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Jornalista, professor universitário, escritor e membro da Academia de Letras de Campina Grande.
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Ouvi de um aluno, essa semana, a confissão de que ele, quando criança, tinha medo dos cantadores de viola. Eu tomei um susto com aquela revelação porque trata-se um excelente aluno que venho acompanhando o desenvolvimento dele desde a pandemia. O nome dele é João. E João é um nome muito simbólico para mim. Era o nome de mau avô paterno e também é o nome de meu irmão que veio antes de mim. Esse aluno em questão, sempre se destacou nas discussões teóricas e principalmente nas atividades práticas.
Tomado pelo espanto provocado por aquela confissão, eu falei na mesma hora, em tom de brincadeira, que meu encanto por ele tinha desabado por terra. Eu jamais imaginaria que ele fosse me dizer algo do tipo. Especialmente para um professor da disciplina de Folkcomunicação e Cultura Popular. Ele se justificou afirmando que isso foi um trauma do passado, que já foi superado, que tinha sido na infância e que inclusive hoje ele é amigo do poeta Feitosa Nunes, colega dele na Rádio Campina FM. Feitosa Nunes apresenta todas das madrugadas o programa Desperta Campina, com muita poesia de viola e tal. Mas o próprio Feitosa teria comentado com meu aluno da preocupação sobre o futuro dessa manifestação da cultura popular.
Numa de suas conversas confessou para João que nos próximos quinze anos não haverá mais cantadores de viola porque as novas gerações não se interessam por cantorias e que a geração de poetas está morrendo. Eu falei que essa também é uma preocupação da minha avó, dona Nenê, que hoje tem 96 anos. Ela adora os violeiros. Tem uns quinze dias que estive lá e percebi um aparelho celular dentro de uma sacola pendurado nos cordões da rede onde ela passa boa parte do dia. Perguntei o que tinha ali e minha tia disse que era o celular pra minha avó ouvir as cantorias dela. “Passa o dia tocando e ela fica bem quietinha”. A preocupação de minha avó sempre foi com o fim das cantorias. Certo dia ela chegou pra mim e disse: Jura tá se acabando né, essas cantorias de viola? Os jovens não se interessam e os velhos estão tudo morrendo? Eu não soube responder a esse questionamento, mas postei, nas minhas redes sociais, o comentário da minha matriarca e na mesma hora o poeta Iponax Vila Nova, filho do grande cantador, violeiro e mestre da poesia Ivanildo vila Nova mandou o seguinte recado para minha avó: Jurani, diga a sua avó que fique tranquila. Tem uma nova geração que vai manter viva a poesia e as cantorias de viola. Eles estão inclusive muito atuantes nas redes sociais e nos canais digitais como YouTube.
Bom, esperamos que seja verdade e que a cantoria popular sobreviva a esse contexto de desilusões. Ah, meu aluno explicou que o medo dos cantadores se deu porque quando ele era criança, tinha um vizinho que acordava todas as manhãs com o aparelho de rádio no volume máximo sintonizado em programas de violeiro. E aquele canto, aquelas melodias, aquelas empostações de voz soavam estranhas e assustadoras. Eu nem deveria condená-lo por isso: ainda hoje tenho um trauma danado dos terços de penitentes exatamente porque, no período da Semana Santa, eles (os penitentes) passavam de madrugada, de casa em casa, cantando seus benditos e pedindo esmola. Era um canto fúnebre, agourento, meio sinistro e aquilo ainda hoje é um pouco assustador pra mim. Gosto deles, respeito, valorizo, já mostrei grupos de penitentes de Várzea Alegre para alunos aqui na UEPB, mas aquelas memórias da infância me perseguem até hoje.
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