salmista canta: Conservei no coração vossas palavras, a fim de que eu não peque (…). Minha alegria é a vossa aliança, meus conselheiros são os vossos mandamentos.” (118(119),11. 24). O convite à escuta culmina com Jesus, o Filho de Deus, nos dizendo: “ouvistes o que foi dito, eu, porém, vos digo!”(Mt 5, 17-37).

A liturgia neste 3º Domingo da Quaresma (Ex 20,1-17/Sl 18(19),8.9.10.11 (R. Jo 6,68c)/ 1Cor 1,22-25/ Jo 2,13-25) põe no centro dois fundamentos da identidade do judaísmo: a Lei e o templo.

Na primeira leitura (Ex 20,1-17) estamos em um dos textos mais importantes do Antigo Testamento, o Decálogo. O texto se inicia afirmando que Deus “pronunciou todas estas palavras” (v. 1). Não se fala em “mandamentos”, mas “palavras”.

O papa Francisco, na catequese sobre o Decálogo (22/06/2018), sublinhava exatamente essa dimensão: “Que diferença existe entre um comando e uma palavra? O comando é uma comunicação que não requer o diálogo. A palavra, ao contrário, é o meio essencial do relacionamento como diálogo. Deus Pai cria por meio da sua Palavra (cf Gn 1-2), e o seu Filho é a Palavra que se fez carne (cf Jo 1, 1-14). O amor alimenta-se de palavras, como também a educação ou a colaboração. Duas pessoas que não se amam não conseguem comunicar-se. Quando alguém fala ao nosso coração, nossa solidão acaba. Recebe uma palavra, verifica-se a comunicação, e os mandamentos são palavras de Deus: Deus comunica-se nessas DEZ PALAVRAS e aguarda nossa resposta”.

AS DEZ PALAVRAS entregues a Moisés são inauguradas com a recordação da identidade de Deus: “Eu sou Javé, seu Deus, que fiz você sair da terra do Egito, da casa da escravidão” (Ex 20, 2). Se quiserem responder à Aliança não pode esquecer a identidade de Deus (libertador). Quando se esquece a identidade de Deus, corre-se o risco de e manipula-Lo.

AS DEZ PALAVRAS (A lei de Israel) deve ter no centro a vida e a liberdade, ao contrário da escravidão vivida no Egito. É um salto da submissão à liberdade: a proibição da idolatria (v. 3-6), de pronunciar o nome de Deus em vão (v. 7), o respeito ao dia santo (v. 8-11), honrar pai e mãe (v. 12), não matar (v. 13), não cometer adultério (v. 14), não roubar (v. 15), não levantar falso testemunho (v. 16) e, por fim, a proibição da cobiça: a casa e a mulher do próximo nem seu escravo, nem sua escrava, nem seu boi,
nem seu jumento, nem coisa alguma que lhe pertença (v. 17).

O DECÁLOGO (AS DEZ PALAVRAS) é um itinerário que conduz na direção de uma vida mais digna, que estabelece relações verdadeiras, livres e amorosas.

O Evangelho (Jo 2,13-25) deste Domingo nos leva ao Templo de Jerusalém para a festa da Páscoa. Nesse dia santo o povo recordava a libertação do Egito. A cidade de Jerusalém ficava repleta de peregrinos. Jesus estava no templo e “fez um chicote de cordas” (v. 15). Ao expulsar os vendedores e os cambistas, espalhar as moedas e derrubar as mesas, disse: “Não transformem a casa de meu Pai num mercado” (v. 16).

Eis que o Verbo Encarnado (Jo 1,14) começa a refazer todas as coisas pela força da sua Palavra: “Não transformem a casa de meu Pai num mercado” (2, 16). Aqui se cumpre a profecia de Zacarias: “Naquele dia, não haverá mais nenhum comerciante na casa do Senhor” (14, 21). Esta profecia já colocava em evidencia um pecado que se estenderá séculos (e milênios) seguintes nos desafiando a responde a questão: em que melhoramos?

Zacarias (520 a.C) é o penúltimo profeta do Antigo Testamento. Além da profecia da purificação do templo, ele também fala do Messias entrando na cidade santa montado num jumentinho (9-14), como bom pastor 11, 4-7. 13, 7-9) e traspassado ((12, 9-14).

Desde o inicio da Quaresma temos sido exortados à necessidade de purificar, pela Palavra, algum aspecto da nossa espiritualidade: da exterioridade a interioridade (Mt 6, 1-6.16-18), o coração (Mateus 18,21-35), o falso jejum (Mt 15, 3. 23), a qualificação do hoje (Mc 1, 15a), o essencial dos mandamentos (Marcos 12,28b-34) o culto (Gn 22,1-2.9-13. 15-18/Sl 39(40) e a relação com o decálogo e o templo (Ex 20,1-17/ Jo 2,13-25).

Em nosso país, tramita uma emenda constitucional (PEC 5/2023) que estende a isenção tributária de igrejas e templos religiosos. É uma proposta encabeçada pela chamada bancada da Bíblia com o intuito de dar imunidade tributária a grupos que “não tem fins lucrativos”. A Constituição de 1988 ao mesmo tempo em que considera o Brasil um estado laico, também isenta de certos tributos às igrejas e templos que tenha relação de beneficio com a população: as Santas Casas, as Universidades/Faculdades, as Casas de Acolhimento e Abrigos, as paróquias entre tantos serviços que, sem as finalidades lucrativas, servem aos cidadãos brasileiros.

PORÉM, a sensatez profética da Palavra de Deus e os sinais dos tempos denunciam o uso incorreto e abusivo por parte de “pessoas do templo”, o enriquecimento ilícito, ostentativo e desumano por parte de lideranças religiosas que não tem princípios éticos e evangélicos, apenas ambição.

É corriqueiro ouvir, no meio do povo, que os lideres religiosos estão se tornando mercenários e enfraquecendo a Boa Nova do Evangelho (cf Mt 6, 24.). O status quo já não é mais discípulos servidores da Palavra, mas empresários da fé.

Não precisa ser um especialista para perceber que neoliberalismo e religião estão ficando cada vez mais de mãos dadas e associados pelo fascínio do autoritarismo tem se tornado um julgo pesado para um povo que deveríamos lutar pela vida, dignidade e sua liberdade. MAS, TALVEZ NÃO SEJA ESSE O ENCANTAMENTO DE MUITOS OPORTUNISTAS.

A teologia paulina considera Cristo como Cabeça da Igreja. De lá (Cristo/ Cabeça) provém a vida para o todo corpo (a Igreja/Humanidade). Na teologia de muitas igrejas os benefícios da graça de Deus (que deveria produzir vida para todo corpo) são restritos aos privilegiados (tidos pela meritocracia). O que o neoliberalismo chama de “propriedade privada” a religião chama de “ungidos”.

No Corpo de Jesus, humano como nós, estamos todos. Não se comunga de Jesus (cabeça) sem que se comungue do corpo (todos nós). E nesse corpo SOMOS TODOS IRMÃOS. Sua Palavra Libertadora é a Nova Aliança de Amor. O anúncio do Evangelho passa por essa purificação/conversão DE TODAS AS ESTRUTURAS.

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