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Professor Titular aposentado do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
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Na antiga cultura do Nordeste brasileiro, no tempo em que o acesso à assistência médica era precário e limitado, os saberes populares predominavam, sob as formas de rezas, “meizinhas” (ervas e raízes) e simpatias. Entre eles, havia uma crença curiosa e fascinante de que o baião de viola teria o poder de combater a peçonha inoculada por picadas de cobras ou aranhas.
Segundo a tradição oral, o som da viola teria o poder de desacelerar o ritmo do coração, baixar a febre e até “espantar” o veneno. Para tanto, o baião era tocado de tal forma que a vibração das cordas entrasse em sintonia com o organismo do doente e neutralizasse a ação do mal.
Às vezes, o violeiro entoava uma cantiga que invocava a intercessão de santos protetores, como São Bento, misturando a medicina empírica com a crença religiosa. Nessas situações, o som da viola era visto como uma força sobrenatural capaz de “organizar o sangue” e “puxar a dor para fora do corpo”, como diziam os mais velhos.
Nesse contexto, o baião de viola não era visto como superstição: tratava-se de um ato de fé, de solidariedade e de profunda conexão com os saberes ancestrais enraizados na vida daqueles viventes e morrentes naqueles sertões profundos.
Quando criança, durante umas férias que passei na zona rural de Coremas – PB, minha terra natal, ouvi muitas histórias contadas por senhoras idosas sobre o poder curativo do baião de viola e sobre curas realizadas com rezas combinadas com o uso de ervas e raízes extraídas da natureza.
No tocante aos violeiros, em 2016, o confrade Roniere Leite Soares, com o reconhecimento da Agência Nacional do Cinema, lançou o audiovisual Os Trinta Poetas, disponível no YouTube. Nesse documentário há um depoimento emocionante do poeta boavistense Mailton Monteiro sobre a vida e a morte de seu pai, Norberto Monteiro, cantador e violeiro profissional.
Na sequência, Mailton narrou, em versos, o caso de um menino picado por uma aranha peçonhenta que foi salvo pelo toque de um baião de viola executado por ele, no tempo em que era aprendiz de violeiro.
Recentemente, em julho de 2025, o pesquisador, poeta e palindromista Pablo Alsina, o argentino mais nordestino que conheço, compartilhou comigo um vídeo no YouTube intitulado O poder da viola, interpretado pela dupla Pardinho (Antonio Henrique de Lima) e Pardal (Gonçalo Gonçalves), cuja letra descreve como, benzida a toque de viola, uma menina picada por uma aranha peçonhenta teria escapado da morte.
Embora esses e outros relatos de “curas” após picadas de aranhas não possam ser confirmados cientificamente, o poder curativo do som da viola pode ser associado ao campo da fé e da memória coletiva de um povo que aprendeu, a duras penas, a conviver com as vicissitudes e durezas da vida sertaneja, num passado que, infelizmente, ainda se faz presente em muitos rincões do Brasil.
E assim, entre fé, tradição e memória, compreende-se por que os antigos diziam: “Quando a viola fala, o peito chora e sara”.
Atenção: Os artigos publicados no ParaibaOnline expressam essencialmente os pensamentos, valores e conceitos de seus autores, não representando, necessariamente, a linha editorial do portal, mas como estímulo ao exercício da pluralidade de opiniões.
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