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Padre e psicólogo.
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O tempo litúrgico da quaresma é tempo de revelação e de encontro com a Palavra de Jesus, o Filho de Deus.
A primeira leitura (Gn 22,1-2.9-13. 15-18), relacionada com o Evangelho, convida-nos a compreender a fidelidade de Abraão que, observando as práticas cultuais dos cananeus sente-se impelido, por aquele “estilo de fé e de culto”, a sacrificar seu filho Isaac no monte Moriá (v. 1-2).
Sacrificar o Filho? É importante dizer que no Oriente Médio Próximo, havia a prática de sacrifícios humanos, sobretudo de crianças, a fim de “aplacar a ira dos deuses”. Na medida em que Deus (que naquele momento histórico foi chamado de Adonai) vai se revelando à humanidade não deseja que esta prática continue. A literatura sálmica de Israel canta: “Sacrifício e oblação não quisestes, mas abristes, Senhor, meus ouvidos, não pedistes ofertas nem vítimas, holocaustos [queimar por inteiro] por nossos pecados” (Sl 39(40)). Ouvir-Te, é o que desejas.
Quem sabe, por um instante, Abraão tenha se questionado: “Se eles (cananeus) são capazes de fazer isso pelos seus deuses, para mostrar fidelidade e receber benefícios, o que posso fazer também pelo meu Deus?”. É uma reflexão piedosa, mas desprovida de sentido. Será que também nós, em nossas práticas religiosas, não estamos movidos por piedades (radicais) sem sentido nenhum?
No relato, Deus pede a Abraão que não leve adiante o sacrifício. Ele escuta e atende ao pedido de Deus (v. 9-10) e o Senhor se alegra com a fidelidade daquele que ele chamou (cf. Gn 12,1).
Ao povo de Israel, sempre em formação, Deus lhe pedirá vida e não morte (cf. Dt 30, 19). Serviria hoje esta Palavra de Deus para aplacar o ódio e as guerras legitimadas por autoridades que usam o nome de Deus, inclusive em terras santas? Será que acalmaria o frenesir das violentas brigadas em redes sociais que sacrificam/anulam as pessoas na esteira da hostilidade, ódio e da mentira (inclusive grupos radicais a denegrir o papa Francisco)?
Quantos sacrifícios são jogados nos ombros do povo em nome de uma falsa piedade ou um conceito de justiça iniquo. E porque falsa? Porque não gera a vida nem dentro de nós e nem no meio do povo, assim tornamos a vida pesada e ainda justificamos: “É vontade de Deus”. Mas de que Deus estamos falando?! Não foi por acaso que Jesus, o Filho de Deus, disse: “Vinde a mim todos vós que estais cansados e eu aliviarei vossos fardos” (Mt 11, 28).
Fará bem a todos nós lermos a Carta aos Hebreus. Um escrito do Novo Testamento que faz uma releitura da fé judaica e insiste em “corrigir” e “ensinar” que as práticas e conceitos veterotestamentários (sacrifícios, lei, sacerdócio, eclésia, nacionalismo/povo…) foram, EM CRISTO, refeitos.
O cântico medieval “Tão sublime sacramento”, de Santo Tomás de Aquino, diz: “Pois o Antigo Testamento deu ao Novo o seu lugar”. Às vezes, cantamos de forma tão angelical esta canção, mas, nem sempre somos tão angélicos quando precisamos migrar (do AT para o NT) e melhorar nossa compreensão sobre Deus, nossa fidelidade à sua Aliança de amor e de vida e nossa relação com as pessoas.
Na cristologia da carta aos Romanos (Rm 8, 31b-34), ouvimos que Deus não poupa seu Filho, mas o entrega como vítima de expiação por nós (v. 32). O trecho “não poupou seu filho” (v. 32) faz uma alusão a Gn 22,16, no qual se diz que Abraão não poupou seu filho Isaac.
A linguagem de Paulo é peculiar de uma sentença e de um juízo. Isso porque a tese fundamental da Carta aos Romanos é A JUSTIÇA DE DEUS EM JESUS. A morte de Jesus na cruz não pode ser entendida como abandono de um Pai que nada responde às dores de seu Filho; mas que, no sacrifício de Jesus Cristo, que DÁ A SUA VIDA POR UMA CAUSA (SALVAÇÃO), está o desejo Dele e do Pai de estar ao lado dos crucificados deste mundo: os pobres, os excluídos, os perseguidos por causa da justiça, etc.Essa certeza teológica responde à inquietação paulina: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (v. 31b).
Assim, mais uma vez Deus surpreende no seu conceito de justiça, Ele não é o Leão da Tribo de Judá, uma fera esperada por alguns para devorar a muitos, mas um cordeiro, em alusão tipológica ao Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo 1, 29).
O evangelho deste domingo (Mc 1, 12-15) nos levou para o Monte Tabor, juntamente com Jesus e três de seus discípulos: Pedro, Tiago e João. Estes três discípulos eram, naquele momento, os que mais precisavam subir ao Monte, para junto do Mestre, serem preparados para suportar a dura realidade do calvário.
A transfiguração do Senhor é a revelação da identidade divina de Jesus àqueles que ele chamou para o seguimento. Se o discurso da oposição, rejeição e morte ao Filho do Homem traz medo ao coração dos discípulos, a glória do Tabor aponta para o acontecimento salvífico da Cruz. E aquele momento era para que eles estivessem curados dos seus medos.
O Senhor que nos chama à amizade com Ele, quer purificar os nossos olhos, tirando-nos a cegueira do coração que prejudica a espiritualidade. Quer abrir nossos ouvidos para melhorar nossa capacidade de ouvi-Lo. Seu sacrifício não deve se tornar um mero preceito-memorial-cultual-litúrgico, mas a compreensão de que “ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos amigos”. (Jo 15, 13-17): Do simbólico ao real.
Desde domingo passado as leitura nos apresentam um Deus que não tem intenções apocalípticas de destruir nada (cf. Gn 9, 8-15), pois sua aliança é de amor, de cuidado, de proximidade e salvação. Essa é a mesma mensagem que continuamos a ouvir hoje quando Deus intervém no sacrifício de Abraão. Mas, para que essa catequese seja compreendida com o coração é preciso retirar-se dos círculos de legalismo-devocional-piedoso para ouvir a voz do Pai que diz: “Escutai o meu Filho”.
A Campanha da Fraternidade (CF) deste ano nos lembra: “Vós sois todos irmãos e irmãs” (cf. Mt 23, 8). A Lei de Deus, que é vida doada para o mundo (amor), nos inspire a lutar contra todo o tipo de fardo pesado e sacrifícios inúteis que são jogados nos ombros dos mais frágeis por aqueles que usam qualquer tipo de poder (religioso, politico, amizade, influenciadores midiáticos, etc…) para alienar, expor, humilhar, fazer sofrer, oprimir e matar.
No caminho da vida saibamos discernir o que, de fato, vem de Deus e o que vem dos interesses dos homens perversos.
*padre e psicólogo
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