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Edjamir Sousa Silva

Edjamir Sousa Silva

Padre e psicólogo.

O amor é a gramática da cruz

Por Edjamir Sousa Silva
Publicado em 16 de março de 2024 às 21:49

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Estamos cada vez mais perto da celebração da Ressurreição de Jesus. E a dinâmica pascal, com o fulgor de sua Luz, começa a chegar dentro de nós como os primeiros raios de um novo dia/tempo. Somos atraídos para além do madeiro da cruz, mas pela espiritualidade do amor que nos faz também ressuscitar dentro de um mundo cheio de idolatrias, desamores e indiferença.

A liturgia da Palavra do Tempo da Quaresma nos colocou diante das histórias de Israel que configuraram a Antiga Aliança (personagens como Noé, Abraão, Moisés e as crônicas de Israel que recolheram muitos personagens e situações), mas também a liturgia nos colocou dentro do contexto da Nova Aliança, em Jesus Cristo.

No processo de conversão é fundamental entender que “O Antigo Testamento deu ao Novo seu lugar” (S. Tomas de Aquino). Numa época como a nossa em que se recuperam doutrinas do AT para justificar posturas anacrônicas; em Jesus Cristo, é importante lembrar esse movimento de passagem do AT ao NT como convite a conversão: “Convertei-vos e crede no evangelho” (Mc 1, 15).

Há dois domingos, refletimos sobre o Decálogo, “As dez Palavras” deixadas por Deus a Moisés para organizar o povo de Israel no caminho da liberdade. Na 1ª leitura de hoje escutamos o profeta Jeremias (31,31-34) anunciando que Deus fará uma “nova aliança” (v. 31). A primeira estava escrita em pedra, mas a nova será escrita “no coração” (v. 33). E como será escrita no coração, há uma nova perspectiva…

INTERESSANTE que o profeta vem falar de Aliança baseada na intimidade de um coração puro como canta o salmista (cf Salmo 50 (51)). Ele que descreveu ser conquistado por Deus ainda no ventre de sua mãe. São os caminhos da interioridade e de uma religião autêntica.

Entendida pelos profetas, a lei do amor é uma experiência na “carne”: “Darei a vocês um coração novo (…), tirarei o coração de pedra e darei um de carne”. A Lei não é entendida na repetição de piedosas palavras (cf. Mt 6, 7-14), nem de sacríficos ou holocaustos (cf. Sl 51, 16-17. Mt 9, 13).

Uma contribuição interessante sobre isso nos vem da psicanálise, pois, segundo Freud, a “repetição” tem um caráter compulsivo que está ligado a uma pulsão de morte, isto é, de afetos onde a dor é a única matriz possível de sentir e, por isso, uma tendência que levaria à eliminação de qualquer possibilidade de coisas novas, de uma vida pulsante.

A Igreja não pode ser um centro de conservadorismo que enrijece a vida das pessoas ofuscando aquilo que de tão belo há dentro delas e demonizando qualquer tipo de reflexão possível sobre a condição humana (seus afetos, sua cultura, sua linguagem, suas vivencias, seus sonhos, sua maneira de estar e expressar sua existência). Ninguém cabe dentro de um rigorismo doutrinal.

Na teologia do evangelho uma lei que não dialoga com a vida, que não se compromete com a libertação do ser humano, ela está superada e, com ela, seus gurus.

Ao dizer que a lei de Deus é escrita no coração humano, estamos dizendo que em cada pessoa há uma semente do divino, e cada um é convidado a partilhar com o mundo as experiências e os sinais do amor de Deus. A nova aliança põe no centro o ser humano.

A 2ª leitura da Carta aos Hebreus (5, 7-9) apresenta um Jesus humano, fragilizado pelas potestades humanas, modelo para uma igreja nascente que também experimenta a fragilidade, mas convidada a fixar seu olhar em Jesus.

O Filho de Deus participou da mesma condição humana, por isso seu sacrifício é perfeito. Não teve medo ou apego a si mesmo, pois a vida do evangelho (da Nova e Eterna Aliança) requer passar do “eu” para um “nós”: “quem tem apego à sua vida vai perdê-la” (Jo 12,25). Esse movimento do coração do “eu” e o “outro” é a base do evangelho.

É nesse movimento que a Aliança acontece.

Os piedosos de Israel, fechados e enrijecidos não conseguiram responder ao convite de Jesus à “conversão”, preferiram se fechar na exterioridade dos ritos litúrgicos, distantes da vida e dos sofrimentos das pessoas.

No evangelho deste domingo (João 12,20-33) Jesus diz: “quando for elevado da terra, atrairei todos a mim” (v. 33). Os primeiros a serem atraídos por Jesus foram os distantes: “Os gregos perguntaram a Filipe: ‘Queremos ver Jesus!’” (v. 21). E ao invés de responder aos gregos “como” fazer para encontrá-lo, Jesus anuncia “onde” encontrá-lo: “levantado da terra” (v. 32). Ali termos um novo encontro entre Deus e o humano.

No alto da cruz, o amor estará visível na sua forma mais pura. A FORÇA QUE ATRAI É ESSE AMOR! O amor é a gramática da cruz, onde tudo que parece fracassado brota vitorioso (o amor a si, ao outro, ao diferente, ao pobre). Este amor que se realiza doando-se, algumas vezes perdendo, se entregando, partilhando, para brotar para uma nova vida: “se o grão de trigo que cai na terra não morre, continua apenas um grão de trigo, mas se morre, produz vida” (v. 24).

É nesse sentido que compreendemos a beleza da Campanha da Fraternidade dentro do contexto quaresmal. Trata-se de uma resposta concreta ao seguimento da Nova Aliança: “Vós sois todos irmãos” (Mt 23, 8). Há os que entendem os apelos de uma religião segundo o coração de Jesus, há os que não têm flexibilidade para abrir o coração ao novo (cf. Salmo 50(51)) e se perdem naquilo que é secundário ou fútil.

Nosso querido papa Francisco lançou sua primeira autobiografia e compartilhou uma experiência dizendo-nos: “que uma senhora havia o acusado de anticristo por não usar mais o sapato vermelho” (sic). Como diz o ditado popular “é cômico, mas é trágico”, saber que em nossas comunidades aquilo que é relativo é considerado absoluto.

Converter-se ao evangelho é um processo de amadurecimento que nos faz perceber com o coração aquilo que Deus está nos ensinando.

Às vésperas da grande festa da vida (Páscoa), peçamos ao Senhor: “Criai em mim um coração que seja puro, dai-me de novo um espírito decidido”.

Boa semana!

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