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Edjamir Sousa Silva

Edjamir Sousa Silva

Padre e psicólogo.

Ficar dentro ou ficar fora?

Por Edjamir Sousa Silva
Publicado em 8 de junho de 2024 às 20:09

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No evangelho de domingo passado (Mc 2, 23-3,6) Jesus reinterpretava a Lei ao dizer que “o homem não foi feito para o sábado, mas o sábado foi feito para o homem” (2, 27) e concluía atribuindo para Si mesmo a competência de dar o autêntico entendimento das coisas: “O Filho é Senhor do sábado” (v. 28).

A interpretação dada foi de que a liberdade, o bem e a dignidade humana estão no centro da compreensão da Lei de Deus. Santo Irineu de Lião (+202) dizia que “a glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem é a visão de Deus”.

Essa compreensão mais humanista da Lei de Deus rendeu muito Mal-Estar frente às autoridades religiosas ao ponto do evangelista dizer que “imediatamente tramaram, contra Jesus, a maneira de como haveriam de mata-lo” (Mc 3,6).

No evangelho deste domingo (Mc 3, 20-35) encontramos Jesus numa casa, ambiente familiar, cercado por uma multidão, mas ainda se este o clima pesado de domingo passado ao ponto da família de Jesus entrar em cena: “Quando souberam disso, os parentes de Jesus saíram para agarra-lo, diziam que estava fora de si” (v. 21).

“Está fora de si”. Essa opinião dos parentes nos deixa perplexos e o espanto aumenta quando, junto com um grupo de irmãos, também está sua mãe (v. 31). Eles têm bons motivos para estarem preocupados com Jesus. Faz meses que Ele saiu de casa (provavelmente ser dar muita notícia).

Em Nazaré (lugar onde também Ele causou Mal-Estar) chegaram noticias contraditórias sobre sua atividade em outras regiões: alguns falam bem dele, outros não, pois não concordam e não admitem com o jeito dele e com o que ele diz.

Para a sua época, Jesus foi aquele “jovem mente aberta e madura” que sempre preocupou e preocupa as famílias mais tradicionais, como também aos pregadores que anulavam a vontade de Deus em função de tradicionalismos (cf. Mc 7, 8-13. Mt 15, 6). MAS, JESUS NÃO CEDE AO MEDO E AO ANACRONISMO, MESMO DIANTE DAS PRESSÕES.

A família chega onde Jesus está morando, encontram-No falando para sua “nova família”, mas não entra. Ele é que deve sair, querem levá-lo de volta para Nazaré. Em sua “nova morada”, o Mestre aponta as condições exigidas para poder fazer parte da sua família: “escuta-Lo melhor, compreender e fazer a vontade de Deus” que O enviou.

Quem ficar de fora desta sua “nova casa” (deste conceito mais amplo de família), mesmo que seja parente biológico, não é nem seu irmão.

Os parentes que ficam do lado de fora são aqueles que mesmo que cresceram com ele, entretanto, ao ouvi-Lo a pedir uma nova mentalidade, um jeito mais humano da interpretação da lei de Deus, preferiram “ficar fora disso”.

Muitos cristãos mesmo estando geograficamente “dentro” preferem “ficar de fora” porque não levam a sério as exigências do evangelho e vão levando uma vida sem nem perceber o que Jesus está ensinando. Por vezes, nos assusta que muitos que estão envolvidos com tantos atos de piedades (estão dentro), mas são tão desumanos e interesseiros (estão fora).

O Mal-Estar se prolonga quando o texto (vv. 22-30), inserido entre a saída e a chegada dos parentes de Jesus, apresenta outro grupo de pessoas (Escribas) querendo desestabilizar Jesus. Estes vieram de Jerusalém para levar novas acusações contra o Senhor: está possuído por um demônio e suas obras são realizadas com a ajuda do demônio. Jesus esclarece que não é possível que o demônio esteja tão divido assim.

O inimigo de Deus é inimigo do homem. Tudo o que ele faz é contra a vida, a liberdade e a felicidade do homem. Jesus realiza obras que contrariam as obras do mal; por isso, o que Ele faz não vem do demônio. A afirmação do Senhor nos oferece um critério de interpretação importante para avaliar quando uma pessoa está do lado de Deus ou aliado ao demônio. Quem age em beneficio do ser humano: veste um nu, socorre os doentes, sacia a fome, não faz discriminação de pessoas, não exclui, trabalha pela dignidade de todos, não busca privilégios, é assim que se está do lado de Deus.

Muitas pessoas se assustam diante das injustiças (tão próprias do maligno) presentes em nossas cidades, nas igrejas, nas rodas de amigos, em nossas famílias e em nós mesmos. Quantas vezes nos surpreendemos com tantos discursos de ódio, de xenofobia, racismos ou mesmo o ódio por questões de gênero (dentro desses ambientes). E quando alguém propõe algo novo, há uma tentativa de impedi-lo, pois o julgam está fora de si ou com um demônio.

É dentro desse contexto de Mal-Estar e de tensão entre o legalismo e ação do Espírito que o Mestre diz “todos os pecados serão perdoados, exceto de blasfêmia contra o Espirito” (v.v. 28-30). Os fariseus acusavam Jesus de blasfêmia contra a lei de Moisés, mas Jesus diz que blasfêmia é fechar-se ao Espirito (ao Amor).

É preciso prestar muita atenção, pois não é muito difícil cometer este pecado. O demônio pode nos envenenar, por isso, temos de estar sempre vigilantes, deixando-nos conduzir pelo Espírito Santo. Fechar-se ao evangelho pode ser um caminho para as “blasfêmias contra o Espirito”. Perseguir quem faz o bem ao próximo e viver numa frenética politica de desmoralização do outro é sinal de um coração atrofiado e fechado aos designíos de Deus.

Não tenhamos a “Síndrome de Nazaré” ou a “Síndrome dos Fariseus” de achar que só nós pertencemos à família de Jesus (o clubinho dos eleitos exclusivos). Parece ser estranho dizer isso, mas é fundamental dizer que, cuidado para não usarmos a devoção a Maria em nome de uma proposta piedosa desvinculada do evangelho ou fazendo oposição aos valores do evangelho. Lembre-se que tornar-se irmão, irmã, mãe de Jesus é ter a ousadia de viver a liberdade do evangelho e ir além. Sigamos o conselho da Mãe de Deus: “Fazei tudo o que meu Filho vos disser” (Jo 2,5).

Boa semana!

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