Fechar
O que você procura?
Blogs e Colunas
Professor Titular aposentado do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
Continua depois da publicidade
Na segunda metade do decênio de 1970 e na primeira metade da década de 1980, fiz algumas viagens a Pombal, município localizado no Sertão do Estado da Paraíba, a cerca de 373 quilômetros de João Pessoa-PB. Foi em uma dessas viagens que conheci um senhor apelidado de Galego, morador da fazenda São Braz, propriedade de meu tio Antonio Fernandes.
Do Galego, nada me disseram sobre o seu verdadeiro nome e a sua origem. Mas, observando o seu tipo físico, não percebi nele traços sertanejos, e sim de um homem oriundo da região do Cariri: estatura mediana, corpo esguio e pele marcada pela exposição ao sol. A voz era um pouco grave, com forte entonação nordestina.
A conversa com Galego se deu na varanda da casa principal da fazenda. Meu tio me apresentou a ele e disse que eu morava em Campina Grande-PB. Ainda segundo meu tio, Galego gostava de cantar, era compositor e tinha o sonho de ter uma música de sua autoria gravada por Genival Lacerda.
Sem me comprometer a apresentar a música a Genival Lacerda, pedi ao Galego que cantasse uma de suas músicas, mesmo sem acompanhamento. E ele cantou.
Infelizmente, na ocasião eu não tinha um gravador para fazer o registro sonoro. Então, percebendo o momento raro, peguei um lápis e copiei a letra enquanto ele cantava.
Segue o registro:
“Sexta-feira Santa, quando o galo cantou,
Pra comer uma galinha, um amigo me chamou.
E tornou-se uma farra,
Tomei tanta cerveja com São João da Barra,
Que até a vizinhança se admirou.
Eu saí pra tocar fora de manhã bem cedo,
Saí embriagado que fazia medo.
Meu burro castanho tropeçou das mãos,
Me deixou estiradinho, reladinho no chão.
De tardezinha quando o baile começou,
Recebi um bilhetinho que mamãe mandou.
No bilhete ela dizia: meu filho, não faça maior agonia,
Abandone essa bebida pelo leite que mamou.
Nisso veio o meu amigo com a cara dura,
Trazendo uma copada da brejinha pura.
Meti a mão no bolso e mostrei o bilhetinho,
Não posso ser ingrato a essa criatura”.
Segundo os escritores paraibanos Verneck Abrantes e Jerdivan Nóbrega, nos dias 9, 10 e 11 de abril de 1938, o escritor Mário de Andrade esteve em Pombal, coordenando uma Missão de Pesquisas Folclóricas, na qual foram realizadas gravações de manifestações populares, dentre elas: cantos de pedintes, desafios de violeiros, chulas, modinhas e cocos.
Quem sabe, se uma missão semelhante àquela coordenada por Mário de Andrade tivesse encontrado o Galego na ocasião em que o conheci, não teríamos hoje o registro em áudio e imagem desse artista popular?
Aos prezados leitores deixo uma pergunta adicional: quantos Galegos ainda existem pelo interior do país, cantando e compondo nos grandes sertões profundos sem jamais terem sido ouvidos fora de suas veredas?
Atenção: Os artigos publicados no ParaibaOnline expressam essencialmente os pensamentos, valores e conceitos de seus autores, não representando, necessariamente, a linha editorial do portal, mas como estímulo ao exercício da pluralidade de opiniões.
Continua depois da publicidade
© 2003 - 2025 - ParaibaOnline - Rainha Publicidade e Propaganda Ltda - Todos os direitos reservados.