Memórias olfativas das antigas bodegas e mercearias

Em meio às conversas animadas e descontraídas com os colegas da Confraria Literária, Cultural e Científica de Campina Grande, começamos a falar sobre as memórias olfativas das antigas bodegas e mercearias do interior da Paraíba.

Muitos não fazem distinção entre bodega e mercearia, mas havia diferenças entre elas. A bodega era um ponto de encontro em frente ao balcão, onde o proprietário e a maioria dos fregueses se conheciam pelo nome. A mercearia, por sua vez, poderia não ser tão sortida quanto uma bodega, mas a disposição dos produtos era mais organizada.

As bodegas eram geralmente desorganizadas. O proprietário não se preocupava em manter os produtos separados de forma sistematizada. O ambiente nem sempre era mantido limpo, mas, em meio a essa desordem, o bodegueiro sabia exatamente onde encontrar cada produto.

Ademais, havia a possibilidade de se comprar fiado, com o débito anotado em uma caderneta, o que evidenciava uma relação de confiança entre vendedor e cliente.

Assim, o ambiente da bodega era ao mesmo tempo comercial, social e comunitário. Não era apenas um lugar para comprar mantimentos: era uma referência, um local de encontro, onde as pessoas trocavam novidades e firmavam amizades.

Localizadas nos bairros periféricos das cidades ou nas zonas rurais, as bodegas eram prédios de arquitetura simples, com fachadas modestas, portas de madeira largas, piso de cimento queimado, balcão de madeira maciça, prateleiras altas também de madeira e tamboretes onde os fregueses se sentavam para beber e conversar, ou apenas aguardar o atendimento.

Cada bodega tinha o seu cheiro característico, produzido por uma simbiose de aromas dos diferentes produtos comercializados, entre eles: carne de charque, bacalhau, rapadura, café, açúcar, temperos secos, fumo de rolo, queijo de coalho ou de manteiga, banha de porco, querosene, sabonetes e sabão em barra. A mistura desses aromas formava a identidade olfativa do lugar.

Tanto nas bodegas quanto nas mercearias, os fregueses podiam encontrar quase tudo o que necessitavam: pães, bolachas, biscoitos, sal, laticínios, macarrão, Maizena, vinagre, refrigerantes, cervejas, aguardentes, água mineral, agulhas, frisos, esmaltes, alfinetes, colchetes, anil, lâmpadas, pregos, velas, caixas de fósforos, pavios, lamparinas, repelente de muriçocas e pernilongos (Espiral Sentinela), pilhas para rádios e lanternas, cordas de sisal e até “parafuso de cabo de serrote”, no dizer do poeta Jessier Quirino.

Um fato curioso é que em algumas bodegas e mercearias eram vendidos medicamentos populares, entre eles: analgésicos, antitérmicos, remédios para o estômago e para o fígado, fortificantes, laxantes, purgantes, pastilhas mentoladas, pomadas, antissépticos, cicatrizantes, gazes, álcool, esparadrapo e curativos adesivos.

Outro fato é que esses estabelecimentos eram conhecidos pelo nome de seus donos. Para ilustrar, seguem os nomes de alguns desses comerciantes que atuaram no bairro da Bela Vista, em Campina Grande – PB, nas décadas de 1960 e 1970: Adherbal, Aprígio, Arnóbio, Antonio Lemos, Basto, Biu, Cícero, Cosme, Inácio Queiroz, Jeremias, Joaquim, Josias, Júlio, Manuel, Muniz, Severino Jorge e Severino Palmeira.

Certamente, quem viveu esse tempo e frequentou esses estabelecimentos guarda consigo lembranças como um perfume impregnado na alma — algo que frasco nenhum é capaz de conter.

Por isso, com base nesses fragmentos rememorativos, pode-se afirmar que as bodegas e mercearias eram lugares onde se comprava o necessário e se levava de graça aquilo que o dinheiro não podia comprar: as memórias olfativas.